Ascensão e queda dos marketplaces em shopping centers

O CJ Fashion, plataforma de vendas online da JHSF, dona do sofisticado Shopping Cidade Jardim (SP), mudou de estratégia no mês passado. Na prática, deixou de ser um marketplace digital, onde os próprios clientes podiam fazer compras e receber os produtos em casa, e tornou-se uma ponte entre consumidores e marcas selecionadas.

O jornalista Bruno Astuto, chefe criativo da JHSF, é parte essencial dessa mudança de rota, que pretende explorar conteúdo editorial de primeira e a curadoria de um time de dez personal shoppers (compradores pessoais).

“Nossa estratégia é trazer para o digital a experiência única dos nossos shoppings e entregar, numa revista virtual diária, o que há de mais exclusivo em marcas como Dior, Hermès, Valentino, Balmain, Aquazzura, entre outras que fazem parte do nosso portifólio”, explica Astuto.

Em outras palavras, agora a cliente acessa o portal, atraída pelo conteúdo. Se tiver interesse em algum produto, aciona o atendimento personalizado, que intermediará a transação junto à loja.

A JHSF poderia manter o marketplace aliado à venda assistida, mas preferiu desativar o modo “clique e compre’” Por quê? “Esta decisão foi tomada depois que percebemos que mais de 70% de nossas compras eram finalizadas através do canal de private shoppers. Entendemos que a cliente que consome no CJ Fashion quer algo mais do que apenas fazer uma compra. Ela quer uma experiência personalizada de curadoria e de atendimento”, contou Augusto Martins, CEO da JHSF Capital.

O recuo no investimento em plataformas de vendas digitais não é um movimento isolado da JHSF. Um dos projetos pioneiros em shoppings, o On Stores, da então CCP (hoje SYN), foi descontinuado. Outras redes importantes e shoppings independentes também interromperam ou redimensionaram suas estratégias de atuação no universo digital.

Antes da pandemia vários shopping centers planejavam desenvolver marketplaces, para atender os clientes quando, onde e como eles quisessem. Durante o terrível ano de 2020, até por uma questão de necessidade, mais empresas abraçaram a ideia de ter seu próprio canal de vendas online. Porém, aos poucos, a festa foi esvaziando e hoje restam poucos no salão. Afinal, o que aconteceu?

Especialistas que viveram de perto o processo concordam que alguns motivos foram determinantes para a ascensão e queda dos marketplaces em shopping centers. Em primeiro lugar, houve uma concentração acelerada de mercado, criando fortalezas quase inexpugnáveis. O povo percebeu dificuldades e riscos de competir com gigantes como iFood, Mercado Livre, Magalu. Ao mesmo tempo, o cenário econômico tornou mais perigoso tomar dinheiro para financiar operações devoradoras de caixa.

Para fechar, a força dos centros comerciais sempre esteve no varejo físico, algo muito distinto do dia a dia do e-commerce, um negócio que os shoppings não conheciam nem dominavam. “Era como assistir a um alemão sambando”, brincou um experiente executivo do setor com o qual conversei recentemente.

Mas enganam-se os que imaginam que os shopping centers desistiram de atuar no comércio digital. Eles apenas revisaram o plano. Em vez de gastarem os tubos na criação de um canal de vendas próprio, estão simplesmente plugando os lojistas em plataformas estabelecidas, por meio de parcerias estratégicas. Como consequência, hoje é possível comprar pelo iFood itens como camisa polo e meia-calça, fornecidas por lojas de shoppings.

Os assistentes de compra virtuais e a venda por WhatsApp também têm se revelado valiosos aliados dos lojistas nas vendas remotas. E o live commerce, embora ainda não tenha emplacado com força no País, segue na agenda de diversos centros comerciais.

Em resumo, o desafio hoje é garantir que os lojistas vendam mais, em todos os canais. Porém, com foco concentrado no mall. Essa é, por exemplo, a filosofia da Multiplan. “A venda online não é core business dos shoppings, nisso o mercado já está se resolvendo. Trabalhamos para gerar resultados para os lojistas aumentando fluxo e conversão no shopping”, afirma Richard Svartman, diretor de Estratégia Digital da Multiplan.

Para que isso possa acontecer, programas de CRM estão no topo da agenda do setor. Na Multiplan, a ordem do dia é enriquecer a base de clientes com informações que permitam gerar cupons de desconto e ofertas relevantes para os consumidores.

Segundo Svartman, 36% das vendas dos lojistas, realizadas entre Black Friday e Natal, foram computadas pelo programa. A penetração do pagamento de estacionamento por meio do aplicativo Multi está próxima de 20%.

Falando em estacionamento, a novidade nos shoppings do trevo verde é o serviço de cadastramento de veículos para entrada sem uso de cancela. Os usuários registram a placa do automóvel e o cartão de crédito no Multi. A partir daí, podem entrar e sair por um acesso exclusivo, sem passar no caixa – o valor da estadia é automaticamente debitado no cartão.

“Já existem 30 mil clientes cadastrados no serviço de “portas abertas”, que está funcionando em quase todos os shoppings da companhia, mesmo sem grandes campanhas de divulgação”, comemora Svartman. Com base nos dados de perfil, frequência e gastos dos clientes, a Multiplan ganha conhecimento e gera vendas para seus lojistas. Esteja o cliente em casa, no trabalho ou no mall.

Esse parece ser o novo mantra: conhecer os clientes, estimular fluxo qualificado e identificado e gerar oportunidades de negócios para lojistas e anunciantes, no shopping ou fora dele. Para fazer isso acontecer, vale fazer parceria com plataformas online, empresas de logística e estabelecer pontes entre compradores e vendedores da melhor maneira, de acordo com o perfil dos clientes.

É o tal negócio. O concorrente de ontem virou o parceiro de hoje. E o amanhã? Esse a gente ainda está inventando.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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