A expressão popular é usada em algumas regiões do Brasil e exprime a situação quando o inábil ferreiro – que ferra cavalos – acerta uma vez no cravo para fixar a ferradura no casco, e outra na ferradura, desperdiçando esforço.
E o tema diz respeito a dois movimentos que acontecem neste momento no Brasil, quase concomitantes, um acertando o cravo e o outro a ferradura.
No cravo a nova regulamentação do trabalho híbrido, orquestrada pelo Ministério do Trabalho e Previdência, com a iniciativa de modernizar e atualizar as relações de trabalho com o avanço irreversível das novas modalidades de contratação de serviços profissionais.
Na ferradura a forma desassombrada como mais uma vez se discute inadmissíveis privilégios para algumas categorias de funcionalismo público com a expansão dos quinquênios, sexta-partes e licenças-prêmios, benefícios que privilegiam com adicionais de salários, gratificações e períodos de afastamento remunerado algumas poucas categorias de servidores públicos.
Essas propostas afrontam a realidade vivida por mais de 12 milhões de desempregados e a esmagadora maioria da população que não consegue ter renda corrigida pela crescente inflação e vive um processo de empobrecimento real.
Enquanto parte da casta dos funcionários públicos soma mais e mais benefícios e vantagens.
Assim acontece no Brasil atual, com o acerto na modernização das relações do trabalho e com o enorme equívoco que se desenha, beneficiando ainda mais parte do funcionalismo e dos empregados do setor público.
São diferentes Brasis no mesmo território nos planos econômicos, culturais, sociais, de acesso à informação, no digital, nos usos e costumes regionais, e muitos outros.
Mas existem dois Brasis particularmente quase antagônicos. O Brasil público e o Brasil privado.
No Brasil privado receitas, renda e sustento devem ser buscados pelo esforço empresarial, profissional ou através de micro empreendedorismo individual, sujeito a taxações e impostos que não têm base de cálculo corrigida e permitem crescente aumento da base tributável.
E esse e outros artifícios permitem que cresça a arrecadação tributária, alcançando recordes históricos, mesmo com o país com desempenho medíocre da economia e os mais os milhões de desempregados ou sub-empregados.
O artifício é claro: taxa-se cada vez mais dos que pagam que cada vez são cada vez menos pois muitos não suportam a carga e migram para a informalidade.
Como resultado o país é cada vez menos competitivo globalmente, sua economia cada vez menos favorável à expansão e crescimento e perde posições seguidas nas escalas econômicas e sociais.
E apesar dos muitos recursos e condições para ser mais competitivo, economicamente mais desenvolvido e socialmente mais justo.
Mas existe um outro Brasil apaniguado e beneficiado pelas regras que são propostas e criadas por quem delas se beneficiará: o Brasil do setor público.
Como toda generalização na sua essência é muito perigosa, é preciso segmentar o setor público para não ser injusto com milhões de funcionários públicos que recebem baixos salários e com parcos benefícios em todo o país.
Juntos com esses milhões com baixos salários nas esferas federal, estadual e municipal, e nas instâncias do Executivo, Judiciário e Legislativo, existem as castas mais favorecidas que legislam em seu próprio interesse incorporando benefícios e vantagens que agridem a realidade de um país empobrecido pela sucessão de governos limitados e pobres em sua capacidade de potencializar os recursos disponíveis e criar acesso e bem-estar para todos.
Quando não flagrantemente corruptos como no passado recente e que teima em querer voltar.
O Brasil privado formal precisa se posicionar de forma decisiva e corajosa pois caso contrário continuará a pagar a conta de uma festa para o qual não foi e não será convidado e apenas acessível para poucos que querem cada vez mais.
E o momento é particularmente decisivo sob pena de continuarmos a ter mais do mesmo, já demonstrado ao que nos levou, se considerarmos o pífio desempenho econômico e social dos últimos anos, independente do drama gerado pela pandemia.
Ou o Brasil privado formal se organiza e faz valer sua força política e econômica ou aceita, submisso, o desígnio que está contratado para as próximas eleições.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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