Todo mundo que trabalha em marketing já repetiu alguma vez na vida a frase – “aqui o consumidor vem sempre em primeiro lugar”. Apesar de politicamente correta, a idéia de que direcionamos prioritariamente nossas estratégias para o atendimento das necessidades e desejos dos clientes é bastante imprecisa.
O modelo de negócios da maioria das empresas se baseia na velha prática de produzir em massa para reduzir custos e convencer os consumidores, por meio de elaboradas campanhas publicitárias e ações promocionais, de que aquilo que oferecemos é exatamente o que eles sempre sonharam possuir. Aliás, era mais ou menos isso o que já fazia Henry Ford, no início do século 20, com a linha de montagem do lendário ‘Modelo T’. É dessa época a emblemática frase, atribuída a Ford, que dizia – “você pode ter um carro da cor que quiser desde que ela seja preta”.
Mas, de lá para cá, muita água rolou por debaixo da ponte que une fabricantes e consumidores. Em inúmeros segmentos, a feroz concorrência entre marcas transferiu poder das mãos da indústria e do varejo para os indivíduos.
Pense no mercado de telefonia no Brasil, por exemplo – nos anos 80 um telefone residencial valia tanto quanto um automóvel em nosso país. Não eram poucos os que viviam do próspero negócio de aluguel de linhas. Hoje, quando somos importunados diariamente pelas companhias telefônicas, fixas e móveis, com ofertas de todos os tipos, esse cenário lembra mais um roteiro de ficção científica.
Contribui igualmente para a ascensão do consumidor à posição de protagonista do processo mercadológico o fato de que nossa sociedade está caminhando a passos largos na direção do individualismo radical. Ilustrativo desse fenômeno é o surgimento do iPod, que transformou o ato de escutar música em algo eminentemente pessoal.
Recentemente, em Londres, vários jovens marcaram pela Internet uma festa na tradicional Victoria Station. Batizado de ‘Silent Disco’, o evento ofereceu uma perturbadora imagem da juventude atual – centenas de pessoas dançavam sozinhas, ao som de seus iPods, indiferentes ao que escutavam os vizinhos.
Da mesma maneira, os telefones celulares possibilitaram que a comunicação que antes era feita entre residências e escritórios, passasse a ser feita entre indivíduos. Não fornecemos mais o número de nossas casas ou empresas, mas nosso número de acesso pessoal. Até mesmo o setor imobiliário começa a perceber as oportunidades do momento.
Nos Estados Unidos, a maioria dos novos apartamentos voltados para os consumidores de melhor poder aquisitivo oferece quartos separados para maridos e esposas. Dessa forma, a individualidade de cada um estaria mais bem preservada, bem como o romantismo dos velhos tempos – os encontros amorosos podem acontecer no quarto de um ou de outro, de acordo com a conveniência do casal.
Evidentemente, o anseio pelo individualismo também influencia as escolhas dos consumidores. Várias empresas experimentam com sucesso iniciativas de customização de seus produtos. Bonecas que possuem, literalmente, a cara de suas donas, chocolates que trazem em suas embalagens mensagens personalizadas, roupas que podem ser produzidas do jeito que o cliente quiser, são apenas alguns exemplos de como as marcas testam novos rumos na tentativa de satisfazer os desejos de seus clientes.
Além de mais individualistas, os consumidores também estão submetidos a novas pressões, por conta do excesso de trabalho, do trânsito enervante que dificulta seus deslocamentos urbanos, da insegurança das grandes cidades e da perplexidade diante das mudanças nas regras que norteavam o funcionamento da sociedade.
Algumas das consequências disso tudo são a valorização da conveniência e do consumo hedonista – tudo o que puder tornar mais rápidas as atividades enfadonhas do dia a dia e mais prazerosos os intervalos ociosos de suas vidas, será bem recebido pelos consumidores.
Nesse contexto, o conceito de qualidade de vida ganha significado mais amplo e adquire importância ainda maior para uma numerosa parcela da população. Tempo com a família, sair com os amigos, relaxar, ler um livro com calma, cuidar de si mesmo, comer bem, aprender coisas novas, viajar, desenvolver a espiritualidade e investir na aparência pessoal, por exemplo, são sinônimos de qualidade de vida nesses tempos modernos.
Marcas capazes de agregar esses valores contarão com um diferencial relevante, não apenas para os segmentos de maior poder aquisitivo, mas também para as classes médias brasileiras, que apesar da capacidade limitada de compra, apresentam muitas vezes desejos bem parecidos com os das classes mais altas.
Para enfrentar todos esses desafios, decorrentes das mudanças nos perfis e motivações dos consumidores e do acirramento da competição de mercado, as empresas precisarão refletir sobre a eficácia de suas estratégias atuais, voltadas para a maximização de resultados por meio da massificação. Ao redor do mundo cresce o número dos que abraçam a idéia de efetivamente colocar o consumidor no centro dos seus negócios, desenvolvendo novos processos de produção e comercialização, capazes de privilegiar os anseios desses clientes exigentes e tão disputados.
‘Customer-centricity’ é o nome desse novo jogo. Significa estudar os movimentos do mercado, a demanda atual e os anseios latentes dos consumidores para depois ajustar as ações de marketing para o público objetivado. Colocar o consumidor no centro implica inverter o processo tradicional, marcado pela tentativa de vender a amplos segmentos grandes quantidades de itens produzidos de maneira padronizada.
Na nova estratégia, são os ‘insights’ provenientes do mercado e dos consumidores que determinam o que a empresa deve produzir e como isso pode ser comercializado. Além disso, os próprios usuários são estimulados a tornarem-se divulgadores das propriedades dos produtos que consomem, o que é possível somente quando eles sentem-se verdadeiramente ouvidos pela marca e co-produtores do que sai das fábricas e é vendido nas lojas.
É fato que há muitos segmentos aonde a concorrência ainda é restrita. Isso força os consumidores a desempenhar o papel de personagens secundários que, movidos pela necessidade de adquirir produtos ou serviços, são obrigados a sujeitar-se às imposições das empresas. Mas também é verdade que no futuro essas situações tendem a ser mais escassas e o ambiente deve ser hostil e competitivo ao extremo.
Cabe aos responsáveis pelo marketing das empresas decidirem se tomarão a iniciativa de liderar a transição em seu campo de atuação ou se esperarão alguém mais tomar a dianteira, colocando seus clientes efetivamente em primeiro lugar.
Por Luiz Alberto Marinho (marinho@gsbw.com.br), sócio-diretor da GS&BW.