Por Marcos Gouvêa de Souza*
A combinação perigosa de renda familiar com menor expansão, emprego em queda, crédito caro e inadimplência com tendência de crescimento e, principalmente o menor índice de confiança dos últimos 10 anos, e que continua a piorar, criou um cenário onde a luz vermelha está acesa até o para os mais estoicos empresários e dirigentes de negócios no país.
Saímos de uma situação de luz verde no final do ano passado, evoluímos para a luz amarela logo após as eleições e chegamos à luz vermelha no período de apenas quatro meses numa escalada que, era sabido, deveríamos passar para promover um realinhamento geral na área econômica, sabidamente fora dos eixos. A diferença fundamental está no fato de que um cenário seria passarmos por esse inevitável período com a esperança de transformações relevantes e inevitáveis no plano politico, econômico, social e financeiro. Outra coisa, absolutamente diferente, é passarmos por esse calvário, com a expectativa de mais do mesmo.
E é essa expectativa que domina o cenário e que faz com que os índices de confiança dos consumidores e empresários de todos os segmentos econômicos estejam em patamar tão baixo o que realimenta todo o processo, pois baixa confiança empresarial é sinônimo de menor investimento com contração de emprego e para o consumidor significa menor propensão a consumir com adiamento de compras. Ambos serão responsáveis diretos pelo agravamento do quadro macro econômico e a perspectiva de que antes de melhorar ainda vai piorar.
Até mesmo para estoicos de plantão o quadro geral inspira crescente preocupação.
O estoicismo é uma escola de filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio no início do século III a.C. e propõe que se viva de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio deveria obedecer à lei natural, reconhecendo-se como um elemento na grande ordem e propósito do universo, devendo, assim, manter a serenidade em relação às tragédias e as coisas boas.
Manter investimentos, gerar empregos e olhar o futuro está cada vez mais difícil no cenário de negócios e o sentimento dominante é de cautela, preocupação e foco no dia a dia, busca de maior eficiência e produtividade dos recursos existentes e adiamento de projetos.
No varejo significa, figurativamente, mais barriga no balcão e menos olhos no futuro.
O dramático da situação atual é o sentimento de que talvez esse período de profundo e sabidamente inevitável ajuste econômico não tenha o efeito depurativo que deveria ter, precipitando revisão de estruturas, políticas e práticas e que estejamos passando novamente por um momento onde a maior parte da conta é passada para o setor privado sem que o Estado, genericamente, faça sua parte e corrija os erros estruturais que gerou.
No universo das idealizações, toda crise tem a virtude de precipitar mudanças radicais e estruturais e, no caso brasileiro atual, isso deveria significar o enxugamento da máquina pública, a revisão dos sistemas tributário e trabalhista, a re-orientação do foco da política externa e a revisão da estrutura burocrática existente, elementos que comprometem a eficiência e produtividade do País, tornando-o menos competitivo no mercado global.
O que temos visto e ouvido são muitos discursos e propostas convergentes com essas idéias mas, no real, assistimos à continuidade das práticas e estruturas existentes e uma crescente dificuldade de avanço travada no sentimento coletivo de que não existe determinação férrea, genuína e inspiradora, para promover as mudanças que precisam ser feitas.
E para agravar ainda mais o cenário econômico, comprometendo esforços de revisão nesse sentido, o País acompanha atônito o desenrolar do enredo pontuado de corrupção, ausência de ética e desvio de recursos públicos que têm sido mostrados diariamente.
Nesse mar de incertezas e preocupações, como bem pontuou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em recente manifestação, o que pode haver de auspicioso, buscando encontrar um fio de esperança, é o que temos visto na Justiça, na mídia e nas ruas.
Será uma questão de tempo. Com maior ou menor sacrifício. Com mais ou menos dor. Mas o País irá purgar os desvios recentes e reencontrar seu caminho desde que, e somente se, os que têm a responsabilidade de liderar não se omitam e assumam uma postura mais inquisitiva e decidida de trabalhar pelas mudanças que precisamos. Deixou de ser uma questão de opção. Não há estoicismo que resista ao quadro atual.
*Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza