Neste terceiro artigo focando no foodservice, motivado pelo que foi apresentado durante o NRA Show em Chicago agora em maio, vamos avaliar com mais ênfase os elementos que são mais relacionados com a realidade no Brasil.
Um dado importante é que o setor no país tem uma base de informação e inteligência diferenciados em relação a outros segmentos graças aos trabalhos coordenados pelo Instituto Foodservice Brasil (IFB), que, de forma inédita em termos de pensamento empresarial, é integrado por toda a cadeia de valor, envolvendo operadores, distribuidores e fornecedores de produtos e serviços do segmento de foodservice e monitora, analisa e projeta de forma diferenciada e única todo o comportamento e desempenho setorial.
Considerando tendências globais e locais, a possível visão consolidada do momento do setor indicaria alguns vetores de reflexão que deveriam ser considerados envolvendo um pensamento mais estratégico.
1. A participação do foodservice continuará crescendo no total dos dispêndios com alimentação no Brasil pelos próximos anos.
Na média nacional esse número está em 35%, mas nas maiores cidades do Sudeste se aproxima dos 40%. De forma mais estrutural, a mudança dos hábitos alimentares e mais o crescente papel da mulher nos ambientes de trabalho e a evolução do home office e o home schooling justificam em parte esse crescimento do lado da demanda. Do lado da oferta, também existem mudanças estruturais com aumento de alternativas, do delivery ao crescimento físico e virtual das redes e operações integradas com conveniência.
De forma mais pontual, a menor inflação do setor de alimentação fora do lar, de 6,1 % segundo os dados de abril de 2022, comparada com 16,3% da alimentação no lar, estimula o uso mais intenso das opções existentes.
Em termos estratégicos e estruturais é possível prever a continuidade desse crescimento maior na participação porque, na comparação com a realidade de economias mais maduras, existe uma tendência natural de que o setor de serviços de alimentação aumente à medida que uma economia amadureça e se desenvolva, como acontece no Brasil.
E os patamares atuais de participação no Brasil estão baixos quando comparados com padrões internacionais.
2. A maturidade do setor de foodservice no Brasil deu um salto marcante nos últimos anos, em especial durante a pandemia.
Muitos setores do varejo e consumo evoluíram de forma relevante nos últimos anos pela incorporação de práticas, processos, tecnologia e profissionalização que os aproximaram cada vez mais da realidade de mercados mais desenvolvidos e maduros.
No caso do foodservice, essa evolução foi ainda mais relevante a ponto de permitir destacar que o que se faz hoje no Brasil em termos de monitoramento, análise e previsão de comportamento setorial é um benchmarking para outros segmentos no Brasil e, também, no mercado internacional, exatamente pelo pensamento inovador de integrar a cadeia de valor para uma análise setorial mais completa e minuciosa.
E isso é atestado por grupos internacionais, operadores e fornecedores, que podem comparar o que têm disponível hoje no Brasil com outros mercados em que operam.
3. Transformação digital é vetor crítico do crescimento setorial.
Assim como em outros setores ligados ao consumo, o futuro estratégico e operacional está diretamente relacionado ao nível de maturidade digital das organizações que operam na área, nos elementos envolvidos nos processos de abastecimento, produção, armazenamento, operação e em tudo que diga respeito à melhoria da eficiência operacional e redução de custos, mas também, e principalmente, na experiência e no relacionamento com o consumidor.
A necessidade de constante melhoria em tudo que diga respeito à eficiência, controle e redução de custos num cenário pressionado pela inflação fez com que a tecnologia e a evolução da incorporação de recursos digitais reconfigurassem o negócio do foodservice nos últimos anos.
Mais recentemente a melhoria da experiência e as formas de conhecimento, monitoramento e relacionamento direto com consumidores criaram novas alternativas para que todos esses processos se tornassem mais efetivos em sua proposta e colocassem um ativo estratégico importante ao alcance dos operadores do setor, as redes de foodservice, pois a constância do relacionamento ditada pela alimentação viabiliza o monitoramento de hábitos e permite seu uso também em caráter preditivo.
4. Mudança de hábitos alimentares desafia a evolução da oferta de produtos e serviços.
O processo de mudança de hábitos de alimentação é uma constante, mas é inegável que temas envolvendo saúde, cuidados pessoais, bem estar, saudabilidade, origem, sustentabilidade e outros cresceram de importância nos últimos anos, determinando a necessidade de pesquisa, desenvolvimento, testagem e implantação de alternativas de forma mais rápidas e relevantes para atender a esses novos desejos, em particular os manifestados pelas populações mais jovens em todo o mundo e também no Brasil.
Por conta disso fornecedores, distribuidores, operadores e organizações independentes têm cada vez mais se integrado, de forma virtuosa, para atuar nesse tema. Essa integração busca trazer alternativas para atender consumidores cada vez mais demandantes de inovações nesses campos envolvendo de opções mais saudáveis e naturais a alternativas “plant based” transformando estruturalmente o futuro da alimentação no mundo e no Brasil.
E da mesma forma gera novos desafios para os setores de supermercados, hipers e conveniência para se adequarem em termos de oferta de produtos e, principalmente, serviços e soluções, pois o todo dos dispêndios com alimentação está migrando de simples oferta de produtos para preparo no lar para demandas por novas alternativas envolvendo a alimentação preparada e pronta fora do lar.
5. Os desafios atuais envolvem inflação, eficiência e experiência.
Diferentemente do mercado internacional, que enfrenta no curto prazo problemas mais crônicos envolvendo abastecimento, falta de gente, inflação elevada e a confiança reduzida de consumidores por conta de conflitos e outras questões econômicas e sociais, no Brasil os desafios estarão concentrados em operar de forma eficiente e rentável no cenário atual caracterizado pela retomada do consumo de forma generalizada.
Os indicadores mais recentes mostram a evolução do vendas e do desempenho balizados pelo aumento do tráfego nas operações, a evolução do ticket médio e do consumo de forma geral com o ajuste da participação do delivery por causa do processo de retomada e do desejo de relacionamento pessoal. Porém tudo isso redesenhado num quadro econômico que torna o consumidor mais racional em seu comportamento no presente e no futuro.
Esses elementos sinalizam a importância do foco nas alternativas que contemplem as demandas emergentes ligadas às soluções oferecidas e ofertas com maior percepção de valor, paradigma que se torna mais importante como parte de um processo evolutivo marcado por cenários econômicos mais desafiadores.
Nos mais diversos setores e segmentos, com evidente exceção daqueles incluídos no micromercado AAA, o sentimento de busca de maior valor em tudo que envolve consumo na realidade brasileira determina um comportamento mais racional de compras e consumo. Esse comportamento já vinha evoluindo no passado e se tornou ainda mais forte no curto prazo, assim como a busca de soluções inovadoras que conciliem o sentimento de “mais por menos” envolvendo categorias, marcas, produtos, locais e canais de compra.
O resultado dessa equação envolvendo esses temas é sem dúvida desafiador e marca a continuidade da evolução setorial positiva em percentual superior ao de outros segmentos do consumo e varejo, atraindo mais investimentos, marcas, conceitos e negócios para um setor que, por sua característica, é um termômetro bem preciso da evolução das sociedades no Brasil e no mundo.
Nota: Com o artigo desta semana fechamos o ciclo de análises sobre o setor de foodservice e os impactos das transformações estruturais no Brasil precipitado pela participação no NRA Show em Chicago.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.