O admirável mundo novo (Brave New World, no original, em inglês), como concebido por Aldous Huxley no romance lançado em 1932, em sua versão atual deveria ser adicionado das vertentes volátil e temível.
Só a conjugação dessas três dimensões – admirável, volátil e temível –, pode tentar explicar a velocidade, amplitude e profundidade das transformações que temos tentado acompanhar no mundo atual.
Quando um vírus concebido numa agência de inteligência do governo norte-americano é roubado e usado por hackers provavelmente chineses para bloquear computadores e redes em, ao menos, 150 países do mundo ao mesmo tempo e em segundos, em busca de compensação financeira paga em moedas virtuais; estamos acompanhando, magnetizados e surpresos, as três dimensões – admirável, volátil e temível – do processo transformador global.
Admirável pelo uso da tecnologia da informação em escala tão ampla e volátil, pois todos os elementos envolvidos são volatizados e disseminados instantaneamente, e temível pelo acesso possível a tudo isso para o uso para o mal.
É apenas um exemplo, infelizmente do lado negativo, de como o Mundo Novo, muito diferente daquele concebido por Huxley, é configurado, reconfigurado e novamente reconfigurado, intensa, rápida e – por conta de tudo que se tornou acessível de forma ampla –, aberta e democrática no cenário atual. E que precipita um número infindável de mudanças e alterações que torna volátil quase tudo na vida.
Da ideia original do autor, de uma sociedade extremamente científica, de pessoas pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente para viverem em harmonia com leis e regras sociais da sociedade, nada ou praticamente nada se configura no cenário atual.
Ao contrário, o empoderamento através da tecnologia faz migrar o poder, crescente e inexoravelmente, para consumidores-cidadãos que, pelas suas manifestações e inter-relacionamento, promovem mudanças em escala e velocidades surpreendentes, acompanhadas pelo movimento dos “fazedores” de mercado.
Trazido para o plano dos negócios, as transformações têm precipitado mudanças estruturais significativas.
Assim, uma organização como Amazon, com vendas inferiores a 20% do valor total das receitas da Walmart – maior empresa de varejo mundial –, pode valer o dobro do que um empresa tradicional (em termos de Market Value) com milhares de lojas em todo o planeta e um dos principais canais de distribuição de produtos no mundo. Parte do admirável Mundo Novo.
Ou um Alibaba, e-commerce de origem chinesa, pode vender bem mais que um bilhão de reais no Brasil sem nenhum emprego direto gerado no mercado local, cifra que apenas 90 empresas varejistas operando no país conseguem alcançar.
Tanto quanto a valorização de empresas que atuam na desintermediação de negócios, tendo como proposta destruir as estruturas de negócios envolvendo as relações entre indústria fornecedora e varejo através de sites de compras ou vendas diretas.
Ou como novos jogadores atuam no mercado, integrando produtos e serviços para criar soluções, redesenhando novos modelos de negócios, totalmente diferentes do que havia no passado recente.
Para não falarmos no poder crescente das relações que acontecem no ambiente das redes sociais, criando novas realidades e canais de relacionamento, informação, compartilhamento e vendas, que subvertem os canais tradicionais por serem interativos acima de tudo.
Muito mais poderia ser alinhado nesta discussão das dimensões da transformação que ocorrem na sociedade, no mercado e nos negócios, mas foi o impacto da crack global digital desta última 6a feira que deu o tom, temível, do poder ameaçador e destrutivo à solta pelo mundo, à serviço dos que apenas querem se aproveitar, seja por retorno financeiro ou reconhecimento desse seu poder.
Seguramente, novos negócios crescerão à sombra do temor causado pelo efeito devastador do que aconteceu, gerando muitos milhões de receitas, não importa a moeda, em sistemas de segurança e prevenção de riscos.
Neste Mundo Novo, muito longe da ideia romanceada de Huxley, de pessoas programadas ou condicionadas biológica ou psicologicamente para viverem em harmonia, estamos vivenciando uma espiral transformadora cada vez mais inevitavelmente admirável, mas também profundamente volátil e temível.
Não existem outras opções, se não, o constatar e se adaptar.
Por Assis Ribeiro
O livro “Admirável Mundo Novo” (1932) de Aldous Huxley, descreve o consumo da droga sem efeito colateral aparente chamada “soma”. As crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família também não existe.
O livro traça o contraste entre o “moderno” e o “atrasado”, tecendo críticas pungentes ao desenvolvimento “prodigioso” da ciência que, segundo o autor, ao contrário de promover benesses à sociedade, contribuiu para o surgimento de diversos problemas de ordem social que posteriormente não seriam resolvidos. Sob esta perspectiva, o personagem John – “o Selvagem” – confronta-se diretamente com o mundo moderno, reiterando a impossibilidade de convivência entre o tradicionalismo e o mundo da ciência. Neste Mundo Novo a reprodução humana está inteiramente baseada na reprodução artificial. Dependendo da classe genética a que determinado grupo pertencia (Alfa+, Alfa, Beta+, Beta, Gama, Delta ou Épsilon), eram tratados com substâncias diferentes durante a gestação.
Quanto ao controle e difusão de informações, em geral eram subliminais. Durante a infância, as informações eram transmitidas às crianças por hipnopedia (método de ensinar durante o sono). Esse método não era eficiente quando se precisava raciocinar sobre as informações, essa era a intenção. Não é muito diferente do que acontece hoje em dia com músicas e mesmo com frases de propagandas publicitárias. A diferença está no conteúdo das mensagens: ao invés de usá-las para vender um produto, criavam-se regras morais cujo objetivo era, por exemplo, constantemente afirmar a perfeição do Estado vigente ou uma receita em forma de versos sobre quantas doses de Soma eram necessárias em cada tipo possível de esgotamento mental (impulso de querer raciocinar).
Como se vê, tratava-se de uma sociedade de autômatos na qual não era necessário recorrer à repressão violenta porque simplesmente não havia o mínimo risco de ocorrer qualquer tipo de revolta. Uma sociedade em que cada indivíduo se sentia feliz com a função exercida (pois desde o início haviam sido condicionados a exercerem tal função). Pode-se questionar que havia sido eliminada a criatividade humana e que isto poderia gerar revolta. Não é verdade: a criatividade reprimida era perfeitamente compensada com a ingestão regular do Soma, droga aparentemente inócua que era produzida e distribuída pelo Estado e que poderia aliviar qualquer desejo de criatividade que o indivíduo sentisse estar reprimida, sem que isto pudesse afetar de alguma maneira a ordem que já estava mantida há muito tempo.