“Em qualquer cenário, em quaisquer mercados, já existe uma evidente complexidade em prever o comportamento futuro de setores como o do consumo e varejo.
Quando se soma a turbulência global atual com a imprevisibilidade local, a proposta tangencia um exercício de quiromancia.
Mas esse é o ponto de partida do ciclo permanente e constante que envolve o setor de varejo e seus fornecedores e que está em constante processo de evolução – agora cada vez mais rápido, com o uso de Inteligência Artificial.
E sempre o comportamento é impactado pela combinação entre si das variáveis emprego e renda, que, juntas, geram massa salarial e mais inflação, crédito e confiança dos consumidores.
Nessa perspectiva, é preciso analisar e prever o comportamento futuro dessas variáveis impactando de forma diversa cada categoria, segmento, canal, formato e modelo de negócio nas diferentes geografias.
Pelo comparativo do desempenho real do primeiro quadrimestre deste ano e as previsões anteriores, fica claro que as bússolas econômicas precisam ser reajustadas, pois as estimativas anteriores têm sido frustradas.”
1. Desemprego
Temos um índice histórico dos mais baixos dos últimos dez anos, com o patamar atual de 7,3%, e com ligeiro aumento do número de pessoas ocupadas comparativamente com o mesmo período do ano passado. O que seria motivo de comemoração. Só que não.
O índice de desemprego mede quem não está em busca de emprego e, nessa situação, se encontram pessoas e profissionais de perto de 21 milhões de famílias beneficiárias dos programas de auxílio, em especial o Bolsa Família, para quem não é possível conciliar emprego formal com o recebimento do benefício. E em boa parte fazem crescer a informalidade.
Por conta disso, de fato, haverá tendência de se manter o índice em patamar muito baixo para os próximos períodos, porém com baixa geração de emprego formal. E até que se revejam as políticas de concessão de auxílios, racionalizando e depurando todo o processo. Isso não acontecerá de forma relevante e responsável pelo menos até o início de 2027.
2. Renda e massa salarial
A massa salarial real do País no período de dez anos, comparando os dez últimos anos (primeiro trimestre de 2015 e primeiro trimestre de 2025), apresentou crescimento de 23,2 %, evoluindo de R$ 280 bilhões para R$ 345 bilhões. Um número expressivo e com tendência de continuidade de crescimento. Em relação ao mesmo período do ano passado, o crescimento foi de 4%, como mostrado no gráfico abaixo.
Essa evolução é resultado da evolução do emprego com o aumento do rendimento médio da população, que evoluiu 8,5 % em termos reais também nos últimos dez anos, de R$ 3.144,00 no primeiro trimestre de 2015 para R$ 3.410,00 agora no primeiro trimestre de 2025.
Considerado todo o período, a evolução do rendimento é baixa e tenderá a assim permanecer por conta de aspectos estruturais envolvendo educação, o estímulo ao subemprego implícito nos programas assistenciais e outros aspectos mais.
Importante salientar que aos R$ 345 bilhões devem ser acrescidos mais R$ 13,6 bilhões do Bolsa Família, o que faria crescer a massa de rendimentos para R$ 358,6 bilhões, como vemos abaixo.
3. Inflação
A inflação tem impacto direto no desempenho de consumo e, portanto, no comportamento do vareio. Nos últimos 12 meses com data-base em abril, a variação de 5,53%, muito acima da meta prevista, impacta de forma direta a população, em especial a de baixa renda.
De forma ainda mais específica, a inflação de alimentos é a que mais condiciona o comportamento dos segmentos emergentes. Nesse período de um ano, a inflação de alimentos no domicílio aumentou 7,88%; fora do domicílio, cresceu 7,61%.
Os impactos nas decisões de compra são diretos, já que alimentos representam perto de 18% de todo o dispêndio das famílias brasileiras. Somado a habitação e transporte, esse percentual representa pouco acima do que 72% de todos os dispêndios das famílias brasileiras.
E, quanto mais baixo o segmento, mais representativa é essa participação. Para as classes D/E, as despesas com alimentos representam perto de 51% do total.
O impacto é direto nos níveis de popularidade do poder executivo federal, visto sempre como principal responsável pela inflação elevada.
4. Crédito, inadimplência e endividamento
Para um país com a configuração socioeconômica como a brasileira, o crédito, avaliado pela disponibilidade e taxa de juros, tem impacto decisivo no comportamento do consumo e do varejo.
No período dos últimos dez anos, o valor total do crédito concedido pelas diversas modalidades de instituições financeiras em termos nominais mais que triplicou. E esse crescimento alimentou a expansão do consumo e do próprio varejo.
O risco maior do aumento da oferta de crédito às pessoas físicas sempre será o crescimento da inadimplência, em especial no quadro de o País ter uma das maiores taxas de juros do mundo, como no momento atual, na tentativa de conter a inflação.
Se considerarmos o período dos últimos dez anos, o atual nível de 3,8% de inadimplência é muito similar ao do primeiro trimestre de 2015, de 3,9%.
A evolução dos mecanismos de análise, concessão e cobrança sem dúvida respondem por esse equilíbrio, o que é muito positivo. No período mais crítico da pandemia, meados de 2020, esse nível foi de 4,1%.
A questão é que as atuais taxas de juros realimentam a própria inflação, em particular de alimentos e serviços, que, por sua vez, minam a confiança dos consumidores, num processo que não consegue ser revertido, gerando cautela e racionalização no comportamento efetivo.
Em termos de endividamento, avaliado pelo percentual da dívida das famílias em relação à massa salarial dos últimos 12 meses, o atual patamar de 30,08, quando se isolam as dívidas imobiliárias, mostra comportamento estável, com leve tendência de redução.
Considerado todo o endividamento, ou seja, acrescido do crédito para aquisição imobiliária, o nível atual é 48,18% e também relativamente estável, porém com leve tendência de aumento.
5. Confiança
O fator menos tangível em seu comportamento é a confiança do consumidor, pois ele é influenciado e influencia todos os demais indicadores.
O indicador de 84,5 do índice de confiança de abril mostra a queda que tem sido notada desde dezembro passado e bem inferior aos patamares dos anos de 2023 e 2024.
O índice é formado pela combinação de dois outros: a confiança no quadro atual e na expectativa futura. E é esta última a principal determinante da queda que tem sido observada.
Conclusão: não está bom e antes de melhorar pode piorar
O conjunto desses elementos mostra a perspectiva de um comportamento cauteloso no consumo e no varejo. E isso apesar de todo o esforço para melhorar a visão positiva do cenário à frente, que é elemento decisivo para as eleições do final de 2026.
A ampliação dos programas de auxílio e assistência, os estímulos representados pelos aumentos salariais no setor público e a tentativa de tornar o crédito mais acessível por diferentes modalidades esbarram no quadro de elevada inflação, em especial alimentos, e nas elevadas taxas de juros, que são elementos decisivos na realidade e no cotidiano das famílias.
O cenário como um todo inibe a propensão a consumir dos indivíduos e estimula a informalidade. E, no plano empresarial, reduz investimentos em novos negócios, infraestrutura e expansão, em particular pelo desestímulo representado pela taxas de juros.
Em termos mais populares, a mensagem é clara: barbas de molho!
Notas
- De 14 a 22 de maio, estaremos em Missão Técnica organizada por Gouvêa Foodservice participando do NRA Show, em Chicago, o mais importante evento global do setor, com a delegação integrada com IFB e IDV. Mais informações podem ser acessadas por aqui.
- No dia 26 de maio, a Mercado&Consumo, a Gouvêa Foodservice e a Gouvêa Experience vão realizar o Connection Foodservice Day – Pós NRA Show, evento de conteúdo e networking com as principais tendências do setor. Saiba tudo sobre o evento aqui.
- No dia 27 de maio, teremos o Digitail, organizado pela Gouvêa Experience com apoio de Gouvêa Consulting. Um evento focado no setor de e-commerce, trazendo uma ampla e profunda discussão do momento e tendências e perspectivas desse setor no mundo e no Brasil. Conheça mais por aqui.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato