O tema foi apresentado e discutido no Retail Executive Summit (RES), no encerramento da NRF Show 2025, em NY, e diz respeito à generalizada percepção que nos cenários global e locais, com raras exceções, as incertezas à frente são a única certeza.
Parte delas é derivada do ambiente político e econômico envolvendo conflitos externos e internos em diversos países, como Ucrânia, Rússia, Israel, Sudão, Coreia do Sul, Venezuela, Alemanha, França e outros mais.
E uma boa parte delas decorre das propostas e iniciativas anunciadas na versão Trump 2.0 ao assumir neste dia 20 a maior e ainda mais influente economia do mundo. A capacidade de o presidente eleito gerar incertezas nesse novo período vem superando em muito o que fez na versão 1.0, levando a um cenário de ainda maior complexidade.
No momento não vale entrar no mérito de nenhuma delas e seus potenciais impactos, mas não pode ser desprezado seu potencial desestabilizador no plano mais global e com potenciais reflexos na nossa própria realidade no Brasil.
Como se ainda precisássemos de mais instabilidade, indefinições e preocupações para inibir ou restringir uma visão mais estratégica para o Brasil, impactado pela polarizada situação política e o compromisso inegociável de tudo pela potencial reeleição presidencial em 2026.
No plano das certezas são poucas a serem consideradas:
1 – Envelhecimento global da população e seu impacto na demanda de produtos e serviços orientados para saúde e bem-estar;
2 – Crescente preocupação com inflação em diversos mercados e ainda maior redirecionamento da demanda para soluções orientadas para valor;
3 – Aumento da participação dos dispêndios com serviços nos gastos totais das famílias nas economias mais maduras;
4 – Ampliação da desintermediação de atividades e negócios com expansão do cenário competitivo;
5 – Tecnologia, digital e Inteligência Artificial com marcante protagonismo;
6 – Crescente e maior empoderamento do omniconsumidor global;
7 – Concentração de investimentos das empresas e negócios em busca de soluções mais racionais, simples, convenientes e com menores custos;
8 – Aumento da polarização econômica global envolvendo o arco de alianças a partir da China, na Ásia, e no mundo ocidental com eventual realinhamos com epicentro nos Estados Unidos.
Outras mais, talvez menos relevantes e mais segmentadas geograficamente, poderiam ser adicionadas, mas não seriam muitas mais a serem consideradas no plano das certezas.
Predomínio das incertezas
Já no plano das incertezas a lista seria significativamente maior, mas poderiam ser destacadas algumas mais globais e outras que podem diretamente afetar mais a realidade de negócios, varejo e consumo no Brasil:
1 – Como as propaladas ações envolvendo imigração, inflação e tributação do novo governo norte-americano podem impactar negócios, exportação, consumo, varejo, preços e inflação no Brasil?
2 – Como poderá evoluir o realinhamento do Brasil com China no cenário polarizado e quais consequências isso poderá gerar nos investimentos, exportações, importações, balança comercial e atuação das empresas e marcas em ambos os mercados e na própria relação com os Estados Unidos? Sempre lembrando que a China é destacadamente o maior parceiro comercial do Brasil, com um saldo da balança quase 50 vezes maior do que com os Estados Unidos;
3 – Quais conflitos políticos entre países podem evoluir e/ou reduzir e que impactos isso poderá ter para o Brasil, considerando seu posicionamento (ou falta de posicionamento)?
4 – Como os conflitos políticos internos em algumas regiões da Europa e a redução da vitalidade econômica da região podem comprometer exportações e negócios de marcas e empresas brasileiras?
5 – Como o crescimento da importância estratégica e econômica da Ásia no cenário global ensejará revisões da atuação de empresas, marcas e negócios na e com a região?
6 – Como eventuais revisões no plano trabalhista podem comprometer os poucos avanços que tivemos nos últimos anos na área em que o país é benchmarking global no número de causas judicializadas no setor?
7 – Como o obsessivo foco nas eleições presidenciais de 2026 irá impor aumento dos gastos públicos, da carga tributária, crescimento da informalidade, aumento do peso dos programas sociais e pressionar rentabilidade e resultados dos negócios privados?
8 – Que marcas globais podem fechar suas operações físicas no Brasil, preferindo concentrar negócios apenas nos canais digitais?
9 – Como o aumento da participação dos canais digitais e das vendas diretas das indústrias e marcas irão pressionar a rentabilidade geral dos negócios de varejo e consumo?
10 – Como o atual nível de endividamento das famílias irá comprometer o consumo futuro?
11 – Como a reforma tributária, recém aprovada e que coloca o Brasil com o mais elevado índice de Imposto de Valor Agregado (IVA) do mundo, irá impactar os setores de comércio e serviços e em especial o varejo, tendo que repassar o aumento da carga para o preço dos produtos?
12 – Como oferecer melhores, mais simples, racionais e envolventes serviços nas lojas através da combinação de pessoas, design, arquitetura, experiências e tecnologia com os desafios de atrair e reter gente melhor e mais qualificada para o varejo?
13 – Como integrar entidades, fornecedores, marcas, prestadores de serviços e varejistas para atuarem de forma mais homogênea e visionária em busca de soluções estruturais de curto, médio e longo prazo?
Para refletir
A dimensão das incertezas, como é perceptível, supera em escala e número as poucas certezas, mas o suficiente para ensejar um necessário repensar estratégico em todas as categorias de produtos, canais, formatos, modelos de organização e de negócios nos setores de varejo, comércio, distribuição e consumo.
Depois de uma imersão ampla na realidade do varejo norte-americano com provocações também precipitadas pelo repensar na Ásia e China, fica o desafio de rever cenários, ameaças e oportunidades num obrigatório e inclusivo exercício estratégico.
Vale a reflexão e o convite para isso.
E se quiser complementar também com suas percepções, fica o convite. Sejam certezas ou incertezas.
Notas
1 – De 8 a 15 de janeiro de 2025 estivemos em nossa 36ª missão da NRF’ Big Show e os aprendizados sobre tudo aquilo que foi visto e discutido nessa missão, traduzidos, aprofundados e comparados com a realidade brasileira, poderão ser vistos e acompanhados no Retail Trends – Pós NRF, no dia 28 de janeiro de 2025 em São Paulo, nas versões presencial e virtual. E pela cobertura especial que será feita pela plataforma Mercado & Consumo. Conheça mais por aqui.
2 – Em março estaremos na China em Missão Técnica 360 que culminará com a realização do primeiro Asia-Latam Retail Show, em Shangai, no dia 28 daquele mês, em correalização com a Associação Chinesa de Varejo e Franquias;
3 – E em maio/junho em Missão Técnica envolvendo Coreia do Sul e Singapura.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock