As medidas de restrição de circulação adotadas pelo governo de São Paulo ao longo de 2020 modificaram completamente a sazonalidade do comércio paulista, que antes era determinada principalmente por datas especiais. Essa é a conclusão de um levantamento feito pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) com base na média de variações sazonais entre 2015 e 2019 e o desempenho das vendas do setor no ano passado.
Até o fim do primeiro ciclo analisado (2015-2019), o mês de dezembro era o mais relevante para os comerciantes do Estado: tratava-se de um momento em que vendiam, em média, 15,1% a mais do que em novembro – que, por sua vez, já era um mês aquecido, com alta média de 4,4%.
O último trimestre era o período esperado pelo setor, considerando que em outubro ele aumentava suas transações em 5,2%. Isso se explica, como se sabe, pelas compras que se iniciam no feriado de outubro, se estendem pela Black Friday e desembocam nos presentes de fim de ano, cuja demanda faz as ruas e centros comerciais de todo o Estado ficarem lotadas.
Depois do mês dezembro, porém, a tônica da variação do comércio era de crescimento significativo em março (9,9%) em relação ao desempenho de fevereiro – resultado da tendência de desaquecimento do setor no mês do Carnaval (média de queda de 6,3% nas vendas).
Mudança completa de estrutura
Olhando para as variações de 2020, a estrutura muda completamente, e o que se vê é que os meses que registraram melhores resultados foram aqueles em que o comércio reabriu suas portas depois de períodos inteiros sem funcionar. A variação mais positiva do ano passado se deu em maio (alta de 15,4%) que era a retomada do setor após uma retração expressiva de 24,4% em abril.
O segundo melhor desempenho dos comerciantes ocorreu em junho (13,4%), suprindo uma demanda reprimida depois de um período em que muitos segmentos do comércio interromperam momentaneamente as atividades dentro das exigências do Plano São Paulo, do governo estadual. Só então aparece, em terceiro lugar, o mês de dezembro, com expansão de 11,3% nas vendas.
Esses impactos das medidas de contenção da pandemia, porém, não significam que meses com maio e junho se tornaram mais rentáveis em 2020 do que no período anterior. A participação de cada mês na composição dos resultados anuais do comércio que passou por uma reestruturação.
No ciclo entre 2015 e 2019, dezembro (10,3%), novembro (8,9%) e outubro (8,5%) ocupavam o topo da tabela – representando, juntos, em média 27,7% das vendas do setor do ano. Essa estrutura se manteve em 2020, com alta de 10,7% nas vendas de dezembro, 9,6% nas de novembro e 9,4% nas de outubro (correspondendo a 29,7% do desempenho do ano).
As semelhanças, porém, acabam aí: até 2019, o mês de maio era o mais aquecido do primeiro semestre, quando o Dia das Mães fazia o comércio crescer, em média, 8,2%. Em 2020, porém, esse lugar foi suplantado por setembro (crescimento de 8,7%). Enquanto isso, maio de 2020 se tornou o segundo pior mês do comércio paulista, como se vê na tabela acima – atrás apenas de fevereiro que, já no ciclo anterior, era o mês mais fraco.
Para a FecomercioSP, essa reestruturação sazonal foi consequência dos distintos momentos de permissões de abertura e de mudanças nos horários de funcionamento das lojas e dos centros comerciais ao longo de 2020. Não à toa, o desempenho do último trimestre se manteve estável: foi o momento de maior flexibilização das regras contra a covid-19 adotadas no ano passado.
É relevante observar, ainda neste sentido, que o segundo semestre de 2020 foi muito melhor do que o primeiro para os comerciantes de São Paulo: o período correspondeu a mais da metade (56%) de todo o faturamento do setor no ano, o que significa uma diferença de R$ 20 bilhões na comparação com os seis primeiros meses – quando houve mais restrições do governo.
Segmentos mais afetados
Como já apresentado em outras pesquisas da federação, os segmentos mais negativamente afetados pelos impactos da pandemia foram as lojas de roupas e calçados e as concessionárias de veículos. As primeiras perderam 24% de espaço na composição do faturamento do varejo como um todo, enquanto as segundas diminuíram sua fatia em 20,3%.
No caso das lojas de roupas, o resultado está diretamente ligado à reestruturação sazonal: em datas importantes para elas, como o Dia das Mães e o Dia dos Namorados, elas estavam de portas fechadas. Para o caixa, a perda foi de R$ 8,3 bilhões entre a média do primeiro ciclo (2015-2019) e o desempenho de 2020.
Isso se vê melhor na reestruturação sazonal deste segmento: até 2019, o mês com mais vendas era dezembro, nas compras de Natal, quando subiam 60%. Depois vinha o mês das mães – maio -, com alta de 15,8%. No ano passado, porém, junho foi o mais aquecido, com um crescimento de 93,2%. Foi justamente depois de um período sem poder funcionar.
Já entre as concessionárias, a mudança foi total. Com uma perda de R$ 8,5 bilhões no faturamento na comparação entre 2015-2019 e 2020, a sazonalidade do segmento foi completamente diferente no ano passado: outrora o melhor mês, com crescimento médio de 19,6% nas vendas, março de 2020 ficou na penúltima posição, com queda de 20,7%. O período mais aquecido foi maio (65,8%), que, na verdade, deu conta da retração de 59,1% de abril.
Segmentos mais beneficiados
As mudanças estruturais na sazonalidade do comércio favoreceram, por outro lado, as lojas de materiais de construção e de decoração. No primeiro caso, a fatia na composição do comércio como um todo cresceu 20% na comparação entre o ciclo de 2015-2019 e 2020, significando, em números absolutos, um aumento de R$ 17,6 bilhões em faturamento. Já as lojas de móveis e decoração ampliaram sua participação em 13,5% entre os dois períodos, elevando suas receitas em R$ 2,9 bilhões.
Neste caso, o desempenho está mais atrelado ao auxílio emergencial, utilizado por muitas famílias ao longo do ano. Se até 2019, apenas um mês registrava crescimento nas vendas até 9% (outubro), em 2020 esse resultado foi alcançado em seis meses diferentes.
Esses segmentos foram os mais beneficiados, na leitura da federação, porque, na quarentena, os consumidores realocaram gastos com atividades não essenciais, como turismo e lazer, para reformas domésticas ou readequação do lar às exigências do isolamento.
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