Neste ano, a sede dos Jogos Olímpicos foi a capital mundial da moda. Portanto, é quase impossível não ter sido impactado por esse tema nos últimos meses. Desde as criações assinadas dos uniformes (e a polêmica da proposta brasileira), passando pelo show de abertura e as várias ativações de marcas com os atleta, as Olimpíadas foram um grande palco para colaborações, em que o desempenho atlético encontrou o design de moda.
A grande exposição gerada pelo evento levou as marcas a investirem grandes cifras, como a Nike, que patrocinou 64 atletas, e a Adidas, que desembolsou 2,5 bilhões de euros em marketing, apostando no destaque para a marca e em novas tecnologias.
Porém, o cenário de concorrência entre as marcas esportivas é cada vez mais acirrado.
Novos entrantes, como a On e a Hoka, estão conquistando um importante share frente aos gigantes, e começam a incomodar.
A Cariuma, fundada por brasileiros, com forte propósito sustentável, é outro exemplo de marca nova que vem ganhando adeptos, incluindo celebridades em todo o mundo. Com participação que ganhou destaque nas Olimpíadas de Tóquio, agora reforçou seu posicionamento com atletas do skate da Holanda, Eslováquia e Portugal. A cada par de tênis vendido, a marca planta 2 árvores em programas consistentes de reflorestamento no Brasil. E, aos poucos, seja por ideologia, propósito ou por atributos de inovação, os consumidores começam a migrar para novas marcas que geram conexão e despertam curiosidade.
A prova de resistência da Nike
A Nike continua sendo o maior player no mercado de calçados esportivos, mas enfrentou desafios significativos em 2023. No último trimestre fiscal, sua receita foi de aproximadamente US$12,85 bilhões, com crescimento anual de apenas 0,2%. Isso representa o menor crescimento em dois anos.
A marca também viu uma queda em sua participação de mercado em vários segmentos, como na varejista Dick’s Sporting Goods, onde sua fatia caiu de 39% para 32% ao longo do ano. A receita anual total da Nike ainda é substancialmente maior do que as das concorrentes, com um faturamento anual acima de US$ 51 bilhões.
Relatório recente da Bernstein Research, divulgado pela IP Capital Partners, mostra que o mercado de tênis esportivo no mercado americano cresceu consideravelmente desde 2016, porém, a fatia do bolo está bastante dividida: a Nike perdeu US$ 1 bilhão em volume total de vendas, enquanto os novos entrantes ganharam mais de US$ 7 bilhões.A Nike, nos últimos anos, implementou uma estratégia de redução significativa de seus parceiros atacadistas, para focar mais em vendas diretas ao consumidor (DTC), tanto online como em lojas físicas próprias, como Nike Towns e Nike Factory Stores. Isso permite à marca controlar a experiência do consumidor, coletar dados valiosos e maximizar as margens de lucro.
Em 2017, a Nike começou a cortar laços com cerca de 50% de seus parceiros de atacado, incluindo grandes varejistas, como Dillard’s, Zappos, Urban Outfitters, e Big 5 Sporting Goods, para fortalecer seus canais proprios. A estratégia DTC da Nike contribuiu significativamente para seu crescimento recente, especialmente durante a pandemia, quando as compras online aumentaram.
No entanto, essa estratégia de reduzir as parcerias com atacadistas trouxe desafios. A Nike percebeu que a retirada de seus produtos de grandes redes fez com que perdesse parte de sua base de clientes para concorrentes, o que também deu mais visibilidade a outras marcas. Recentemente, começou a reavaliar essa estratégia, retomando parcerias com alguns atacadistas, como Macy’s e DSW, para melhorar sua distribuição e escoar o excesso de inventário, que tem sido um desafio contínuo para a empresa.
Para liderar esse movimento, a Nike anunciou, em junho deste ano, a volta do executivo veterano Tom Peddie, que trabalhou na empresa por 30 anos antes de se aposentar em 2020. Ele retorna como vice-presidente de parceiros de mercado, com o objetivo de retomar o relacionamento com varejistas do canal atacado,. E essa notícia animou o mercado.
Se as ações não reverterem a queda, 2024 será o terceiro ano consecutivo de declínios, uma sequência não vista desde a oferta pública inicial da empresa há mais de quatro décadas.
Os novos entrantes
Ao perder presença nos pontos de venda tradicionais, a Nike abriu espaço para marcas menores e mais ágeis, como On e Hoka, que têm mantido um equilíbrio entre o DTC e a distribuição por meio de parceiros selecionados.
A Hoka, subsidiária da Deckers Brands, teve um ano impressionante, adicionando US$ 521 milhões em novas receitas, o que levou seu faturamento anual para cerca de US$ 2 bilhões. A marca continua a ganhar participação de mercado, especialmente no segmento de corrida e outdoor, com um crescimento significativo, tanto em canais de venda direta ao consumidor quanto no atacado. A Hoka focou em expandir seu alcance global e em diversificar sua linha de produtos, mantendo uma forte conexão com consumidores mais jovens e com comunidades de corrida.
A marca On, fundada em 2010 na Suíça por Olivier Bernhard, David Allemann e Caspar Coppetti, tem alcançado grande visibilidade no mercado. Bernhard, um ex-atleta profissional de triatlo, foi patrocinado pela Nike, o que lhe deu uma visão profunda sobre o design e a funcionalidade dos calçados esportivos.
Essa experiência influenciou sua busca por um calçado que oferecesse uma sensação diferente ao correr, levando ao desenvolvimento da tecnologia CloudTec, que simula a sensação de “correr nas nuvens”. Desde o início, a On se destacou por sua combinação de inovação tecnológica, design estiloso e compromisso com a sustentabilidade, o que ajudou a marca a crescer rapidamente no mercado global.
A On valoriza a presença em lojas físicas e parcerias com varejistas especializados, o que contribui para uma experiência mais focada e premium. Mas o diferencial da marca vai além da estratégia de distribuição. Seu mix de produtos vai além dos calçados de corrida, incluindo também calçados de caminhada e lifestyle, além de colaborações com figuras importantes, como o tenista Roger Federer, que hoje é sócio da startup. Em 2021, a empresa abriu capital na bolsa de valores, sinalizando seu rápido crescimento e ambições futuras.
Chamada recentemente pelo The New York Times de “A Tesla do mundo dos tênis”, a On vem se provando potente também nas suas estratégias de comunicação. O vídeo da campanha, lançada durante as Olimpíadas, com a atriz Zendaya e o jogador Roger Federer, já contabiliza mais de 7,2 milhões de visualizações no TikTok. Em comparação, a campanha da Nike, lançada no mesmo período, teve 500 mil views na mesma rede social.
Afinal, quem sobe no pódio?
O impacto das Olimpíadas de Paris no mercado de moda e esportes evidenciou uma transformação significativa na forma como marcas interagem com o público e competem por atenção.
O evento não apenas ofereceu um palco para as tradicionais gigantes esportivas, mas também abriu portas para novas conquistas de marcas que estão redefinindo as narrativas de comunicação, design e sustentabilidade.
A Nike, apesar de sua posição dominante, enfrenta o desafio de se adaptar a um mercado em rápida evolução e à novas formas de engajamento com os consumidores para se manter no topo.
Na mitologia grega, Nike é a deusa da vitória, não apenas como uma figura simbólica, mas também como uma agente ativa nas grandes batalhas e mudanças cósmicas.
À medida que novas marcas desafiam gigantes estabelecidos, fica claro que no topo do pódio há sempre espaço para aqueles que ousam inovar e transformar.
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
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