Infelizmente vivemos tempos de polarização. Na política nacional, ela está colocada. Mas existem muitas outras também. Uma delas envolve o falso dilema de que cabe ao empresário cuidar de seu negócio e que os destinos do País devem ser decididos no âmbito dos poderes constitucionais, em especial no Executivo e no Legislativo – e, no quadro presente, cada vez mais também no Judiciário.
Parodiando Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra e quem pensa com a unanimidade não precisa pensar; quem se prende à polarização se nega a pensar, só faz polemizar.
Fora relevantes exceções, não existem negócios saudáveis em ambientes doentes e contaminados. Isso nunca foi tão verdadeiro quando se avalia o desemprego atual, o número de negócios fechados, a desorganização de diversos setores econômicos e o aprofundamento e alargamento do fosso que nos separa das economias mais desenvolvidas, que teima em se ampliar.
A visão comparativa com a realidade global deveria ser foco permanente e elemento de avaliação para não nos apequenarmos na análise apenas de elementos circunscritos de nossa própria realidade, entendendo que podemos evoluir ao nos compararmos apenas com alguns elementos do passado – quando, na verdade, ampliado o campo de visão, estamos regredindo em muitos aspectos.
Nossa perda de representatividade e relevância econômica, social e ambiental no cenário global são apenas alguns deles.
Não se pode negar, de forma justa e realista – atributos de quem pensa e não apenas polemiza – avanços marcantes em muitos aspectos no âmbito dos setores público e privado.
No agronegócio, na desconcentração no setor financeiro, na transformação digital, em algumas poucas concessões de atividades públicas, na maturidade e internacionalização de alguns setores empresariais, nas questões trabalhistas, na proteção dos dados, no avanço de setores da medicina e outros mais.
Em compensação, é gritante o retrocesso recente na saúde, na segurança, na educação, na questão tributária, no emprego, na renda, na própria corrupção, na informalidade, nas questões ambientais e, principalmente, no avanço do quadro de desigualdade social.
Onde se depende mais do Estado, fica flagrante a inércia e, em muitos casos, o retrocesso.
No momento, o País se divide entre os que discutem a indesejável e preocupante polarização política e, em menor número, os que buscam outra solução.
O que nos falta é a construção de uma proposta que tenha a virtude de agregar e encaminhar novas opções ao maniqueísmo político estabelecido. Que acima de tudo crie uma visão estratégica para o País, tirando-o do atoleiro em que se meteu por conta do quadro atual.
E, como lembrado que a unanimidade é burra, uma proposta não terá condição de ser única e consensual, mas é necessário buscar a convergência possível, em especial no âmbito dos diversos setores empresariais.
São muitas as diferenças que envolvem, por exemplo, porte dos negócios, os diferentes setores e segmentos, as questões regionais, os aspectos políticos, a maturidade e o desenvolvimento econômico diversos, tudo isso contribuindo para dificultar em muito o desenho da convergência possível.
Mas, se não for possível chegar ao mínimo desejado, então merecemos viver o que estamos vivendo e, pelo andar da carruagem, tudo indica que pode assim permanecer, agravando, desestimulando e desviando recursos e adiando ainda mais a perspectiva de um futuro melhor.
É tempo – e estamos atrasados – de nos mobilizarmos para sair da mesmice inercial da discussão da polarização e nos abrirmos para assumir a responsabilidade de criarmos uma proposta alternativa para o Brasil. Ou nos conformarmos com a indesejável e burra unanimidade. Termine como terminar, será péssimo para o País.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado & Consumo.