É um caminho sem volta: transparência, impacto social e propósito serão, daqui para frente, fatores indispensáveis a qualquer organização que queira sobreviver a jovens que enxergam consumo, trabalho, filantropia e investimento como parte determinante de quem são e de como se posicionam
No início dos anos 90, a marca Victoria’s Secret era sinônimo de sucesso no mercado de beleza norte-americano. Mais do que ostentar lojas colossais e produtos desejados por mulheres do mundo todo, a rede de lingeries e cosméticos ditava o significado da beleza e da sensualidade feminina.
Mais de três décadas depois, a marca enfrentou a maior crise de sua história: queda no faturamento, lojas fechando, crises com investidores. Entre muitos elementos que explicam a derrocada, um deles é categórico: a Victoria’s Secret não soube olhar o novo consumidor. Existe hoje uma nova geração, com outros ideais sobre a beleza feminina, que valoriza a mulher real e seus atributos naturais, e, acima disso, demanda diversidade e representatividade, sem ideais inatingíveis. Hoje, manter-se distante dessa conversa é sinônimo de fracasso em qualquer estratégia de marketing.
Além disso, ser um negócio que coloca o impacto social como prioridade se tornou qualidade fundamental, também, para dialogar com essa nova geração, que não tem tempo ou paciência para meias verdades, e que entende seu consumo, sua força de trabalho, seus investimentos e seu potencial empreendedor como forma de ativismo. São esses jovens que estão redefinindo como pessoas se relacionam, marcas trabalham e se posicionam e como grandes redes de consumo se organizam.
Chamamos normalmente de nova geração os millennials (indivíduos nascidos a partir dos anos 1980) e a geração Z (nascidos a partir da metade dos anos 1990). São pessoas que cresceram em um mundo digital, com informação ao alcance de um clique, smartphones e internet de alta velocidade. Conectados, têm acesso a informação em tempo real de maneira fácil e intuitiva. Empoderados, interagem com pessoas e marcas nas redes sociais com naturalidade. Acima de tudo, tomam atitudes a partir dos ideais que carregam, transportando seus valores e crenças para a prática – afinal, têm voz ativa, abundância de ferramentas ao próprio dispor e, acima de tudo, sabem do poder que são capazes de emanar quando se unem em torno de grandes movimentos coletivos.
A pesquisa “Geração Z: o poder da disrupção”, realizada pelo grupo norte-americano ViacomCBS em 2020, reforça essa visão: 73% dos entrevistados consideram que a nova geração tem mais capacidade de transformar o mundo do que as gerações anteriores. De acordo com a mesma pesquisa, a geração Z desconfia das velhas instituições, reconhece o poder de sua voz e descentraliza suas ações, o que já é visível em movimentos diversos em torno de temas sociais. Diversas bandeiras são levantadas ao mesmo tempo, ao contrário do que acontecia décadas atrás, quando poucas grandes campanhas ganhavam o holofote – quem não sem lembra de Michael Jackson e dezenas de grandes artistas nos anos 1980 entoando o hino We Are The World?
Hoje, o caminho trilhado é outro: jovens buscam nichos onde possam projetar suas vozes. Iniciativas como #MeToo e #BlackLivesMatter, por exemplo, ganharam enorme protagonismo nos últimos anos.
Os nascidos entre 1997 e hoje representam cerca de um terço da população do Planeta. Contestando paradigmas, esses serão em breve os grandes consumidores mundiais, o que introduz uma nova pressão sobre as marcas: responsabilidade social, hoje, é obrigação. Empresas devem reconhecer seus papéis de transformadoras da realidade – e precisam fazer isso em nome da própria sobrevivência frente a um consumidor cada vez mais propenso a fiscalizá-las.
Os comportamentos dessa geração já ditam novos movimentos do consumo. São muitas as pesquisas que mostram as alterações de comportamento da geração Z em relação a quem veio antes dela. Além disso, o perfil ativista de quem tem menos de 30 anos hoje já exige muito mais das marcas, que agora precisam olhar com cuidado para toda a cadeia de valor. Não é suficiente dar atenção só a acionistas e investidores, como pregava o velho capitalismo. Agora, é fundamental acompanhar de perto o trabalho de todas as partes envolvidas, com atenção especial a fornecedores e funcionários – já que a mesma geração que consome com mais consciência quer trabalhar em lugares que mostrem transparência e idoneidade também.
Quando se fala da chegada dessa nova geração ao mercado de trabalho, então, uma palavra se destaca: propósito. Mais do que bons salários, status ou benefícios, é cada vez mais comum a identificação com o negócio, seus objetivos e sua forma de lidar com o público como fator decisivo para a retenção de talentos. O jovem não quer apenas trabalhar: quer mudar o mundo – e vê a empresa onde trabalha como ferramenta para isso. A fronteira entre vida pessoal e profissional é cada vez mais estreita, o que transforma o emprego em parte fundamental de quem esse jovem é. É mais do que cumprir uma função de sobrevivência: o trabalho passa a representar crenças, desejos e sonhos (que o diga o movimento da Great Resignation nos EUA, onde milhões de pessoas pediram demissão sem outro trabalho engatilhado por não enxergarem seus propósitos em seus empregos).
Quando o tema é filantropia, os dados também são reveladores. A pesquisa “Future of Giving 2020”, realizada pela agência americana Sparks&Honey, aponta que 73% da geração Z afirma que ser politicamente ou socialmente engajado é muito importante para a sua própria identidade. Doar, assim, passa a ser motivo de orgulho: se os baby boomers (nascidos entre 1944 e 1964) se mostravam avessos a falar sobre o tema, a nova geração se orgulha de ter essa conversa. Causas se tornam uma bandeira a ser ostentada, e moldam como cada indivíduo se mostra para o mundo e compõe sua marca pessoal.
Até 2030, a economia mundial testemunhará a maior transferência de riqueza entre gerações da história. Previsões indicam que millennials receberão mais de US$ 68 trilhões de seus pais e avós, ampliando em mais de cinco vezes suas riquezas. Dá pra imaginar o tamanho da responsabilidade, né?
E o que podemos aprender com eles?
Usando a própria voz para defender o progresso coletivo em uma realidade que ainda exibe um abismo dramático entre o privilégio de poucos e a escassez de tantos, a nova geração tem nas mãos o potencial de transformar o mundo de forma positiva desde já – especialmente porque enxerga isso como seu dever.
Para colocar essas transformações em prática, intenção e ação devem caminhar juntas. Matthew Bishop, jornalista autor do livro “Philanthrocapitalism: How Giving Can Save the World”, ressalta: organizações que não caminharem de acordo com suas falas – o famoso walk the talk – não serão escolhidas pela nova geração nem como forma de consumo e nem como opção para exercer sua força de trabalho. Essas estarão fadadas a fracassos pungentes, como o que ocorreu com a Victoria’s Secret. Já quem trilha o caminho do impacto verá que o walk the talk é a única escolha possível não só para a sobrevivência, mas também a escolha certa para a prosperidade.
A oportunidade está escancarada: se acreditamos que empresas, organizações sociais, governos e indivíduos podem se aliar para transformar o mundo, é certo que a poderosa voz dos jovens é uma bússola valiosa para chegarmos aonde queremos.
Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são co-CEOs do Grupo MOL, Ecossistema de Negócios sociais que promovem a cultura de doação.
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