A aquisição da Versace pelo grupo Prada, anunciada nesta quinta-feira (10), por € 1,25 bilhão, está sendo considerada um marco no mercado de luxo global e um fortalecimento da presença da Itália em um setor dominado por conglomerados franceses e norte-americanos. A operação, prevista para ser concluída no segundo semestre, une duas marcas icônicas com identidades estéticas quase opostas, desafiando a nova controladora a preservar o DNA exuberante da Versace enquanto integra a grife ao seu portfólio estratégico.
Com a aquisição, o grupo Prada — formado pelas marcas Prada, Miu Miu, Church’s, Car Shoe, Marchesi 1824 e Luna Rossa — passará a ter receitas combinadas acima de € 6 bilhões, o que o posiciona mais fortemente na disputa com gigantes como LVMH e Kering. A movimentação também reforça a valorização do selo Made in Italy, num momento de incerteza econômica global e queda na demanda por produtos de luxo.
Para Marcia Auriani, coordenadora do curso de Branding e Marketing de Luxo da Belas Artes, o desafio principal está na harmonização das culturas e estéticas das marcas. “Apesar de serem duas marcas italianas de herança forte, Prada e Versace operam com estéticas e simbólicos quase opostos. A Prada é sinônimo de elegância intelectual, minimalismo e inovação, enquanto a Versace personifica exuberância, sensualidade e maximalismo. Integrar sem descaracterizar será essencial”, destaca.
“Além disso, há obstáculos operacionais e culturais: equipes, públicos e narrativas distintas e uma expectativa alta do mercado em relação à autonomia das marcas dentro do grupo”, Marcia explica.
Cenário global de retração no luxo
Sob comando da Capri Holding desde 2018, a Versace registrou resultados modestos: prejuízo de US$ 41 milhões nos nove meses até dezembro de 2024, e um lucro tímido de US$ 25 milhões no ano fiscal encerrado em março. Em contraste, a Prada cresceu 17% em 2024, impulsionada por um salto de 93% nas vendas da Miu Miu.
Para Sandra Hayashida, fundadora da LPE Luxury Connection, o cenário de retração do mercado de luxo foi determinante para a aquisição. “No contexto global, o setor está sofrendo. Então, teve um contexto de compra interessante. A Versace nos últimos anos veio perdendo valor, tanto comercial quanto como marca. Foi vendida por um preço relativamente baixo para o que ela já foi”, avalia. “Falando bem claro, foi uma oportunidade de compra — e um movimento mais isolado. Não vejo grandes agrupamentos no luxo agora, nem nos próximos meses”, afirma.
De acordo com a Bain&Company, o mercado de bens pessoais de luxo caiu para €363 bilhões em 2024, uma redução de 2% em comparação a 2023 em taxas de câmbio atuais (mas estável sem correção cambial), com sua primeira contração em 15 anos (excluindo o período da Covid). Essa tendência – especialmente entre a Geração Z –, levou a uma redução de cerca de 50 milhões de consumidores de luxo nos últimos dois anos.
A desaceleração do mercado resultou em uma polarização no desempenho das marcas. Em 2024, estima-se que apenas cerca de um terço das empresas de luxo registrou crescimento (em comparação a 95% entre 2021 e 2022 e 65% em 2023). A rentabilidade média das marcas de bens pessoais de luxo caiu, refletindo o espaço limitado para novos aumentos de preços e o aumento dos custos para atender o consumidor, desde marketing até distribuição.
Segundo Auriani, o caminho para revitalizar a Versace passa pela modernização sem ruptura com sua essência. “A marca pode reinterpretar seus elementos icônicos com sofisticação e foco digital, dialogando com a Geração Z e novos consumidores asiáticos. Marcas como Loewe e Celine já mostraram como equilibrar tradição com inovação. O importante é diversificar a proposta sem trair os códigos originais, como também fez a Gucci em determinados momentos com Alessandro Michele, ao alternar entre o maximalismo e o silêncio”, analisa.

Investimento com identidade preservada
A complementaridade entre as marcas do grupo Prada é outro trunfo da operação. Enquanto a Prada mantém seu foco em design inteligente e atemporal, a Miu Miu consolidou-se como objeto de desejo entre jovens consumidores digitais. A Versace adiciona uma camada de apelo emocional e glamour ao portfólio, expandindo o alcance do grupo em diferentes gerações e perfis de consumo.
“O portfólio tende a ser altamente complementar e estratégico. Assim como a LVMH trabalha com perfis diferentes de marcas no seu ecossistema, o grupo Prada pode adotar uma estratégia multimarcas com independência criativa, operação compartilhada e sinergia estratégica, evitando sobreposição de públicos e, ao contrário, aumentando o alcance do grupo em todas as gerações do luxo”, conta.
O CEO da Prada, Andrea Guerra, reconhece que a jornada será longa e exigirá “paciência e execução disciplinada”, mas reforça que a Versace tem um “potencial enorme”. Já o chairman Patrizio Bertelli afirmou que a marca manterá sua identidade e será fortalecida por investimentos contínuos.
Donatella Versace, que deixou o cargo de diretora criativa em março, celebrou a venda em sua conta no Instagram: “Estou absolutamente encantada pela Versace se tornar parte da família Prada. Gianni e eu sempre tivemos uma enorme admiração por Miuccia, Patrizio e sua família. Sinto-me honrada por colocar a marca nas mãos de um negócio familiar italiano tão confiável e estou pronta para apoiar essa nova era da marca da melhor forma possível”.
Autonomia criativa
Para Marcia Auriani, a estratégia de manter a autonomia criativa da Versace dentro do ecossistema da Prada é fundamental. “O ponto está em respeitar a identidade da Versace enquanto reposiciona sua linguagem para o presente e futuro. A comunicação do grupo Prada pode enfatizar que a entrada da marca é uma expansão do olhar sobre o luxo italiano, reunindo diferentes expressões culturais sob uma mesma raiz, mas com perfis distintos.”
Com o acordo, a Itália dá um passo relevante para consolidar um grupo de luxo com escala global. O país já é responsável por mais da metade da produção de artigos de luxo pessoais no mundo, segundo a Bain. Ainda assim, a Prada segue distante dos números da LVMH, que tem valor de mercado próximo a US$ 300 bilhões — contra US$ 15 bilhões do grupo italiano.
Imagem: Spotlight/Launchmetrics.com