O consumo no Brasil está passando por uma transformação profunda, impulsionada por uma combinação de forças econômicas, sociais e tecnológicas. O estudo Tomorrow’s Consumer Wave 24, realizado pela Mosaiclab em setembro de 2024, revela como essas dinâmicas afetam o comportamento do consumidor e os desafios que marcas e varejistas precisam enfrentar para se adaptar a esse novo cenário.
A força das pressões econômicas
Um dos fatores mais impactantes na transformação do consumo é o contexto econômico desafiador. A inflação elevada, o aumento do custo de vida e as taxas de juros em patamares historicamente altos estão reduzindo o poder de compra dos brasileiros. Dados do estudo apontam que 37% dos consumidores relatam enfrentar dificuldades financeiras significativas, com o endividamento e os juros altos restringindo a capacidade de consumo.
Além disso, as apostas online (bets) têm um impacto considerável nas finanças das famílias. Nos últimos dois anos, 18% da população admitiu ter feito apostas online, e 20% dos apostadores afirmam que essas atividades afetam de forma significativa o orçamento familiar. Esse comportamento é majoritariamente masculino (60% homens) e tem forte concentração nas classes B (42%) e C (36%). A faixa etária mais representativa é de 18 a 30 anos, que corresponde a 33% dos apostadores. Além disso, 20% dos apostadores já reconhecem uma tendência ao vício em jogos, o que aumenta o impacto financeiro e emocional dessas práticas.
A consequência direta desse cenário é uma maior infidelidade às marcas, com consumidores mais dispostos a mudar de marca em busca de melhores preços e ofertas.
A digitalização como catalisadora
Se a economia impõe limitações, a tecnologia está se tornando uma ferramenta essencial para que os consumidores superem essas barreiras. A digitalização do consumo cresce rapidamente, com compras online ganhando relevância nos próximos anos.
A adoção de novos meios de pagamento também está transformando a experiência de compra. Programas de cashback, por exemplo, são altamente atrativos, com consumidores aprendendo a usar esse benefício de forma mais eficiente. No entanto, o estudo ressalta que, ao mesmo tempo em que o cashback oferece conveniência e fideliza os consumidores, ele também retira dinheiro de circulação que poderia ser usado para a compra de outros produtos e serviços. Ou seja, enquanto facilita o consumo e gera lealdade, impacta o fluxo de dinheiro pelo uso de descontos e pontos, criando um paradoxo entre lealdade e redução da receita circulante.
Sustentabilidade em xeque
Embora as preocupações com sustentabilidade tenham sido destaque nos últimos anos, o estudo Tomorrow’s Consumer Wave 24 mostra que os atributos relacionados a ESG (Environmental, Social, and Governance) estão perdendo importância no momento da compra. A importância de fatores sustentáveis caiu em 2024, e muitos consumidores demonstram ceticismo em relação ao impacto real de suas escolhas sustentáveis. Barreiras econômicas, culturais e educacionais ainda impedem uma adoção mais ampla dessas práticas.
Mesmo assim, as empresas que conseguem alinhar práticas sustentáveis com conveniência e preço competitivo têm uma vantagem importante, especialmente em tempos de incerteza econômica, em que a busca por valor é o principal motivador das decisões de compra.
O smart consumer e a busca por valor
O smart consumer – mais crítico, impulsivo e menos fiel – é o novo perfil do consumidor brasileiro. Movido pela combinação de tecnologia e busca por valor, este consumidor utiliza intensivamente plataformas digitais para tomar decisões de compra informadas. Comparam preços, leem avaliações e são fortemente influenciados por avaliações online e recomendações digitais.
Esses consumidores buscam otimizar cada transação, recorrendo a promoções, impulsionados pela conveniência e pelo valor percebido pelo que é comprado.
A jornada digital e a reconfiguração dos canais de venda
A migração para os canais digitais continua a crescer, refletindo uma mudança no comportamento do consumidor. Embora a maior parte das compras ainda seja realizada em lojas físicas, o canal digital continua ganhando participação. Essa transição destaca a necessidade de uma abordagem omnichannel pelas empresas, que precisam oferecer uma experiência integrada, fluida e consistente entre os diferentes pontos de contato – sejam eles físicos ou digitais.
Adaptar-se ou ser deixado para trás
O consumidor brasileiro está mais exigente, informado e conectado do que nunca. As empresas que desejam prosperar nesse novo cenário devem focar em agilidade, inovação e transparência. Isso significa oferecer não apenas produtos de qualidade, mas também uma experiência de compra integrada, que atenda às demandas de um consumidor que valoriza conveniência mais do que em outro períodos.
Os dados da Tomorrow’s Consumer Wave 24 mostram que o sucesso das marcas dependerá de sua capacidade de se adaptar às novas dinâmicas do mercado, compreendendo profundamente as mudanças no comportamento do consumidor. Mais do que nunca, o desafio é alinhar estratégia, tecnologia e propósito para atender às demandas de um consumidor cada vez mais complexo e volátil.
Karen Cavalcanti é sócia-diretora da Mosaiclab, área de inteligência de mercado da Gouvêa Ecosystem.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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