“Repetir que a participação do presidente Lula no evento do dia 1º de Maio, Dia do Trabalho, no Corinthians, foi um fiasco é até generoso. De fato, pode ser caracterizado como um vexame.
Para além das questões de falta de planejamento, organização, capacidade de mobilização, comunicação e sensibilidade política, muitas outras questões mais abrangentes devem ser consideradas.
E uma das mais importantes é que o emprego e o trabalho se transformaram estrutural e irreversivelmente no varejo e em praticamente todos os setores.
E a ausência de trabalhadores dispostos a ouvir discursos e pregações em tempos de economia cada vez mais digital é apenas mais um sintoma dessa realidade. Sem esquecer a também desconexão dos sindicatos com essa transformação e a perda total de seu poder de mobilização.
Por conta disso, o “pito” público no palanque do presidente a seus assessores pelo vexame deve ser entendido de forma mais ampla e provocar reflexões ainda mais abrangentes.”
As próprias estatísticas que envolvem emprego, ocupação e desemprego devem ser vistas com maior cautela, quando o critério histórico para avaliação de desemprego é definido pelo conceito de quem não está procurando emprego.
Podemos assumir que com esse conceito o índice de desemprego continuará caindo, já que existem hoje perto de 15 milhões de MEIs (Microempreendedores Individuais), um crescimento marcante desde que foi criado o programa, em 2008, e que havia passado para 995 mil aderentes até 2011. Esse número deverá crescer ainda mais com as alterações previstas com aumento dos tetos de faturamento anual.
Parte desses MEIs são, de fato, microempreendedores individuais dentro do conceito clássico de pessoas em atividades empresariais de pequeno porte. Porém, outra parte envolve prestadores de serviços, sob as mais diversas formas, para outras empresas, entidades, negócios e quaisquer outros tipos de organização empresarial pública ou privada no Brasil ou mesmo no exterior. E que não estão procurando emprego ou empregadas no sentido tradicional.
Outra distorção no Brasil é gerada pelo programa de auxílio do governo, que cresceu nos últimos anos, passando de 6,6 milhões, em 2004, para 14 milhões em 2014 e chegando, em 2024, a 21 milhões de famílias e 56 milhões de pessoas atendidas.
A questão a ser também considerada, ao lado dos seus inegáveis e necessários benefícios, é que mantém boa parte desses beneficiados na condição de dependência do programa, sem buscar emprego, desenvolvimento e sem estímulo para serem registrados como empregados, mesmo exercendo atividades profissionais em “bicos” e trabalhos eventuais. E que logicamente não se identificam como trabalhadores para ouvir discursos no Dia do Trabalho.
Vale lembrar que em 13 estados brasileiros, ou seja, em 50% do País, o número de beneficiados pelo programa de auxílio governamental, com natural predominância das regiões Norte e Nordeste, é superior ao número de trabalhadores registrados na carteira de trabalho.
Existem ainda todos aqueles envolvidos pela economia informal – uma parte desse grupo está conectada pelas plataformas digitais, redistribui no varejo produtos adquiridos das plataformas globais que não se registram como empresas, não está procurando emprego e não se considera entre aqueles homenageados no Dia do Trabalho.
Outros aspectos também estão envolvidos nesse processo de transformação estrutural do emprego e do trabalho, por conta do avanço da economia digital e do crescimento do informal, nas realidades local e global, com suas intrínsecas particularidades.
A revolução digital potencializada pela IA vai acelerar a transformação do emprego como ele é medido hoje, mas também precipita uma transformação maior, como algumas pesquisas do Gartner mostraram, sinalizando que 40% dos empregos poderiam desaparecer. Mais recentemente, o FMI também alertou que a IA deve afetar 40% dos empregos do mundo.
Para além das mudanças nos aspectos estatísticos de mensuração dos conceitos de emprego, desemprego, ocupação, trabalho eventual, dependência de programas governamentais e outras questões, existem muitas outras consequências, desafios e oportunidades envolvendo educação, qualificação e requalificação profissional, desenvolvimento pessoal, representação, comunicação e muito mais.
O que aconteceu com aquele número ínfimo de presentes no Dia do Trabalho, no campo de um dos mais populares times de futebol do País para ouvir o discurso presidencial, sindical e a ilegal pregação eleitoral deveria ser um convite a uma reflexão muito mais abrangente sobre as novas dimensões do trabalho e do emprego e precipitando a necessária revisão de conceitos, legislação, estruturas, organização e programas de auxílio. Sem falar na forma de pensar, se é que ainda é tempo para mudar.
Pelo menos, o vexame teria servido para algo mais estrutural e estratégico.
Vale refletir.
Nota: No Latam Retail Show, de 17 a 19 de setembro no Expo Center Norte, em São Paulo, haverá especial ênfase, conteúdo e programação dedicados às discussões dos impactos dessas transformações na realidade brasileira com a presença de marcas, negócios e iniciativas que mostram caminhos já sendo percorridos na integração virtuosa de negócios para enfrentar os desafios à frente. O evento terá transmissão virtual de parte do conteúdo para os que não puderem participar presencialmente.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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