Continuar recrutando profissionais com o olhar no passado, não vai nos levar ao futuro. Será que a sua empresa tem os talentos necessários para a construção do futuro?
Nossa sociedade está entrando em um período de intensas e rápidas transformações, que no Fórum Mundial de Davos do ano passado foi chamado de “Quarta Revolução Industrial”. O ritmo e a amplitude da mudança é assustador. Vemos uma avalanche de inovações tecnológicas com potencial de transformar por completo os negócios, as profissões atuais e nossa sociedade. Enquanto, nas revoluções passadas, as mudanças foram provocadas por um único fator, como a pedra, o bronze, o ferro, o vapor, a eletricidade, a fabricação em série e a Internet, nós, agora, estamos diante de um processo de transformação impulsionada simultaneamente por diversas tecnologias digitais, que se misturam umas com as outras, criando uma convergência tecnológica difícil de captar.
O grande desafio é que as evoluções tecnológicas não são apenas exponenciais e combinatórias, mas inevitáveis e irreversíveis.
Startups surgem a cada dia com disrupções que afetam o modelo de negócios das empresas tradicionais. Elas são, por característica natural, ágeis, inovadoras, têm a cultura de experimentação entranhada e assumem riscos que as empresas tradicionais nem imaginam correr.
O desafio para as empresas existente é entender e adotar a digitalização como base de seus negócios, qualquer que seja seu setor de atuação. Aliás, as fronteiras entre os setores de negócios estão ruindo, e a cada dia fica mais difícil classificar as empresas por verticais de indústria. Um exemplo é a Amazon. É varejista? Sim. Mas também é líder em Cloud Computing. A Amazon, um negócio de mais de 13 bilhões de dólares, lançou o Echo, um assistente pessoal que a, entre outras tecnologias, como a nuvem, a torna uma forte e influente empresa de tecnologia. E ganhou Oscar por filmes, que a torna um estúdio de cinema. A revista Fast Company a reconheceu como a empresa mais inovadora de 2107, como podemos ver em “Why Amazon Is The World’s Most Innovative Company Of 2017”.
E como classificar uma Tesla? E uma Apple? As industrias estão cada vez mais se desagregando e se recombinando em outras formas. A tradicional classificação por verticais de indústria que vemos hoje sendo adotado pelas consultorias vai se tornar “old fashioned” em breve.
Fazer a transformação digital, em tempo hábil e na escala adequada, não é uma questão de opção, um “nice to have”, mas a essência da sobrevivência empresarial para qualquer setor de negócios. A tendência da digitalização está atualmente desafiando todos os setores da indústria e da sociedade. Em praticamente todos os atuais setores, esse fenômeno está provocando efeitos dramáticos sobre a dinâmica da indústria tradicional e em seus modelos de negócios. Assim, todas as empresas e instituições terão obrigatoriamente de pensar em como lidar com esta revolução digital e definir qual será seu papel nos novos ecossistemas digitais que estão surgindo.
Vamos pegar por exemplo, o setor de telecomunicações. O seu modelo de negócios tradicional está sendo devorado por novas empresas que adotam novas tecnologias e novos modelos de negócio. Muitas empresas já usam redes sociais e sistemas de mensagens como WhatsApp como meio de comunicação com seus clientes, dispensando a telefonia.
Pagamentos, cada vez mais são feitos diretamente pela Internet e smartphones, na maioria dos casos sem usar telefonia. As empresas disruptivas chamadas OTT (over-the-top), digitais de nascença, já estão se tornando o principal elo de comunicação das sociedades. Passa-se mais tempo em FaceTime, Hangout, Skype, WhatsApp e outros que usando telefonia tradicional. E é um processo rápido. A canibalização das receitas de voz e mensageira cresce em um ritmo muito acelerado. Em 2011, as receitas globais das telco foram afetadas (em 9% nos serviços de SMS, pelos sistemas como WhatsApp e em 11% na telefonia fixa, pelo Skype). Em 2018, estima-se que a perda de receita global das telco com SMS será de 60% e com a telefonia fixa de 50%. É um exemplo típico de crescimento exponencial de uma tecnologia, que passa despercebida no início e cresce assustadoramente de um momento para o outro.
Uma frase do escritor Ernet Hemingway, em seu livro “The Sun Also Rides”, publicado aqui no Brasil como “O Sol também se levanta” descreve bem este fenômeno: “how did you go bankrupt? Two ways. Gradually, then suddenly”.
Como as empresas existentes podem reagir?
Para continuarem relevantes em um cenário de negócios cada vez mais digital, as empresas já estabelecidas devem considerar dois movimentos estratégicos e, tomar medidas imediatas: (1) tornar o seu core business ou negócio central “super slim”,com custos eficientes e sendo muito mais ágeis (adotar o conceito de “lean startup”), e (2) identificar novas áreas a serem exploradas em um espaço que combine o grande potencial da digitalização com as suas competências existentes. Ficar na inércia ou esperar que as mudanças cheguem a elas naturalmente, simplesmente não são alternativas; elas desaparecerão antes.
A inércia geralmente acontece pela simples razão que os negócios que estão dando certo hoje, consolidados em sua zona de conforto, são surpreendidos pelo surgimento de uma competição inesperada, e seu corpo executivo não sabe lidar com esse novo desafio. Se vencer esta inércia a tempo de se manterem no mercado, além de buscarem ser ágeis (vejam por exemplo, a brutal diferença que é cancelar uma assinatura no NetFlix e em uma empresa de TV paga) podem tomar atitudes defensivas e agressivas.
A defensiva é buscar otimizar a margem enquanto seu produto ou oferta ainda sobrevive no mercado. Esta ação requer profundas mudanças organizacionais, para se adaptar a um mercado que tende à extinção: consolidação de operações, otimização de custos, agilidade nos processos, eliminação de produtos ou serviços que não mantém margem e assim por diante. Não é simples e nem sempre os executivos que fizeram a empresa crescer serão os mais adequados a este novo contexto.
A agressiva é provocar disrupção. Esta estratégia passa por uma mudança no mindset da empresa. Antes de mais nada, deixar de olhar para a concorrência. Olhar para a concorrência é olhar para o que elas fizeram no passado e fazem no presente, e não é isso que você está querendo fazer agora. Busque outros benchmarks!
A mudança no mindset é significativa e precisa de uma liderança forte. Recomendo a leitura de uma entrevista com o CIO do ING Bank, “Engineering the switch to digital”. Duas frases são emblemáticas: “Digital is not a temporary thing. It’s not a one-time program. It’s a change that is affecting the whole industry, and getting better at it has become a permanent ambition for us.” E “the role of technology within ING has had to change from being a support function to being a fully integrated part of the business, actually driving strategy for the bank”.
Fundamental a esse processo são os talentos que a organização precisa para fazer esta transformação. Do CEO aos profissionais das áreas operacionais e, principalmente, o pessoal de TI. TI ágil é pré-requisito. Alguns conceitos como o modelo bimodal, que mantém um sistema duplo, em que as empresas constroem lentamente a estabilidade dos sistemas de Backoffice, enquanto lançam rapidamente produtos digitais não atende à velocidade das mudanças e das demandas dos negócios, como exigido pelas transformações aceleradas que vivemos. Todos os produtos devem ser ágeis, por eu a velocidade das mudanças exige respostas rápidas.
As empresas têm que se reimaginar no mundo digital e devem ser adaptar continuamente em um mundo cada vez mais complexo, volátil, cheio de incertezas e ambiguidades, que será o novo “business as usual”. Escrevi sobre esse assunto em “O bimodal já era?”.
Talentos com mindset digital podem vir de fora, com novas contratações, da atuação em sinergia com startups e com reengenharia dos talentos atuais.
Muitas vezes restrições orçamentárias dificultam o processo de desaprendizagem e reaprendizagem. Profissionais com culturas solidamente entranhadas em processos de desenvolvimento formal, como waterfall e incentivados a mitigar riscos, que foi o mantra da TI nas últimas décadas, precisam urgentemente de contato com novas técnicas. Agrupar o pessoal de TI com startups pode ser de grande ajuda. Startups não usam waterfall, trabalham com conceitos ágeis, MVP, mudam de rota com base em feedback, e correm mais riscos.
A discussão da transformação digital passa, portanto, por um ponto crítico: talentos. Não ter os talentos adequados vai significar o fracasso da sua execução. Dado que os melhores talentos de engenharia de software podem, por exemplo, ser de três a dez vezes mais produtivos do que os engenheiros médios, a aquisição de talentos top pode gerar economias de investimento de dois dígitos, acelerando significativamente o processo de transformação. Entretanto, tais talentos são difíceis de encontrar.
Mas, que talentos serão esses?
- a) Engenheiros de software acostumados a trabalhar com métodos ágeis (DevOps engineers) e tecnologias fora dos tradicionais fornecedores. Conhecer características de sistemas móveis e suas especificidades.
- b) User designers. Como a experiência do cliente se torna cada vez mais importante, as empresas terão de investir em talentos capazes de entregar essas experiências. Estes designers devem ter experiência de criar produtos ou serviços baseados em interações reais com clientes (ou seja, não apenas dados), traduzindo pesquisas, insights e idéias de clientes em soluções práticas, usando ferramentas de design como personas e mapas de empatia).
- c) Scrum masters e agility coaches. O “desenvolvimento ágil”, onde o software é rapidamente desenvolvido em ciclos iterativos, passa a ser capacidade central da TI ágil. Os Scrum masters precisam não apenas demonstrar liderança, mas também uma profunda compreensão da tecnologia e capacidade de resolver rapidamente problemas. Tão importante quanto o scrum master é o nível da equipe, para que a cultura ágil seja escalável em toda a organização.
- d) Product owners. Este papel é quase um mini-CEO de um produto digital. Devem definir claramente a visão de um produto ou serviço, estar plenamente capacitados para tomar decisões de alto valor de negócios e devem estra focados em KPIs para monitorar o progresso. Os product owners trabalham diretamente com os desenvolvedores, engenheiros, designers e outros profissionais interessados no negócio. Eles precisam entender os problemas de tecnologia e de experiência do usuário para tomar decisões sobre os recursos do produto ou serviço a serem desenvolvidos.
- e) Full-stack architects. Extremamente importantes em um cenário tecnológico complexo e em rápida mudança. Este profissional precisa ser fluente em todos os componentes de tecnologia que incluem a interface de usuário da web / móvel, middleware e bancos de dados. À medida que as empresas se envolvem cada vez mais com os ecossistemas externos, eles precisam estar envolvidos com com estratégias de integração de múltiplas tecnologias.
- f) Machine-learning engineers. À medida que as empresas avançam para o uso intenso de IA e machine learning , precisam de uma nova geração de engenheiros de software que saibam como usar dados, como programar em ambientes de computação escalável e entender como refinar os algoritmos em seus códigos de software. Devem ser fluentes em técnicas de computação distribuída, ter experiência em usar diferentes algoritmos de aprendizado de máquina e aplicá-los efetivamente, como escolher o modelo mais adequado, decidir sobre os procedimentos de aprendizagem para ajustar o algoritmo, entender os diferentes parâmetros que afetam a aprendizagem, etc.
Portanto, o primeiro questionamento que a empresa e no caso específico de TI, o CIO deve fazer é: tenho os talentos adequados para a transformação digital? Se não, onde obtê-los? Posso retreinar minha equipe?
Nossa sociedade mudará tanto nos próximos 20 anos quanto mudou nos últimos 300 anos. Tentar extrapolar o futuro com base no presente, fundamentado no pensamento linear, vai nos levar a uma armadilha.
O impacto da evolução tecnológica exponencial e combinatória não é uma extensão do que aconteceu até hoje. Por isso, as empresas precisam começar a agir e rápido, em direção a fazer sua transformação digital. E o primeiro passo é identificar os talentos digitais, seja em casa ou fora.
Continuar recrutando profissionais com o olhar no passado, não vai nos levar ao futuro. Devemos buscar quem vai ajudar a empresa a construir seu futuro. Ele, futuro, não é algo que aparece do nada e assistimos passivamente. Nós o construímos.
Você tem os talentos para construir o futuro de sua empresa?
Fonte: Terra