A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser um tema futurista para se tornar sinônimo de ação concreta e resultados mensuráveis. Agentes autônomos já otimizam processos logísticos em tempo real, desde o picking até a reposição de produtos. Algoritmos sustentam decisões sobre sortimento e distribuição com base em previsões de comportamento de consumo. São movimentos que mostram como a tecnologia está reconfigurando os bastidores da moda — e como a eficiência passa a ser construída com base em dados, não em suposições.
Durante o Inside Fashion Business, realizado no escritório do Google no dia 22 de abril de 2025, uma palavra percorreu todos os painéis como um fio invisível conectando criatividade, operação e estratégia: eficiência. Essa palavra, que já foi sinônimo de cortes e austeridade, desta vez apareceu sob uma nova ótica — impulsionada pela tecnologia e conectada à construção de valor de forma inteligente, automatizada e criativa.
Toda essa transformação revela uma nova lógica competitiva. As marcas que mais se destacam hoje são aquelas que combinam inteligência analítica e sensibilidade criativa, colocando a IA para operar onde ela é mais eficiente: em tarefas repetitivas, operacionais e analíticas. Ao fazer isso, liberam suas equipes para o que só o humano pode fazer: interpretar cultura, criar desejo, construir marca.
A mestre de cerimônias do evento, Tainá — criada com Inteligência Artificial — transmitiu nas entrelinhas um recado que não estava ali apenas para entretenimento: os grandes investimentos em produções fotográficas, lookbooks, catálogos e mostruários podem ser drasticamente reduzidos com o uso inteligente de tecnologia já acessível.
Esse é um ponto-chave: a IA não elimina o trabalho criativo — ela elimina o trabalho improdutivo. Classificação de produtos, sugestão de grade, atendimento ao cliente, prospecção e qualificação de leads são alguns exemplos de funções que já podem ser conduzidas por agentes autônomos. Ao liberar os times dessas tarefas, abre-se espaço para a criação de valor genuíno e emocional.
O painel com Ana Brandão (Calvin Klein), Adriano Negrão (Alpargatas) e Igor Melo (Onebeat) reforçou essa ideia. A gestão de varejo precisa hoje ser fluida, baseada em dados em tempo real e decisões automatizadas sobre estoque certo, no lugar certo, na hora certa. É isso que protege margens, reduz perdas e mantém o consumidor satisfeito. Como lembrou Ana, omnichannel já não é diferencial — é a base. E, para uma unificação entre os canais de venda sem rupturas, a automação é fundamental.
Vários players, como por exemplo a Renner, já utilizam IA integrada à cultura de dados da companhia, atuando como apoio à tomada de decisão. A marca automatizou análises de performance de loja com agentes que interpretam variáveis como vendas, clima e comportamento regional, gerando sugestões semanais de ajustes no mix de produtos. A tecnologia, nesse caso, não substitui o humano — amplia sua capacidade analítica e estratégica.
Inteligência de mercado, potencial e comportamento de consumo
Os dados da pesquisa exclusiva divulgada pelo IEMI durante o evento mostraram que, embora o consumo de vestuário no Brasil tenha recuado 5,2% entre 2019 e 2024, alguns Estados apresentaram crescimentos expressivos entre 2021 e 2024 — como Mato Grosso (40,1%) e Santa Catarina (38,5%).
Esses números reforçam a importância da inteligência de mercado para guiar decisões ajustadas por praça, perfil e canal. O Brasil tem cerca de 155 mil pontos de venda especializados em moda, dos quais 34% são varejistas independentes — potencialmente lojas multimarcas com enorme capilaridade e influência local.
Dois gigantes que atuam de forma altamente eficiente nesse canal estiveram presentes no evento compartilhando seus cases:
• O Grupo La Moda, com as marcas Lança Perfume, Easy e My Favorite, alcança mais de 3 mil pontos de venda no Brasil.
• O Grupo Lunelli fornece tecidos e malhas para o mercado e opera com marcas como Lunender, Lez a Lez, Alakazoo, Hangar 33, Fico e Vila Flor em cerca de 20 mil pontos de venda.

Já Viviane Melchert, head de Commerce & CPG do Google, apresentou os “4 S’s” que estão redefinindo o comportamento do consumidor de moda:
• Streaming — consumo acelerado de conteúdo audiovisual, como vídeos de moda no YouTube e podcasts.
• Scrolling — mais tempo navegando e descobrindo produtos em vídeos curtos.
• Searching — explosão nas buscas por termos de moda.
• Shopping — a influência dos criadores de conteúdo como novo motor de decisão de compra.
O recado é claro: o consumidor está mais conectado, mais curioso e mais exigente. Ele descobre, busca e consome com base em conteúdo e experiências fluídas — e atender a esse novo perfil exige estratégia de dados e automação contínua.
No momento atual de mercado, instável, incerto e com desafios complexos, não existe espaço para ineficiência. Foi-se o tempo em que a gestão era regida pela intuição.
O novo luxo na moda não está apenas nas matérias-primas nobres ou no storytelling sofisticado. Ele está também nos bastidores: em processos enxutos, decisões embasadas e tempo criativo protegido. Está na capacidade de uma marca ser rápida, precisa e coerente em todos os pontos de contato.
E, nesse cenário, a Inteligência Artificial não é mais uma promessa distante.
É uma revolução silenciosa — e irreversível — que já começou.
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: IA e divulgação