O mercado de farmácias movimenta cerca de 102 bilhões de reais por ano no Brasil e foi um dos que menos sofreu com a crise. As grandes redes detém a maior fatia desse valor, próximo a 40%, de acordo com a IMS Health. Um dos grandes players desse setor é a Drogaria Onofre, adquirida em 2013 pela CVS, uma gigante do mercado norte-americano.
A Drogaria Onofre é a única empresa desse segmento com capital estrangeiro. Fale um pouco sobre esse processo. Quais os principais desafios?
Foi a primeira empresa americana entrando no Brasil neste setor. A CVS é a maior empresa de saúde do mundo. A gente tinha um desafio de primeiramente implementar um compliance, porque, geralmente, as farmácias no Brasil não trabalham com todos os processos, todas as regras de uma farmácia americana. Além disso, houve toda uma reestruturação de pessoas, o perfil da diretoria da Onofre foi mudado. Trouxemos pessoas de diversas áreas do mercado, não só do varejo farmacêutico. Enfim, implementamos processos, sistemas. Foi uma grande mudança de empresa familiar para uma subsidiária de uma empresa americana.
O setor de farmácia é um dos mais pulverizados do Brasil, são quase 70 mil farmácias. Você imagina que, nesse novo ciclo que o Brasil está vivendo, vai haver uma ampliação da consolidação do setor ou ele permanecerá nas condições em que está hoje em dia?
Eu não acredito que ficará nas condições em que está. Eu acho que, de fato, tem muitas farmácias, 70 mil. Vemos algumas redes expandindo pelo Brasil afora, assim como a Onofre atende no Brasil todo, através do online. Eu acho que sim, vamos ter uma consolidação grande do mercado, como no caso do mercado americano, mas não uma descentralização total, uma fragmentação. Somos um país muito grande e existirão oportunidades, mas eu acredito que sim, ainda haverá uma consolidação desse mercado.
Você citou a atuação online. Vocês foram pioneiros nessa área no Brasil e hoje se estima que em torno de 40% do faturamento da Onofre seja proveniente do online. A que você credita esse tamanho sucesso?
Hoje é 45% do nosso faturamento, atualizando. O primeiro ponto é que somos pioneiros e já pensamos online, apesar de que continuamos abrindo lojas. Acreditamos que é um misto entre lojas e o online. Isso facilita a manutenção. Pensamos em levar conveniência para o nosso cliente, em expandir a entrega no menor tempo possível, aumentar ainda mais a segmentação de entrega que o cliente tem disponível. Sempre pensamos na melhor entrega para o cliente, seja na loja, no e-commerce ou no televendas, onde ele queira comprar.
Além dessa questão da entrega particularmente, que outros aprendizados dessa liderança no online farmacêutico vocês estão levando para as lojas hoje em dia?
Eu acho que menos do que gostaríamos ainda. Há uma questão tecnológica a ser vencida, para conseguir levar toda essa conveniência para o nosso cliente. Mas temos um plano montado para isso, seja com ele não querendo entrar na loja ou ele entrando, pegando o produto o mais rápido possível. Queremos que ele tenha disponível a maior quantidade de ofertas e isso nós já temos. Ele tem 12 mil itens à disposição em qualquer loja da Onofre. Temos que pensar cada vez mais que o ponto físico não é uma referência. O cliente pode querer um produto que não há naquele ponto, mas pode receber no ponto físico ou em qualquer outro local que deseje. Ainda há vários desejos que temos e que não foram implementados.
Em relação ao quesito logística. Como vocês trabalham? Levando em conta que em alguns municípios próximos a São Paulo vocês realizam entregas em um dia e até em poucas horas. Como é o trabalho de logística realizado pela Onofre?
Nossa cultura é fazer uma boa gestão, ter excelência operacional, então nós temos um time, um diretor de logística que preza muito pela gestão, independente se a frota é própria (grande parte da nossa frota é própria) ou terceirizada. A gestão é o centro do nosso negócio, o que temos que saber fazer muito bem. E, de fato, temos centros de distribuição do e-commerce e televendas em São Paulo, Rio e BH. Nessas praças, que são também as maiores regiões do e-commerce, entregamos em 4 horas num raio de 15km. Em 645 municípios do estado de São Paulo conseguimos entregar em um dia. O nosso desafio é cada vez mais aumentar esses raios no menor tempo possível, com muita gestão. E esse é o trabalho que nosso time vem fazendo, um trabalho de modelo de gestão.
Como tem sido a troca entre Onofre e CVS? Seguramente vocês estão ensinando a CVS a crescer a participação da venda online, porque eles não têm 45% lá. E de outro lado, como você tem recebido imputs e contribuições para desenvolver ainda mais a Onofre no Brasil a partir da experiência deles?
A CVS tem um trabalho excelente de conveniência, são mais de 9 700 lojas, que ficam espalhadas, a poucos quilômetros da casa de cada americano. Eles já têm por si só uma conveniência muito grande. Temos uma troca muito importante, primeiro uma autonomia para trabalhar com o negócio no Brasil, para agir de acordo com o que o mercado necessita. Por outro lado, nós trocamos muito, aprendemos muito na forma de atender clientes. O mercado é bem diferente. O pagador lá é o plano de saúde. Mas eles nos ensinam muito como trabalhar marcas próprias ou exclusivas. A cada seis meses eu vou para lá e a cada seis meses o meu chefe também vem para o Brasil, então trocamos aprendizados com eles.
Nesse tema de marca própria. Essa vai ser uma das prioridades da Onofre na sua expansão no Brasil?
Não posso falar muito ainda sobre marca própria. Estamos fazendo algumas iniciativas para trazer algumas marcas da CVS para cá, isso já está em andamento. Logo teremos novidades.
O setor de higiene e beleza é um dos que mais tem crescido em farmácias, não só no Brasil, mas no exterior também. Inclusive esse foi um segmento que ajudou as drogarias a não passar com tanta dificuldade um momento de crise. Vocês têm planos para essa categoria dentro do mix de produtos de vocês? Dentro desse segmento de higiene e beleza vocês pensam em alguma marca própria, alguma operação em parceria com fabricantes brasileiros, algo do gênero?
O mercado farmacêutico não passou por uma crise, independentemente de higiene e beleza. Foi um mercado extremamente resiliente. Nesse momento de crise, ele continuou crescendo dois dígitos por ano e isso se mantém, até porque a população vem envelhecendo. Podemos ver que é um mercado com potencial de crescimento muito grande. Higiene e beleza está dentro de um composto de conveniência. Por exemplo, aqui, na Onofre, nosso propósito é acreditar que é possível ajudar as pessoas na busca por uma vida mais saudável e feliz. Nesse saudável e feliz, tem a parte que é de saúde, para a pessoa ficar o mais saudável possível e tem a parte do feliz, que é de beleza e bem estar, na qual trabalhamos muito. Sendo assim, a missão da Onofre é buscar marcas que possamos trazer para o consumidor, agregando cestas. Dentro delas, temos estratégias de começar a trabalhar marcas da CVS no Brasil.
Nos mais diferentes tipos de varejo, têm sido crescentemente incorporados mais serviços, como uma forma de diferenciar e servir melhor o consumidor. No ramo das farmácias, no Brasil, qual o espaço para incorporar serviço, para criar de um lado diferenciação e de outro melhorar a experiência?
Dentro da farmácia sim. Fazemos um trabalho com clientes de medição de pressão, glicemia, ajudá-los a controlar melhor os fatores de risco, até onde é permitido à farmácia fazer, com o farmacêutico. Já vemos alguns movimentos que eu acho que são totalmente pertinentes para a nossa sociedade, que são voltados para a liberação de mais serviços, para que a farmácia possa dar mais acesso à saúde para a população, dentro do escopo daquilo que um farmacêutico faz. Dentro disso, recentemente, tivemos liberação de vacinas para farmácias, a ANVISA ainda está acertando as normas, mas eu acredito que logo mais a gente vai poder fazer trabalho de imunização na farmácia e outros tantos tipos de serviço. Por exemplo, lá fora e aqui dentro do Brasil, pessoas que querem parar de fumar tem algum tipo de apoio do farmacêutico, as pessoas que tem obesidade, querem se tratar, também conseguem apoio de um farmacêutico, acompanhamento.
Nesse processo, você imagina que nós possamos, num futuro próximo, ter a farmácia com a sua clínica, no estilo que tem se criado hoje de clínicas populares, suprindo uma necessidade que existe no mercado? Poderíamos imaginar que em um dia qualquer, não muito longe, nós teremos a clínica Dr. Onofre junto com a farmácia?
Eu acho que não nesse momento, mas pensando no futuro do Brasil, acredito que vai ser necessário. Temos uma população de 20 milhões de brasileiros idosos. Em 2050 serão 67, quase 70 milhões de idosos. E aí? O que a gente vai fazer com esse mercado? Como se resolve isso? Então eu acho que vai ser um caminho inevitável, teremos que nos preparar cada vez mais, desafiando as regras do mercado para que tenhamos um trabalho de acesso. Acho que esse é o papel que pode ser feito pela farmácia. Mas tem que ter uma mudança grande para isso.
No mercado internacional, o setor de farmácias, drogarias, evoluiu muito, a ponto de se tornar uma grande loja de conveniência, que também vende medicamento e que usualmente está lá no fundo. Você imagina que, no caso brasileiro, nós estamos migrando para este modelo ou a realidade brasileira pressupõe uma apresentação de produtos e uma discussão de linhas muito diferente?
Nos Estados Unidos, por exemplo, eu vejo a farmácia fazendo papel de conveniência, como um Carrefour Express, que está sendo lançado agora, ou vários outros varejistas que já tem esse trabalho estabelecido aqui. Eu vejo uma oportunidade para a farmácia ampliar o autosserviço, com coisas que estejam interligadas com saúde, bem-estar, mas eu não vejo, por exemplo, uma farmácia gigantesca como nos Estados Unidos, com um mix que vai de produto de limpeza à veterinária e alimentação. Eu não vejo esse espaço hoje no Brasil, apesar de que algumas farmácias já fazem esse trabalho em alguns lugares do país. Mas aqui, nas nossas lojas físicas, eu não vejo essa oportunidade hoje. A Onofre fez o contrário um pouco, porque a área de farmácia era muito pequena para o tamanho e a necessidade, tanto para o nosso time de atendimento e também para o nosso cliente, porque ele acabava ficando com dó das pessoas subindo e descendo escada. Acabamos fazendo o contrário, aumentamos um pouco a área de farmácia e melhoramos o mix da área de conveniência, aumentamos espaço. Antigamente as lojas tinham 100, 150 m2, hoje têm de 250 a 450 metros.