O Brasil de dimensões continentais tem grandes proporções de desafios e oportunidades quando se trata de canais de distribuição. Dos seus 5570 municípios, mais de 80% são compostos por cidades com menos de 50 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE. Por essa característica sui generis do nosso país, as lojas multimarcas têm um papel importante como meio estratégico de distribuição no varejo de moda, conectando marcas e consumidores de maneira única.
Proximidade e personalização
Para as marcas, esse canal é um meio para ter presença física onde o seu cliente está, com baixo custo de operação. Exemplo disso é o impressionante número da mais recente notícia de fusão do mercado da moda dos grupos Arezzo e Soma, que juntas totalizam um montante de 21500 revendedores multimarcas, quase quatro vezes mais que o número de cidades do país.
Uma das principais características do varejo de moda no Brasil é a sua diversidade. Com um mercado vasto e heterogêneo, que abrange desde marcas de luxo internacionais até pequenos designers locais, os consumidores brasileiros têm acesso a uma ampla gama de opções.
O canal multimarcas se destaca por sua capacidade de oferecer uma experiência de compra personalizada e próxima ao cliente. Ao contrário das grandes redes varejistas, que muitas vezes têm uma abordagem mais padronizada, o varejo local tem a flexibilidade de adaptar a oferta de produtos e serviços de acordo com as demandas locais e as preferências dos consumidores. Isso permite uma curadoria e interação mais próxima entre vendedor e cliente, criando um ambiente acolhedor e diferenciado.
No contexto atual de meta concorrência, a disputa não é necessariamente entre canais, mas sobre quem tem mais relacionamento com o cliente. Nesse quesito ganha vantagem o lojista local, que tem conhecimento, relacionamento e influência direta com a comunidade em que se encontra.
Desafios para os varejistas multimarcas
Apesar das suas vantagens, o canal multimarcas também enfrenta alguns desafios, especialmente no contexto atual de transformação digital e mudanças nos hábitos de consumo.
A venda online que já vinha crescendo gradativamente foi acelerada pela pandemia. Os hábitos de consumo mudaram e o digital tem um impacto muito grande na decisão de compra. O estudo “Sentimentos e hábitos do consumidor” da McKinsey, publicado em 2023, reforça que a jornada será cada vez mais fígital, integrando os ambientes físicos e virtuais. Na categoria vestuário, 28% dos consumidores declaram comprar exclusivamente na loja física e 51% declaram ter um comportamento omnicanal. Ou seja, mais da metade vai navegar entre o online e o offline buscando o melhor que pode obter, seja na variedade, produto, marca, preço ou experiência.
A loja física ainda tem um papel muito relevante na jornada de compra, mas é preciso ressignificar o seu papel.
Para se manterem relevantes, as lojas multimarcas precisam investir em tecnologia e inovação, oferecendo experiências que potencializem a relação construída pelas marcas com os consumidores.
É preciso evoluir para navegar no cenário que será cada vez mais competitivo e sem fronteiras. Digitalizar, ter cultura de dados para conhecer e se relacionar melhor com o seu cliente e melhorar a eficiência da operação.
Buscar novas oportunidades, não só oferecendo outros produtos e serviços que complementem a experiência do cliente, mas também buscar novas formas de receita como o retail media, por exemplo.
Um ponto de venda transacional, que serve somente para vender e entregar produtos, está com os dias contados no contexto atual de varejo.
Em suma, o canal multimarcas desempenha um papel fundamental no varejo de moda brasileiro, oferecendo diversidade, proximidade e inovação aos consumidores. Como meio estratégico de distribuição, as lojas multimarcas têm o potencial de impulsionar o crescimento do setor e conectar marcas e consumidores de maneira eficiente.
Desafios para as marcas
Para aqueles que desejam desenvolver ou aumentar sua participação no canal multimarcas, existem diversos desafios a serem superados:
Posicionamento e diferenciação:
Em um ambiente onde várias marcas competem pelo mesmo espaço, é essencial que as marcas desenvolvam um posicionamento claro e uma proposta de valor diferenciada para se destacarem entre os concorrentes. Isso envolve por exemplo oferecer políticas comerciais adequadas que permitam uma relação ganha-ganha.
Exposição da marca no ponto de venda:
Conseguir espaço e destaque nas lojas multimarcas pode ser um desafio, especialmente para marcas menores ou menos conhecidas. Negociar termos favoráveis de exposição e visibilidade é fundamental para garantir que os produtos recebam a devida atenção dos consumidores. A exemplo de outros setores como o de bens de consumo, onde a indústria atua diretamente no trade do varejista para garantir sua participação de mercado, o varejo de moda tem muito a evoluir.
Gestão de preços e margens:
Encontrar o equilíbrio certo entre preço e margem é crucial para garantir a rentabilidade das vendas no canal multimarcas, ao mesmo tempo que se mantém competitivo. Garantir que o consumidor tenha a mesma política de preços sem conflito de canal também faz parte dessa estratégia.
Suporte pós-venda e consistência:
As marcas precisam garantir que a qualidade e a consistência de seus produtos sejam mantidas em todas as lojas, a fim de preservar sua reputação e fidelizar os clientes. É essencial garantir um atendimento pós-venda para suporte ao lojista em questões de devoluções, suporte financeiro e demais assuntos.
Comunicação e treinamento:
Fornecer suporte e treinamento adequados para os vendedores das lojas é importante para garantir que estes estejam bem-informados sobre os produtos e capacitados para oferecer um atendimento de qualidade aos consumidores.
Monitoramento e avaliação de desempenho:
As marcas precisam monitorar de perto o desempenho de suas vendas no canal multimarcas, avaliando indicadores como sell-out, giro de estoque e satisfação do cliente, a fim de identificar oportunidades de melhoria e ajustar suas estratégias conforme necessário. Esse talvez seja o maior desafio, visto que os dados não são integrados e existem grandes barreiras no compartilhamento de informações entre varejista e marca.
Ao investir tempo e recursos nessas áreas-chave, as marcas podem aumentar sua participação e sucesso no canal multimarcas, alcançando um público mais amplo e diversificado de consumidores.
Ter uma atuação omnichannel é pensar na experiência que o cliente terá com a sua marca em todos os pontos de contato, e ela deve estar alinhada com o seu posicionamento e ser o mais fluida possível. Quando a estratégia da marca tem o consumidor no centro das decisões, os canais são apenas o meio para proporcionar o melhor serviço e experiência ao cliente.
Superar esses desafios requer um planejamento cuidadoso, uma execução consistente e uma parceria colaborativa entre as marcas e os varejistas.
As marcas têm um papel importante para criar vínculos verdadeiros com seus fãs e clientes, e os varejistas são essenciais para executar a estratégia com eficiência.
Onde há desafios, há também oportunidades para aqueles que buscam fazer mais e melhor, sempre!
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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