O Chile é realmente impressionante. Dono de paisagens extremas que contornam seu território como desertos, mares, cordilheiras e geleiras, é também um país que apresenta um interessante cenário de varejo.
De passagem pela capital chilena, aproveitei para colher alguns insights interessantes sobre o comportamento do varejo no país vizinho. Normalmente, quando tenho a oportunidade de me hospedar em algum local onde sei que a cultura é diferente, costumo ficar o mais próximo possível de bairros residenciais, ou mais próximo do centro da cidade, disposto a fugir das armadilhas turísticas, e ao mesmo tempo, realizar uma verdadeira imersão dentro da cultura. Gosto de ver o que o verdadeiro povo da cidade faz: onde anda, onde come, onde compra, enfim, gosto de tentar vivenciar, pelo menos por um curto período, como é viver no local.
Há muitos contrastes no varejo de Santiago. Há, como se poderia esperar de uma das melhores economias da América do Sul, colossais shoppings como o Parque Arauco e seus boulevares, ou o Costanera Center, com sua torre de escritórios que oferece uma incrível visão panorâmica da cidade. Nesses shoppings, encontram-se o que se espera: um desfile de marcas, boa parte internacional, bons serviços, um mix diversificado, oferecendo restaurantes casuais e até mesmo supermercados.
No Chile, há uma presença ainda muito forte do formato de loja de departamentos, capitaneados principalmente por marcas dos grupos Falabella, e Cencosud (Paris). Mesmo nos shoppings, há sempre alguma delas como protagonistas, tradicionalmente atravessando todos os andares do mall, num formato que ainda pode ressurgir no Brasil a qualquer momento.
O grupo Cencosud, além de operações diversas, como supermercados (Jumbo), Casa e Decoração (Easy) e até mesmo moda, com a marca Johnson, também é, entre outros negócios, um dos principais operadores de shoppings do país. O maior mall da cidade (e um dos maiores da América Latina), o Costanera Center acima citado, é controlado por eles. Vale destacar que se o grupo Cencosud ainda possui dificuldades para conquistar melhores resultados no Brasil, o Grupo Falabella já tem uma boa operação com as lojas de sua bandeira de material de construção, a Sodimac, que inicialmente desembarcou no país através da aquisição da rede Dicico.
Mas é na rua que se observa movimentos interessantes. Um dos que mais me chamou a atenção foi o cruzamento de alguns formatos que resultou em interessantes operações.
Em uma loja dedicada somente aos serviços financeiros da Falabella, como consórcio e agência de viagens, havia uma cafeteria, da colombiana Juan Valdéz, em operação. Uma excelente ideia que já fora de certa forma trabalhada no Brasil, por exemplo, com a agência do Santander aberta no começo do ano em parceria com a rede de cafeterias da argentina Havanna, nas proximidades de um dos cruzamentos mais conhecidos de São Paulo, o da Faria Lima com a JK.
Entretanto, é do próprio Santander um dos exemplos mais interessantes nesse sentido que vi. Uma agência, batizada de Work Café mistura agência, co-working e cafeteria, em um espaço onde os clientes podem realmente passar seu dia, trabalhando como num co-working, com todas as comodidades de se ter uma agência dentro do mesmo espaço. Uma reinvenção do formato, que aparentemente já encontra algumas unidades abertas no Brasil.
E se há os grandes shoppings, similares ao que acontece nos grandes centros de outras cidades, há a presença de galerias (muito numerosas no Chile), que, de alguma forma, parecem datadas, ou esquecidas pelo tempo. Se há a impressão de que nessas galerias tudo acontece em um ritmo mais lento, analógico, onde o digital parece ainda não ter chegado; o variado mix, considerando miudezas chinesas representadas, principalmente, por acessórios de telefones celulares, mostra uma outra verdade. O produto está se transformando, mas o varejo não parece estar acompanhando o ritmo.
A segurança que se tem nessas cidades fora do Brasil, traz um movimento mais interessante ao varejo de rua, mais pujante, mais vivo, mesmo que datado. É difícil não caminhar pelo calçadão do centro às 22h00, com algumas operações como restaurantes e lanchonetes ainda abertos, e imaginar o impacto que mais segurança traria ao comércio de rua do Brasil.
Em relação à inovação, ela parece restrita aos grandes players, ou às marcas internacionais, quando já trabalhadas em outros países. Mesmo nas grandes marcas e grupos observa-se mais do mesmo, uma tendência cada vez mais forte à adesão de sistemas e tecnologias que permitam o autosserviço para pagamentos e atendimentos. A impressão que se tem é que a velha e boa resistência em relação ao novo que se encontra hoje por aqui nos varejistas de menor porte também se dá por lá.
Cabe ressaltar que o Chile hoje também apresenta um excelente ecossistema de startups e inovação. Uma de suas instituições, a Startup Chile, é uma das mais representativas da América do Sul. Ou seja, não faltam opções para inovar, tal lá, (e lembrando) como cá.
Outra operação que se mostra interessante em relação a novos mercados está em uma abertura, ainda tímida, sobre a legalização da maconha para consumo recreativo e medicinal. Mesmo ainda proibida, encontrei algumas lojas especializadas em equipamentos e venda até mesmo de sementes, comercializadas como produtos de coleção, o que é autorizado hoje. Locais que às vezes trazem junto a proposta de um café ou lanchonete, também trazendo a questão de diversificação e cruzamento de formatos que acima mencionei. Assim como no Uruguai, começa a ser um novo segmento de mercado que se abre e com isso, novas oportunidades de negócio.
Em um mundo cada vez mais nivelado em relação ao acesso à informação, percebe-se mudanças de comportamento e sociais, que acabam por refletir no comportamento do comércio da cidade. Será cada vez mais difícil encontrar diferenças.
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