Quem analisa a situação das livrarias no Brasil pensa que o consumidor deixou de ler. Durante algum tempo, isso até foi verdade. À medida que, abatidas por crises, as gigantes Saraiva e Cultura fecharam dezenas de lojas, a venda de livros também minguava. Mas não foi o que ocorreu na pandemia, período em que o brasileiro redescobriu a leitura. Não só o total de unidades comercializadas e a receita passaram a crescer de forma saudável, mas o preço médio de venda – que caía havia anos – voltou a subir.
O Brasil tinha quase 3,1 mil livrarias abertas em 2014, segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL). Hoje, a estimativa é de que o total seja de 2,2 mil. Por outro lado, após anos difíceis, o comércio de livros mostra fôlego. Nos 12 meses encerrados em setembro, diz o Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel), a receita atingiu R$ 175 milhões, expansão de 13,64% ante o período anterior. O preço médio de venda voltou a superar R$ 40 – uma bem-vinda alta de 4%.
No ano passado, segundo o Snel, as vendas de livros online cresceram 84%. As livrarias exclusivamente virtuais – segmento que inclui a Amazon – viram sua parcela do faturamento atingir 43%. Somados a outros varejistas online, como Magazine Luiza e Americanas, a participação do mundo virtual supera 50%.
Isso de acordo com os dados oficiais. Para Sérgio Herz, presidente da Livraria Cultura – que está em recuperação judicial e fez um radical corte em seu total de lojas -, o domínio de gigantes varejistas varia entre 60% e 80% do setor, a depender do perfil das editoras.
Além disso, outras opções para ter acesso à leitura também surgiram. Um dos fenômenos recente foi o reaparecimento dos clubes de livros. Apesar de representar uma fatia pequena, de 2,7%, eles dispararam 174% no ano passado, segundo o Snel.
Ou seja: enquanto buscam um modelo para seu retorno, as livrarias físicas, agora, têm um pedaço do setor muito menor para chamar de seu.
Lojas menores
O perfil das livrarias no Brasil mudou de vez. Assim como ocorreu no exterior, as grandes redes viram sua influência minguar – por aqui, tanto Saraiva quanto Cultura estão em recuperação judicial. As megastores, que vendiam de tudo e tinham a intenção de ser um “ponto de destino” para o apreciador de literatura, praticamente sumiram. Com um mercado muito menor nas mãos, já que boa parte do consumo migrou para o online, a austeridade virou agora a palavra de ordem no setor.
Depois de chegar a 114 unidades, a endividada Saraiva tem hoje 40 unidades em operação – muitas delas com dificuldades para encher as prateleiras de livros. A Cultura, conhecidas pelas lojas bem decoradas, só tem cinco operações. Desta forma, o posto de maior livraria do País acabou caindo no colo da mineira Leitura.
Comendo pelas bordas, a rede do empresário Marcus Teles é forte nas regiões Norte e Nordeste. Com um crescimento na base do “devagar e sempre”, a empresa criada em 1967 está próxima da marca de cem unidades. Além dos livros, a rede tem um forte foco em papelaria – no Shopping West Plaza, em São Paulo, é o material escolar que domina a entrada, e não os livros mais recentes.
Seguindo os passos da Leitura, a Livrarias Curitiba tem hoje 25 lojas. A companhia está preparando no momento um plano físico de expansão. Entre os planos para fechar as contas está a criação de mezaninos, que garantem mais espaço de venda sem acréscimo no aluguel, conta Marcos Pedri, diretor comercial da Curitiba.
A estratégia também tem sido a de usar itens de papelaria para atrair o público. Apesar de deixar claro que seu principal negócio é vender livros, a empresa identificou que 60% dos compradores de livros entram na loja atrás de papelaria. “O cliente acaba sendo fisgado. Foi uma forma encontrada para atrair o público”, diz.
A paulistana Livraria da Vila tem conseguido crescer e acelerou o passo na pandemia. Desde o ano passado, seis lojas foram abertas, elevando o total a 15. Para o presidente da Livraria da Vila, Samuel Seibel, as inaugurações atendem a regiões que ficaram “órfãs” de livrarias, como o Shopping Eldorado, antigo reduto da Saraiva.
“Lojas grandes não são a nossa cara. Nas menores, é possível ter mais cuidado com a curadoria dos livros. E, claro, os custos são menores”, diz Seibel, dono da varejista fundada em 1985 na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo.
Para o especialista em mercado editorial Eduardo Villela, o mercado está em meio a uma transformação. “O custo operacional das megalojas inviabiliza o modelo, que vejo fadado a acabar.” Ele diz que até as livrarias que hoje seguem em pé precisarão passar por mudanças para enfrentar as gigantes Amazon, Magalu e Americanas. Aos poucos, em sua visão, as livrarias serão direcionadas a certos nichos, como literatura infantil, feminina ou LGBTQIA+.
Com informações de Estadão Conteúdo (Fernanda Guimarães e Fernando Scheller)
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