Um roteiro pessoal recente envolvendo Itália, Espanha, Portugal e Alemanha, incluiu a participação na Euroshop, a maior exposição de instalações, equipamentos, serviços e tecnologia para o varejo, e terminou com reunião do grupo Ebeltoft, em Colonne, com consultorias de varejo presentes em 21 países, mostrando uma realidade muito própria do momento que é vivido pelo varejo europeu.
Toda generalização é perigosa, mas a amostra desses mercados e o panorama proporcionado por um evento que reuniu mais de 1830 expositores de 55 países, com participação de mais de 81 mil visitantes, além de poder discutir cenários com parceiros de negócios do Grupo Ebeltoft, permite uma visão mais precisa do que se passa no varejo e sua perspectiva, em especial na Europa.
Ainda impactado pela inflação elevada, fora dos padrões habituais e históricos, o varejo europeu sofre com a relevante mudança de hábitos que representa a corrosão da renda real pela inflação combinada com a expansão do e-commerce, mudanças de hábitos e mais aquelas derivadas das alterações da geografia de consumo precipitadas pelo home office.
Sempre é bom lembrar que na Europa e nos Estados Unidos não existem os mecanismos automáticos de correção de salários por conta da inflação e até que isso aconteça existe um processo importante de perda quase que generalizada de poder aquisitivo com impacto direto nos produtos, marcas, canais e locais de compra, envolvendo especialmente valor das compras e preferência por marcas e canais, ainda que seja claro o processo de recuperação generalizada.
De forma mais geral os temas predominantes envolvem a crescente incorporação de tecnologia, os impactos de tudo que diga respeito ao digital e os desafios gerados por um consumidor ainda mais racional e cauteloso, por conta da pressão gerada pela inflação e pelo maior acesso e atualidade das informações sobre preços, produtos, marcas e canais de vendas.
O resultado dessa combinação de fatores é um ainda maior aumento de participação de tudo que envolve o varejo orientado para valor e uma reconfiguração geral de participação de formatos, canais, marcas e mercado.
Conceitos como Primark, Uniqlo, Lidl, Netto, Aldi e outros têm ganhado participação de mercado e obrigado Zara, H&M e supermercados tradicionais, inclusive alguns precursores do varejo de valor, a buscarem reposicionamento em busca de novos oceanos azuis.
O recente fechamento de todas as 13 lojas outlets, além da plataforma local de e-commerce da Nordstrom no Canadá, mostra que essa desafiadora combinação de fatores não gera desafios no varejo só na Europa ou nos Estados Unidos.
E estamos falando de uma das mais icônicas marcas de varejo no mundo, reconhecida pela excelência de seus serviços e uma das poucas empresas com bom desempenho no formato de lojas de departamentos orientadas para moda. E também de food service, já que opera mais de 400 desses negócios integrados com suas lojas.
Outro exemplo dos tempos difíceis que se vive na Europa, no caso na Alemanha, foi o pedido de proteção judicial nesta semana feito Peek & Cloppenburg, maior varejista de moda na Alemanha, que opera 67 lojas e mais o e-commerce e que reforça o cenário mais desafiador à frente.
De tudo que foi visto e discutido durante esse período, em especial nas visitas à Euroshop, fica claro que não será por falta de tecnologia, inteligência artificial, ferramentas digitais e mais arquitetura, design, equipamentos, novos recursos e materiais que não se conseguirá criar o novo, o inusitado, o envolvente e surpreendente OmniPDX, a loja da pós-Covid.
Foi de fato surpreendente, mais uma vez, perceber o quanto se tem evoluído na oferta de recursos para desenvolver alternativas no varejo que combinem experiência, informação, design, arte, interação, mídia, conexão e relacionamento para atrair e reter o Omniconsumidor pós-Covid, ainda mais racional, informado, volátil, consciente, demandante e discriminante. E com crescentes preocupações ligadas à sustentabilidade, saudabilidade e origem de produtos.
A profusão de alternativas possíveis é cada vez maior, assim como as informações disponíveis para quem queira usar todo esse arsenal para criar o inusitado que o surpreenda e, se possível for, o retenha pelos produtos em si, pela percepção de valores agregados e o alinhamento com práticas mais sustentáveis.
Mas não se deve subestimar os desafios que se sucedem e na velocidade que ocorrem, dada à volatilidade dos comportamentos desse irrequieto, volúvel, volátil e mais consciente Omniconsumidor pós-Covid.
Desafios que ocorrem, ao mesmo tempo, em escala e dimensões distintas tanto na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos e na América Latina, quanto no Brasil.
É o admirável e consciente mundo novo. De novo. E cada vez mais.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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