Por Marcos Gouvêa de Souza*
A Índia tem uma das maiores e mais jovem populações do mundo com 1,2 bilhão de pessoas com idade média inferior a 27 anos e onde os preços máximos de venda dos produtos são propostos pelos fornecedores e aprovados pelo governo, sendo obrigatória sua colocação nas embalagens o que, em tese, faria com que fosse um mercado cobiçado por todas as corporações globais do setor e seus principais fornecedores.
Mas, apesar dessa virtuosa combinação, recentemente Carrefour e Auchan, dois entre os maiores varejistas globais, fecharam suas operações naquele mercado e Walmart e Metro, outras das maiores corporações do mundo, só operam vendendo para empresas ou outros revendedores, impedidos que são de venderem a consumidores finais. Só para justificar a importância desse mercado para os grupos globais, 66% no faturamento total do varejo vem de alimentos e lojas do segmento.
Esse aparente contra senso decorre da ampla regulamentação que o setor varejista enfrenta na Índia, que limita e administra a competição entre varejistas e fornecedores e a constante e permanente tentativa de liberalizar o mercado que esbarra na força política de partidos e entidades que querem preservar esse imenso potencial para que as corporações locais possam ampliar e modernizar sua atuação antes de uma maior competição com os grupos internacionais.
Isso permite que grupos de origem indiana, como Tata, Reliance e Big Bazaar, entre outras, cresçam e diversifiquem suas operações, beneficiados pelas restrições competitivas.
O caso do grupo Tata, sem dúvida a mais poderosa corporação de negócios do país e uma das maiores do mundo, é emblemático e exemplar.
O grupo opera fornecendo desde sal de cozinha com sua marca em supermercados e lojas de alimentos, até o carro mais barato do mundo, o Nano, passando, globalmente, pelo controle das marcas Land Rover e Jaguar, ou por operações no varejo de joalherias ou mesmo eletro-eletrônicos, a Croma, além de serviços financeiros. É também uma poderosa corporação global de serviços com atuação em muitos mercados, incluindo o Brasil, através da TCS – Tata Consultancy Services.
Só para citar algumas poucas de suas inúmeras atividades que incluem ainda escolas de futebol, metalurgia, medicamentos, hotelaria, energia, telecomunicações, indústria de alimentos, tecnologia e muito mais. O grupo tem mais de 580 mil funcionários, operando em 100 países e teve no ano passado faturamento superior a US$ 103 bilhões, sendo apenas um terço desse valor gerado na Índia.
O varejo do país, depois de um recente soluço, avança para expandir de forma consistente, com crescimento real de mais de 7% ao ano, mais do que dobrando até 2020 de tamanho em relação ao ano passado, 2014. O varejo indiano faturou US$ 525 bilhões em 2014 e deverá atingir US$ 1,1 trilhão em 2020, prevendo que poderá atingir US$ 2,1 trilhões em 2025. Esse processo é precipitado e beneficiado pela expansão do índice de urbanização do país que passará dos atuais 48%, atingindo 55% em 2020 e podendo chegar a 57% ou mais em 2025.
São mais de 16 milhões de lojas (para efeito de comparação o Brasil tem menos de 1,2 milhão) sendo a esmagadora maioria das chamadas “moms and paps”, pequenos pontos de vendas em espaços minúsculos, em precárias condições de higiene, operando ao mesmo tempo com marcas locais e as grandes marcas globais, abastecidas por uma complexa rede de macro e micro distribuidores que enfrentam as caóticas condições logísticas locais, disputando espaço nas ruas e estradas com bois e vacas que, por questões religiosas, não podem ser molestados, para colocar produtos ao alcance da imensa população em todo o país.
De fato, as duas maiores cidades, Delhi e Mumbai, representam apenas 9% de todas as vendas do varejo e as 22 maiores cidades são responsáveis por 29% das vendas totais do país, o que dá a dimensão dos desafios logísticos enfrentados por fornecedores e varejistas.
Talvez por conta exatamente desse aspecto o varejo digital no país, com vendas estimadas de US$ 6 bilhões em 2015, é um dos que apresenta maior participação em relação ao varejo total, atingindo média pouco inferior a 7%, uma surpreendente constatação a partir dos dados distribuição de renda do país mas em linha com os avanços do país que tem 19% da população com acesso à internet.
Em tudo que envolva tecnologia a Índia é um país que se destaca no cenário global, sendo hoje um dos maiores provedores de serviços nessa área para inúmeras corporações, que lá instalam centros de atendimento e desenvolvimento, beneficiando-se do fato que perto de 300 milhões de indianos falam inglês e que esse número tem se ampliado fortemente a partir da ênfase que o país coloca na educação.
Nota: essa série de artigos sobre o varejo e o mercado da Índia, parte do trabalho “O Mundo do Varejo e o Varejo do Mundo” irá continuar nas próximas semanas e foi inspirada pelas apresentações, encontros e visitas feitas durante o encontro do Grupo Ebeltoft em Delhi na última semana de Março de 2015 e pelas informações fornecidas pela Technopack, membro local da aliança de negócios.
Na série de ações envolvendo “O Mundo do Varejo e o Varejo do Mundo” desenvolvida pela GS&MD – Gouvêa de Souza acontecerá em outubro de 2015 o Retail Explorer Tour em Dubai e Abu Dhabi, cujos mercados foram tema de artigos publicados neste espaço em novembro de 2014 e que em 2016 visitará a China, sempre com apoio local dos membros do Ebeltoft em cada mercado e região.
Clique aqui e confira o segundo capítulo dessa jornada!
*Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza