Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, conseguiu transformar uma loja de Franca em um case de sucesso da Universidade de Harvard. A rede atualmente tem 800 lojas, 22 mil funcionários e faturamento anual superior a 11 bilhões de reais.
Como você fez para construir uma marca, uma empresa sólida, sempre na vanguarda, em um país tão oscilante quanto o Brasil, sobretudo na questão da economia?
O Brasil é um país de oportunidades, porque tem consumo, um povo que quer comprar, o que falta é emprego e renda. No Magazine Luiza ninguém faz nada sozinho. A rede está fazendo 60 anos, nasceu na cidade de Franca. Eu venho de uma família varejista, que sempre vendeu. Com 12 anos eu comecei a vender, então sempre estive na área. O Magazine foi crescendo aos poucos. Minha família gosta muito do varejo e foi criada assim. Nós sempre fomos muito bons em inovação. Criamos uma loja eletrônica quando ninguém pensava nisso, tiramos paredes, investimos em formas diferentes de lidar com a equipe. E vivemos em um país que deu condição para a gente crescer.
Você falou em inovação. Inovação é uma das marcas do Magazine Luiza juntamente com a questão de atendimento. Vocês sempre reforçam muito isso. Você pode contar um pouco desse trabalho?
Independentemente de o Magazine Luiza ter, essas são coisas que fazem a diferença, seja para um pequeno profissional, uma pequena empresa ou uma grande empresa. O resto todo vira comoditie. Preço vira comoditie, mesmo vender o produto certo vira comoditie, se não tiver bom atendimento e inovação. O Magazine Luiza sempre acreditou nisso. Até porque viemos de uma empresa familiar, em que atendíamos o cliente. Eu fiquei 20 anos no balcão. Quando eu passei (a presidência) para o Marcelo Silva, a única coisa que quis ficar foi na área operacional, em que eu olhava o diretor da área. Eu fiquei com o SAC, tenho uma linha direta com o cliente. Se você entrar no nosso site, tem a “palavra da presidente”. Eu costumo dizer que atendimento é igual regime: você descuida um pouco, engorda tudo de novo e se você não cuidar do quilo a mais ou do 100 gramas a mais vai fazer diferença.
Com essa era digital, não tem jeito. Você tem que ser muito veloz em inovação e muito criativo, mas, para isso, a empresa tem que estar preparada. Acho que o mais difícil e, nós fizemos em 1991, é preparar a empresa para coisas novas. Preparamo-nos para receber o novo e hoje a velocidade é muito grande.
Você ao longo do tempo, por essa paixão pelo varejo, mas também pela forma com que você se posiciona, com transparência, objetividade, se tornou uma líder empresarial, mais até que uma líder do varejo. E você está levando agora essas características da liderança para o trabalho envolvendo a mulher brasileira. Eu queria que você falasse um pouquinho desse teu trabalho atual.
Primeiro eu sou uma pessoa apaixonada pelo Brasil. O Magazine Luiza, há mais de 20 anos, em toda segunda-feira, nas mais de 850 unidades, cantamos o hino nacional, o hino da empresa. A minha filha, desde pequena, foi estudar cozinha brasileira por paixão. Eu preferi viajar primeiro para o Amazonas e outras regiões do país com meus filhos pequenos do que para fora do Brasil. Além disso, o país acolheu uma empresa que não tinha capital, que começou em uma lojinha. Minha tia não tinha nem o dinheiro para pagar prestação e conseguimos sobreviver muito bem nesse país. Por essa paixão que eu tenho pelo país, pelo momento que eu estou vivendo, decidi agir. Eu senti e sempre acreditei que a sociedade civil deve mudar o país. Não adianta reclamar dos políticos, não adianta apontar a mão, só através da sociedade civil conseguiremos mudanças. Qualquer pessoa nova que você colocar na estrutura de hoje, em que tem que negociar ministério, tem que mandar embora porque não votou em você, entre outras coisas, não vai fazer diferença. E nós aceitamos tudo isso, então não adianta reclamar. Eu tenho uma ligação muito grande e acho que para mulher é mais fácil fazer mudanças, porque os homens sempre foram muito mais acostumados a liderar. Na era industrial já era assim. Estamos tendo muito sucesso, mas teremos que nos alinhar. Já vai fazer 4 anos que nós estamos juntas, trabalhando, conhecendo o Brasil em 15 segmentos, como empreendedorismo, saúde, educação, violência contra a mulher, igualdade racial.
E o longo prazo desse projeto qual é?
Nós queremos ter o maior grupo político apartidário do país. Primeiro a gente tem o varejo, que é pegar uma escola para reformas, mas, enquanto isso, nós já temos um grupo estudando todos os projetos educacionais que já existiram até hoje. Temos um projeto no Ministério da Educação há 20 anos, mas cada ministro que entra, fica quatro anos e não leva adiante.
Hoje, com a tecnologia, poderemos ter, daqui a dez anos, o país entre os cinco mais educados, mas, para isso, a sociedade tem que saber o que é esse projeto, tem que cobrar e fazer isso acontecer. Isso vale para todas as áreas. Em relação à saúde. Junto com o Dr. Dráuzio Varella e uma ONG, nós estamos estudando 12 sistemas de saúde do mundo e percebemos que o SUS é ótimo e não falta de dinheiro. Falta gestão e jogo político. Como eu posso ter um Ministério da Saúde que é totalmente levado?
Eu estava nos Estados Unidos e um dos maiores médicos do Brasil estava lá. Tiraram verba do Ministério das Ciências. Em todos esses casos, nós, sociedade, ficamos quietos. O que eu acredito é que a sociedade tem que assumir e nós estamos há quatro anos estudando, trabalhando, fazendo varejo, pegando sistemas de penitenciárias, empreendedorismo, saúde pública e tudo, para que a sociedade faça mudanças junta. Agora, tem que ter representatividade.
Flávio Rocha falou categoricamente que a crise se encerra aqui e que agora começa um novo ciclo para o varejo. No seu entender, quais são os principais desafios para este novo ciclo, não só para o Magazine Luiza, mas para o varejo como um todo?
Eu concordo com o Flávio que estamos no fim de um ciclo, mas, o mais importante é pegarmos o exemplo da Espanha: a economia se desgrudou da política. Isso é importantíssimo. Não importa se o presidente está sendo condenado, vice-presidente. O mercado continua. Isso é uma maturidade do país. A Espanha passou por uma forte crise, muito maior que a do Brasil. Mas, agora, a crise lá é de poder. Eu tenho uma ligação muito forte com empresários espanhóis e eu lembro que um deles falou: “Luiza, nós não estamos preocupados com a política. A economia se desgrudou.” Isso não quer dizer que o Flávio não tem razão, mas se aprendermos a conviver independentemente da política e o mercado ver que o Brasil caminha independente de quem está no comando. Lógico que é importantíssimo acompanhar, mas não é o que define a economia.
Acredito que com a queda dos juros e a aprovação da Lei Trabalhista as coisas vão melhorar. Aliás, a Lei Trabalhista não é Lei Trabalhista. É a democracia da vontade, não mudou nada, só que as pessoas agora tem o direito de fazer as férias como quiser, do jeito que quiser. Eu fui para a TV Luiza, peguei a lei e expliquei item por item. Pela lei antiga, o funcionário trabalha domingo e ele é obrigado a tirar dois dias de folga em sete dias, aí dali a dez dias tem uma reunião, tem que levar o filho no médico e não pode ir porque já foram as folgas. A nova lei não mexeu em nada, nem 13º, nem férias. Já a Reforma da Previdência tem que acontecer, mas não quero dizer o que está certo ou errado, porque não estudei essa reforma.
O que eu quero dizer é que a economia vai voltar e que os velhos problemas das empresas também. Nós temos um problema grave e sério e que pode atrapalhar qualquer empresa aqui que é a logística. O Brasil é um país grande, com estradas ruins, mas com um correio maravilhoso, que chega em todos os lugares. Os políticos sabem porque eu vivo dando feedback. Eles sabem que precisa de um choque também de gestão e de gestão por pessoas que não sejam de cargos políticos. Acho que a logística é um dos problemas que continuamos atravessando. Os bancos são muito preparados para tudo, os empresários estão muito mais consistentes, as empresas agora têm áreas de compliance, por causa da Lava Jato, que levou as companhias a se preocuparem em ser limpas. Amadurecemos muito nessa crise.
Você ajudou a aglutinar o varejo no IDV, está trabalhando aglutinando as mulheres. Você acredita que essa aglutinação dos segmentos da sociedade civil seja o caminho para primeiro, desconectar a economia da política, mas também criar juntos um projeto de longo prazo para o Brasil?
Eu nem acho que é desconectar da política. O que eu quero dizer é que o dia a dia econômico não deve mais estar ligado a prender ou desprender políticos. Todos nós temos que ser políticos, não partidários. As Mulheres do Brasil não podem ser candidatas, não podem lançar partidos, mas nós queremos ser o maior grupo político do país.
Eu estou impressionada e muito feliz, porque as pessoas me param “você está com um grupo, eu também estou. Vamos nos unir?” A sociedade civil começou a entender que precisa parar de reclamar e assumir o país, era o que faltava para o Brasil. Só assim nós vamos ter condição de fazer algumas mudanças, não em 2018, mas a partir de 2019. Não podemos esquecer, se a economia voltar, de fazer mudanças profundas. 39 partidos políticos, não tem condição, 37% das pessoas que estão lá não temos feedback, foram eleitas porque alguém teve muitos votos e pelo mecanismo está lá. Mas estou muito feliz porque estão surgindo muitos movimentos da sociedade civil, para jovens que querem ser políticos sem pensar em partido. O Mulheres do Brasil está disposto a unir, nós não estamos lá para ser protagonistas, mas para que a sociedade civil lidere.