No meu artigo anterior, detalhei sobre o lado oculto do desemprego e demostrei como o patamar atual de desocupação no Brasil não é de 14,3% como reportado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas sim de 20,1% (dados atualizados). Você pode acessar o artigo aqui.
Com o desemprego em patamar tão elevado, é esperado que tenhamos também um forte impacto na renda e é exatamente isso o que os indicadores oficiais estão apontando.
Forte impacto na renda
O principal indicador que mede renda no Brasil é a massa salarial, aferida pela pesquisa PNAD-Contínua do IBGE. Por ser calculada de forma diferente do emprego, ela não sofre dos mesmos problemas de desvios do indicador de emprego como mencionamos no artigo anterior. As famílias que perderam renda não são excluídas do indicador por não estarem procurando emprego.
A massa salarial é a soma do salário e rendimentos de todos os brasileiros em todos os tipos de ocupação (trabalhadores formais, funcionários públicos, autônomos e informais) e mede a quantidade de dinheiro que os brasileiros têm para gastar todos os meses. Além disso, os dados de massa salarial são deflacionados. Assim, os valores são ajustados para anular o efeito da inflação e, portanto, podemos comparar os dados mais recentes com sua série histórica.
Como demonstrado no gráfico abaixo, a massa salarial no Brasil caiu 9%, de R$ 219,8 bilhões em 2019 para R$ 199,4 bilhões em 2020 no mesmo trimestre comparável, menor patamar desde que a pesquisa PNAD foi implementada no Brasil.
Rendimento médio
Outro aspecto importante relevado pelo mesmo indicador é que o rendimento médio familiar (quanto uma família brasileira ganha em média por mês) saltou de R$ 2.311 em 2019 para R$ 2.457 em 2020, um crescimento de 6,3% em termos reais, já descontada a inflação.
Em um cenário de normalidade, o crescimento do rendimento médio seria uma ótima notícia, sinal de que o poder de consumo das famílias brasileiras está crescendo. Entretanto, no caso dessa crise o cenário é diferente, pois o rendimento médio subiu por que as famílias mais pobres são aquelas que estão perdendo o emprego e renda, enquanto que as famílias mais ricas estão de alguma maneira conseguindo manter ou perder menos. Assim, o crescimento do rendimento médio nos mostra que a desigualdade no Brasil cresceu fortemente durante a Covid-19.
Outro fator importante é que a inflação de alimentos está em patamar elevadíssimo, com crescimento de 18,15% no acumulado de janeiro a dezembro de 2020. Essa é uma das principais linhas de despesa das famílias mais pobres, chegando a ser 20% a 30% do orçamento familiar delas, enquanto que, para as famílias mais ricas, esse patamar fica na casa dos 5% a 10%.
Auxílio emergencial
Com uma queda tão expressiva da massa salarial, o conturbado auxílio emergencial aprovado pelo governo foi fundamental para mantermos o consumo no Brasil e para proteger as famílias mais pobres. Entre abril e agosto de 2020, foram aproximadamente R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões injetados mensalmente na massa salarial e, entre setembro e dezembro, algo como R$ 10 bilhões a 15 bilhões mensalmente.
Dessa forma, a queda na massa salarial na ordem de R$ 30 bilhões no ápice da pandemia foi praticamente anulada por esse programa do governo e essa compensação foi o ponto central para a recuperação do consumo no Brasil e sua potencial postergação poderia acelerar esse ritmo.
Notem que não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre o auxílio. Apesar de suas muitas falhas, ele foi importantíssimo, porém sabemos também que o forte aumento do gasto do governo será cobrando mais cedo ou mais tarde.
Impacto no consumo
O dados do ICVA da Cielo (Índice Cielo do Varejo Ampliado) apontaram uma importante recuperação no consumo desde o pior momento da crise, em abril de 2020, saindo de uma queda de 36,5% em para uma queda de 10% em dezembro. Vale lembrar que essa é a média de mercado, sendo que alguns segmentos estão crescendo e se beneficiando desse momento, como alimentos dentro do lar, materiais de construção e farmácias, enquanto que outros segmentos seguem com perdas expressivas, como todo o setor de serviços, vestuário e calçados, entre outros.
Notem na curva abaixo o impacto da redução do auxílio emergencial – que era de R$ 600 mensais de abril a agosto e caiu para R$ 300 de setembro a dezembro -, mostrando claramente uma mudança na inclinação do ritmo de recuperação do consumo.
O pior já passou
Não há dúvidas de que a retirada do auxílio emergencial terá impactos relevantes para a retomada em 2021, entretanto os dados de desempenho da economia, das projeções de crescimento do PIB (estimado para 3,5% em 2021) e principalmente de emprego começam a apresentar uma importante recuperação. Destaque para os dados do emprego ajustado, como mostramos no início desse artigo, o principal fator que contribui e contribuirá para a recuperação da massa salarial dos brasileiros e para a recuperação do consumo e do varejo. Vamos em frente!
Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem
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