Um dos assuntos principais da recém encerrada 106a edição do Retail Big Show, promovido em Nova Iorque pela National Retail Federation, foi sem dúvida o importante papel das marcas no varejo.
No passado, as marcas eram utilizadas principalmente para sinalizar qualidade. Os slogans comprovavam a tese: ‘Knorr é melhor’; ‘Se é Bayer, é bom’; ‘Volkswagen, você conhece, você confia’. No entanto, de um tempo para cá as coisas começaram a mudar. Se no passado o sabão em pó OMO tinha como principal objetivo convencer as donas de casa de que lavava mais branco (porque tinha o ‘azul polar brilhante’), hoje OMO habita o universo do brincar, estimulando as crianças a se sujarem à vontade, que depois o sabão em pó dá um jeito nas roupas. O slogan passou a ser ‘porque se sujar faz bem’. Em outras palavras, o PROPÓSITO ganhou protagonismo, tornando-se mais importante do que o atributo funcional.
Por que isso acontece? Em um mundo onde o que não falta é alternativa para o consumidor e igualar a performance do concorrente não é tarefa das mais difíceis, as pessoas estão gradualmente preferindo marcas nas quais confiam, que admiram e com as quais se identificam. É aí que entra a questão do propósito: quanto maior for a identificação com os valores e propostas da marca, mais intensa será a conexão emocional entre quem compra e quem vende.
Não foi a toa que na NRF deste ano houve um verdadeiro desfile de propósitos, em diversas apresentações. A Cabela’s, uma loja que vende artigos de caça, pesca e camping, se propõe a ‘inspirar e reforçar os laços entre você e a vida ao ar livre’. A IKEA, rede de móveis e objetos de decoração, pretende ‘criar uma vida cotidiana melhor para muitas pessoas’. O propósito da SONOS, loja da marca de aparelhos sonoros, é ‘preencher cada casa com música’. A lista é interminável e mostra o quanto hoje propósito é um elemento decisivo para o direcionamento da estratégia das empresas varejistas.
Se o trabalho das marcas começa pelo propósito, não se limita a ele, claro. Um estudo apresentado na NRF pela Kurt Salmon mostrou quais são as três principais características que geram devoção a uma marca por parte do consumidor: eles buscam marcas autênticas, que tenham com eles uma relação pessoal e que ajudem a construir a noção de tribo. Vamos dar uma olhada mais atenta a cada uma dessas características?
- Autêntico é, por exemplo, o Eataly, fiel às suas raízes italianas e à paixão pela comida. Lá eu não consigo tomar uma Coca-Cola, por exemplo, porque este refrigerante não é uma marca italiana. Também é autêntica a REI, rede de artigos esportivos para uso outdoor, que há dois anos fecha as portas no Black Friday, fortíssima data de vendas, por acreditar que seus clientes e funcionários não devem passar o feriado na loja caçando pechinchas e sim no meio do mato, respirando ar puro. Mais coerente com o propósito, impossível.
- Pessoalidade vai bem além de usar a tecnologia para personalizar produtos. Passa principalmente por conhecer e relacionar-se com seus clientes, antecipando os seus desejos. A relação da Starbucks com seus clientes, por exemplo, é bem pessoal. Alguns baristas conhecem você pelo nome – aliás, seu nome é escrito em cada copo para que eles possam chamar você pessoalmente. Também é pessoal a relação do Instituto Beleza Natural, cuja co-fundadora, Leila Velez, esteve com a nossa delegação na NRF. Ao desenvolver produtos específicos para as mulheres com cabelos crespos e ondulados, com preços acessíveis, a BN cumpre seu propósito de ‘promover a felicidade por meio da elevação da auto-estima’.
- A construção de tribos em torno de marcas é um objetivo ambicioso mas traz resultados poderosos. A Nike ocupa hoje o lugar de uma espécie de clube de pessoas com paixões semelhantes. Mas pequenas empresas, como a Brooklin Kitchen, que vende alimentos e utensílios, e também dá aulas de culinária para pessoas que amam cozinhar, podem também tornar-se tribais. Aliás, um dos conceitos mais interessantes desta NRF foi apresentado por Kevin Kelley: o ‘efeito fogueira’. Ou seja, tornar a loja ou o shopping center um lugar onde as pessoas voluntariamente escolhem para encontrar amigos ou conhecidos. O ‘efeito fogueira’ tem tudo a ver com a construção do conceito de tribos.
Isso significa que o propósito deve materializar-se por meio de experiências autênticas, capazes de construir relacionamento e tribos.
Por fim, devo confessar que, ao final deste Retail Big Show 2017, fiquei com a sensação de que há algo realmente curioso em curso. Por que, se de um lado as marcas insistem em falar de globalização, de outro ganha força a ideia da ‘glocalização’ (mistura de conceito global com identidade local). Ao mesmo tempo em que as empresas lutam para ganhar escala, de outro o consumidor encanta-se com a customização de produtos e serviços. Quando o povo de tecnologia parece ter conseguido finalmente viabilizar robôs e implantar soluções de realidade aumentada e virtual nas lojas, os clientes passam a demandar mais relacionamento interpessoal. A luta pela lucratividade dos negócios coexiste com um estímulo do consumidor para que as marcas invistam em ações de generosidade. Em resumo, forças aparentemente antagônicas estão convergindo, orientadas por propósito.
A complexidade deste cenário vai exigir, sem dúvida, ciência e habilidade por parte do varejista. Resta pouca dúvida, no entanto, de que terão mais sucesso no futuro marcas generosas, comandadas por líderes altruístas. Quem viver, verá.