O sociólogo americano Ray Oldenburg desenvolveu, em 1991, a tese do terceiro lugar, posteriormente utilizada por Howard Schultz como base para a estratégia de expansão da rede de cafeterias Starbucks. Em linhas gerais, Oldenburg afirmou que o ‘primeiro lugar’ é a nossa casa e o ‘segundo lugar’ o ambiente de trabalho. Já o ‘terceiro lugar’ seriam espaços públicos, destinados a hospedar os essenciais encontros informais dos membros de uma comunidade.
Tendo em vista que grandes cidades tiveram reduzida sua capacidade de receber em seus parques, praias ou mesmo calçadas esses encontros, por conta de fatores como insegurança, clima e ausência de estrutura (como vagas de estacionamento ou banheiros), os espaços privados passaram a exercer a função. Bares, restaurantes, cafés, clubes e shopping centers fariam parte da lista dos novos ‘terceiros lugares’.
No entanto, nesses novos tempos, onde as definições tradicionais costumam ser constantemente desafiadas, a clara divisão entre os três lugares de Oldenburg começa a embaralhar-se. Um bom exemplo dessa confusão é a crescente quantidade de profissionais que passaram a trabalhar em casa ou em espaços conhecidos como coworking. Somente nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 43% da população economicamente ativa trabalhe remotamente pelo menos alguma parte do tempo.
O coworking é mais um filhote da economia compartilhada e parece ter vindo para ficar. Em todo o mundo, Brasil inclusive, espalham-se unidades desses locais modernos, onde pessoas de variadas profissões locam mesas ou salas por tempo determinado, muitas vezes criando um ecossistema de apoio mútuo. A novidade é que esses espaços estão começando a invadir terrenos antes dedicados exclusivamente ao consumo, lazer e serviços. Estou falando, obviamente, dos shopping centers.
Nos Estados Unidos, onde a forte redução na quantidade de lojas gerou amplos espaços vacantes nos shoppings, os coworkings naturalmente entraram na mira das principais administradoras. A Macerich, por exemplo, uma das maiores empresas americanas de shopping centers, anunciou, na semana passada, um acordo com a Industrious, provedor de espaços de trabalho, que vai operar locais de coworking em diversos empreendimentos.
Para os shopping centers, as vantagens de investir em coworking vão além do preenchimento de lojas vagas. Eles garantem também um tráfego diário adicional de pessoas durante todo o período de funcionamento, além de impulsionar serviços como alimentação. Não é à toa que um estudo recente, divulgado pela JLL, previu que a área destinada a locais de coworking em shoppings crescerá a uma taxa anual de 25% nos próximos cinco anos.
Hoje, ainda segundo o estudo da JLL, há diferentes tipos de coworking. O mais comum é o que reúne uma mescla de trabalhadores remotos de empresas, empreendedores e criativos. No entanto, há também locais que oferecem adicionalmente mentoria e serviços para o desenvolvimento de novos negócios, equipamentos específicos para profissionais da economia criativa e até os que funcionam como incubadores de empresas varejistas, incluindo ainda espaço para exposição ou demonstração dos produtos desses comerciantes para os frequentadores do shopping.
No Brasil, ainda são muito poucos os espaços de coworking em shopping centers. Aqui e ali registram-se, no máximo, espaços temporários, de uso gratuito, para que estudantes e profissionais possam trabalhar, fazer reuniões ou pequenos trabalhos. À medida que o shopping for adquirindo novas funções, a tendência é que esse cenário mude. Afinal, com a integração de varejo, lazer, alimentação, serviço, residências, hotéis, universidades, centros médicos, escritórios e locais de coworking, o shopping center tem todas as condições de virar a teoria de Ray Oldenburg de cabeça para baixo e reunir, em um só local, o primeiro, o segundo e o terceiro lugar.
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