Inovação como condição essencial para bares e restaurantes

Conheça experiências inovadoras em 7 negócios bem-sucedidos em São Paulo, desde o storytelling a compromissos ambientais e sociais

“Bares e restaurantes são inovadores pela própria natureza e condição de sobrevivência”, crava Célio Salles, membro do Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Ou seja, quem gosta de comodismo e tranquilidade não deve levantar essa porta.

O setor deu mostras de sua capacidade de adaptação e responsividade em tempo recorde durante os quase três anos de isolamento social pela ameaça da covid-19, sendo capaz de se reorganizar para atender aos pedidos online e retirada na porta, oferecer métodos de pagamento digitais eficientes e contemplar uma nova geografia física e humana: o cliente estava no lar, não fora dele, e com a família, isto é, com crianças, adolescentes e até pais idosos em muitos dos casos.

Mas não é preciso uma nova pandemia global para que bares e restaurantes inovem. Atentos ao seu propósito e em contato com o cliente no dia a dia, os estabelecimentos que buscam permanência e relevância estão em constante evolução.

Para Ingrid Devisate, vice-presidente do Instituto Foodservice Brasil (IFB), a cultura de inovação é percebida por meio de avanços incrementais ou disruptivos que buscam melhorar o negócio em relação à sua eficiência, produtividade, qualidade, segurança ou até mesmo sobre o seu produto, desde os insumos até a lucratividade.

Romper com modelos atuais não é tão comum aos empreendimentos estabelecidos. Inovações disruptivas tendem a surgir a partir de novos negócios ou interesses. São iniciativas que inserem no mercado soluções para as quais ainda não havia demandas claras ou introduzem novos valores e conceitos revolucionários.

Por outro lado, as mudanças incrementais podem ser mais simples e, mesmo, necessárias, como atualizar o cardápio e a carta de bebidas, apresentá-los digitalmente, explorar os canais digitais para aumentar a oferta do serviço e a entrega por delivery, drive-thru e take away. Outras, mais complexas, envolvem inovação da gestão em busca de tornar a operação mais eficiente, integrada, produtiva e mais barata. Medidas como essas podem incluir mudança de local para ajustar o atendimento ao perfil do cliente e ao modelo de negócio até a compra de equipamentos mais modernos.

Sejam administradores, sejam chefs, garantem os especialistas, donos de bares e restaurantes precisam se distanciar de suas próprias atividades, experimentar novos sabores, conversar com colegas, sair de sua própria cidade e participar de feiras e eventos para acompanhar novidades e lançamentos do setor. “Para que o restaurante tenha acesso a novas visões, não pode estar fechado dentro de si mesmo”, afirma Célio Salles.
Para Georges Schnyder, diretor-executivo do “Mundo Mesa”, núcleo de inteligência em gastronomia, o restaurante isolado do seu contexto social tem cada vez menos espaço em um universo à procura de cozinhas mais inclusivas. Na opinião dele, os serviços exclusivos não são a parcela mais significativa da alimentação fora do lar.

Adepto da ideia do restaurante como um restaurador de relações, o CEO do Mundo Mesa afirma que a experiência proporcionada pelos estabelecimentos tende a ser mais valorizada quando alinhada a propósitos sociais e ambientais sustentáveis que em nada se opõem à alta gastronomia e à lucratividade do negócio.
Schnyder destaca cinco critérios essenciais para considerar, hoje em dia, um bar ou restaurante inovador: participação social, diversidade, propósito bem definido, zero desperdício e narrativa.

Confira, a seguir, bares e restaurantes de São Paulo que têm a inovação como preceito básico:

Inovação como condição essencial para bares e restaurantes

Vassoura Quebrada

“Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis” foram inspirações rentáveis não apenas para os respectivos autores J.K. Rowling e J.R.R. Tolkien. Quatro sócios nerds, na faixa dos 25 anos, fascinados pelo mundo fantástico da magia queriam frequentar um bar em que os seus bruxos favoritos fossem seus companheiros de mesa. Nascia, em 2018, o Vassoura Quebrada, a primeira hamburgueria inspirada em magia no bairro de Perdizes, em São Paulo. Com um ano de funcionamento, expandiu de 30 para 100 lugares.

A ideia de usar o RPG como elemento de criação do espaço construiu uma narrativa sincera e coerente. A decoração remete a Hogwarts, mas também abrange todo imaginário geek. Os hambúrgueres foram nomeados com feitiços e as bebidas, com poções.

Durante a pandemia, os sócios fortaleceram a loja de souvenirs na internet, a “Trecos&Bibocas”, e lançaram uma marca de doces e de camisetas.

Após firmarem uma parceria, o Vassoura e a Parks Brasil inauguraram, no ano passado, o “Parque Vassoura Quebrada”, no Shopping Parque da Cidade. O empreendimento funciona com um restaurante, loja de produtos e um salão para festas e eventos e tem capacidade para 165 pessoas e mais 100 circulando pelo parque.
Em setembro, chega ao Atrium Shopping, em Santo André. O empreendimento envolve parque-loja-hamburgueria-salão de festas com menu diferenciado: serão acrescentadas pizzas “alquímicas” ao cardápio.

O storytelling claro e objetivo conduziu o crescimento. Responsável pela narrativa da hamburgueria, do parque e dos produtos temáticos, Otávio Junior disse que, desde o início, os sócios sabiam o que queriam: “um bar bruxo”. Assim, tudo o que envolve o projeto Vassoura Quebrada conta uma história coerente que cativa a clientela.

Quanti Cafeh

Enquanto alguns tentam entender o paradoxo do multiverso pela ciência ou pela tecnologia, o Quanti Cafeh mostrou que universos paralelos coexistem no tempo e no espaço. Os sócios e irmãos Andherson e Anthony Barcellos criaram um set gastronômico de diversos arranjos e possibilidades em Santana, na Zona Norte da capital.

Durante o funcionamento regular, as mesas espaçosas e confortáveis agrupam amigos ou se transformam em local de trabalho para quem busca o coworking como opção no dia a dia. A estante cheia de livros conduz o cliente a um espaço charmoso de leitura e conversa. Também vira o cenário de palestras e workshops sobre temas variados. O salão é o palco perfeito para saraus, música e poesia.

Os cafés são produzidos com grãos especiais e servidos com técnicas à escolha do cliente para promover novas sensações enquanto a bebida é saboreada. A origem do café é certificada para que seja livre de exploração humana.

A decoração integra a natureza que a cidade pavimenta para poder existir. Também influencia o menu, pensado para uma servir alimentação orgânica, saudável e à base de plantas. Além de tudo, os pets são bem-vindos.

Inovação como condição essencial para bares e restaurantes

Koya88

O Koya88 é um restaurante de comidas e bebidas asiáticas que em nada remete ao tradicionalismo oriental. Aberto no final de 2020, sem sushi no cardápio, a proposta da dupla de Thiagos Maeda e Pereira levou um ar nova-iorquino ao endereço da Jesuíno Pascoal, na Vila Buarque, colocou ingredientes sazonais e frescos nos pratos dos clientes e sabores intensos em releituras de coquetéis clássicos. Mas os frequentadores ainda queriam sushi.

Os sócios cederam aos pedidos 2 anos depois sem alterar a essência da casa. Lançaram o omakase, que significa “por conta do chef”. O balcão foi transformado em um lugar exclusivo para seis pessoas atendidas mediante reserva antecipada e dispostas a experimentar sem escolher. De suas banquetas, acompanham o preparo dos pratos, também sujeitos à sazonalidade e à criatividade do sushiman Simon Ito.

Corrutela

Para criar o Corrutela, o chef Cesar Oliveira recebeu a consultoria de uma ONG inglesa que assessora, certifica e ranqueia restaurantes de acordo com um sistema de pontos sobre três pilares: abastecimento, meio ambiente e sociedade. O restaurante recebeu a pontuação máxima e lista entre os 55 estabelecimentos no mundo com as 3 estrelas entre os 250 certificados.

Por isso, preceitos como lixo-zero e redução da pegada de carbono são tão importantes quanto o comércio justo e uso de alimentos livres de agrotóxicos, os quais, à exceção do leite, se estendem a todos os ingredientes. A composteira está visível aos clientes desde a entrada do restaurante para destacar a sua proposta.

O restaurante possui câmaras frias para armazenar grandes compras entregues por logística ambientalmente sustentável. Mantém parcerias com agricultores orgânicos locais e em várias partes do País. Possui máquinas para a limpeza pesada de panelas e produz todos os ingredientes da cozinha a partir do zero, usando moedores, máquina de conchar, entre outros equipamentos.

Inovação como condição essencial para bares e restaurantes

Mocotó

A comida sertaneja do interior de Pernambuco, de onde se origina José de Almeida, o fundador do Mocotó, saiu da Vila Medeiros, na Zona Norte, para as páginas das publicações especializadas depois que a tradição e a alta culinária se juntaram pelas mãos do filho, o chef Rodrigo Oliveira.

Mas a inovação do restaurante vai além de criações como o dadinho de tapioca. Envolve uma visão que inclui o staff e compromisso social. Oliveira contrata para sua equipe, preferencialmente, pessoas do bairro, mantendo-se fiel ao legado da família e aos vínculos que o restaurante promove ao longo de 50 anos de história. Paga salários acima da média para a região, qualifica funcionários com bolsas de estudo e promove reuniões para que todos opinem no cardápio, trocando experiências.

O projeto social “Quebrada Alimentar” entrega, mensalmente, 400 marmitas a moradores da região, com fundos do próprio restaurante e de doações de fornecedores e parceiros, desde a pandemia.

O compromisso social não reduz a qualidade do serviço e confere ao Mocotó um lugar de destaque e visibilidade cada vez mais significativo.

Da Quebrada

No ano passado, a Vila Madalena recebeu o Da Quebrada, um restaurante-escola, vegano e que tem como premissa o aproveitamento máximo dos alimentos a preços populares. O estabelecimento é liderado por aprendizes, que fazem estágio remunerado, e são impulsionados a saírem de lá para se destacarem em outros restaurantes. Dessa forma, novos estagiários têm a oportunidade de aprender. O programa é uma parceria com o Instituto Baccarelli.

O “Da Quebrada” é um braço do “Gastronomia Periférica”, criado por Adélia Rodrigues e Edson Leite em 2012. Hoje, é uma Escola de Gastronomia, com ensino gratuito e online, que prioriza a formação de mulheres pretas e periféricas, estimulando-as ao empreendedorismo.

Inovação como condição essencial para bares e restaurantes
Chefs Jefferson e Janaína Rueda, d’A Casa do Porco

A Casa do Porco

Após uma longa carreira de sucesso, que lhe rendeu uma estrela no Guia Michelin, o chef Jefferson Rueda abriu com sua mulher, Janaína, A Casa do Porco, o restaurante que se tornou icônico no centro da capital paulista.
Para fazer do porco a estrela de sua cozinha, aproveitando todas as partes – do focinho ao rabo -, o casal mapeou toda a cadeia produtiva de suínos e iniciou a sua própria criação. Não havia nada parecido nesse ramo antes. Os Rueda conseguiram conciliar alta gastronomia a valores acessíveis por meio de uma cozinha brasileira genuína, criativa e democrática.

A narrativa e a qualidade foram premiadas internacionalmente. Atualmente, ocupa o 12º lugar no ranking dos “50 melhores restaurantes do mundo” e a 4ª posição na América Latina.

Isis Brum, em colaboração para Mercado&Consumo.
Imagens: Divulgação e Shutterstock

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