É inevitável que essa seja a questão que mais provoca interesse, dúvidas e preocupações. Como fica o varejo e o consumo no ciclo que se iniciará no Brasil sob nova administração?
Mesmo quando pouco ainda se sabe sobre as linhas mais diretas das propostas econômicas que ficarão mais claras à medida que nomes sejam anunciados para as principais posições executivas, é possível alguma análise de cenários e perspectivas que possam antever algo sobre o momento futuro para esses setores.
Pode-se antecipar, ou talvez mais justo, especular, sobre o que podemos ter à frente impactando os setores de varejo, comércio e consumo, os maiores empregadores privados do país.
Apenas para fins pontuais, é importante que separemos os grandes temas estruturais e nacionais daqueles mais específicos que podem envolver o comportamento do mercado e seu impacto nesses segmentos. Sem esquecer que sempre um impacta diretamente o outro.
Em primeiro lugar devemos relembrar o turbulento cenário global, em especial nas economias mais desenvolvidas, pressionadas pela alta inflação, problemas de custos e abastecimento de energia e combustíveis, retração de consumo e conflitos políticos internos e externos que atingem, de forma desigual em intensidade a Europa, Estados Unidos, Canadá e a própria China. Cada realidade com sua própria configuração.
Brasil e Índia parecem destoar do cenário mais dramático.
Como uma das maiores economias globais o Brasil vive uma situação particular com fontes de energia limpa e renovável crescendo em participação na sua matriz energética. Um vigoroso setor agropecuário transformou o país numa fonte de abastecimento alimentar globa e líder mundial em diversas cadeias. Ao mesmo tempo que os 213 milhões de habitantes com idade média de 33 anos asseguram um potencial significativo para o consumo local, em todas as categorias de produtos e serviços pessoais.
E as manifestações pontuais de inconformismo com o resultado das eleições, equivocadas sob muitos os pontos de vista, poderão estar em pouco tempo restritas.
Outra premissa importante deve ser considerada a oposição bem estruturada no Congresso que o novo governo terá. Mas também, possivelmente, e como sempre, contornável como tem acontecido nas últimas décadas.
O momento em que se dará a transição encontrará o país com questões sérias econômicas por serem equacionadas mas também com queda expressiva da inflação, elevação do nível de emprego, aumento da renda real da população e crescimento da massa salarial que são molas propulsoras do consumo e das vendas no varejo, em especial quando conjugadas com aumento da oferta de crédito e da confiança dos consumidores.
Mas é importante considerar que a diferença de apenas 1,8% dos votos válidos no resultado das eleições significa que parcela majoritária da população que inclui os votantes no candidato não escolhido e mais os que se abstiveram ou votaram branco ou nulo, perto de 20% do total, podem ter razões para temer o futuro próximo, pois não foi sua escolha, o que pode reduzir o nível de confiança desses consumidores.
De outro lado, baseado no passado, é de se prever políticas direcionadas para o aumento do acesso pelo crédito para produtos e serviços em especial para as populações de menor renda e com especial ênfase para as regiões Norte e Nordeste do país, por explicáveis razões políticas, o que deve promover mais uma vez uma reconfiguração da geografia do potencial de consumo nos próximos anos.
Outra frente de natural preocupação envolve a mais do que necessária Reforma Tributária que, numa visão de governo que sobrevaloriza o papel do Estado, pode impactar sua configuração com a intenção de aumento de receita quando o fundamental seria simplificação e melhor equilíbrio, se possível, com redução da carga para os segmentos de menor poder aquisitivo. Fica para o departamento de “wishiful thinking”.
Razão de preocupação também é tudo aquilo que pode envolver o reempoderamento dos sindicatos, com compromissos que podem ter sido assumidos pré-eleições e com retorno de contribuições obrigatórias para empregados e empregadores, drenando recursos do consumo e gerando receita para que esses sindicatos voltem à ativa como faziam no passado em benefício de seus dirigentes, muito mais do que para seus associados.
Como mencionado, ainda no plano especulativo, o tema dos impactos e mudanças que serão precipitadas vai tomar a cena nos próximos meses à medida que sejam, finalmente, abertos os projetos que nortearão a economia e avaliados suas consequências no varejo, mas tudo indica, é possível antecipar um potencial crescimento do consumo puxando as vendas do varejo em especial nos segmentos mais voltados às classes mais baixas, pelo efeito da confiança que possa ter sido estimulado pelo resultado.
Outra componente que não pode ser ignorada é a imagem externa do Brasil e o que possa ser gerado de benefício interno de curto, médio e longo prazo.
É inegável que por conta de reconhecida dificuldade na comunicação, a imagem externa do país deteriorou-se fortemente com impacto nos Investimentos Diretos Externos que poderiam ser ainda maiores do que tem sido. No momento o Brasil está com o quarto maior volume entre todos os países nessa conta e poderia ser muito maior não fosse a percepção negativa que foi criada e que não se conseguiu alterar.
Por reconhecidas razões essa percepção, ao menos no curto prazo, poderá ser alterada em benefício do aumento desse volume e com também alguns reflexos positivos.
Mas é importante e necessário considerar que os elementos estruturais que envolvem a economia e seus impactos no consumo e no varejo, tenderão a ser sobrevalorizados no curto e médio prazo e o reflexo deverá ser positivo para expansão investimentos em tecnologia, logística, canais, formatos, emprego e negócios de forma geral com potencial aumento da participação dos setores de comércio e serviços no PIB do Brasil.
Muito mais poderá e será detalhado à medida que as informações sejam disponibilizadas e caberá a todos a análise de seus impactos na realidade de cada negócio. Por enquanto, bola prá frente, até porque é tempo de Copa.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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