Joias e pedras preciosas fizeram parte do imaginário de mulheres de todo o mundo que ansiavam por status e representação de feminilidade e glamour vistos nas telas de cinema e peças publicitárias das últimas décadas. A percepção da mulher bem-sucedida e desejada era personificada por atrizes como Marilyn Monroe em “Os homens preferem as loiras” (1953) e Audrey Hepburn em “Bonequinha de luxo” (1961), que enxergavam em peças luxuosas seus verdadeiros companheiros.
Quase setenta anos após serem considerados “o melhor amigo da mulher” por Monroe, os diamantes passaram a ser vistos sob perspectivas diferentes entre consumidores mais novos. Em 2021, a joalheria dinamarquesa Pandora anunciou que interromperia a comercialização de diamantes naturais por questões éticas. O comunicado veio um ano após a interrupção do uso de prata e ouro recém-extraídos em seus produtos.
A empresa passou a comercializar diamantes criados em laboratórios certificados e garantiu que a alternativa sintética tem as mesmas características ópticas, químicas, térmicas e físicas das versões naturais. Além disso, as peças são classificadas pelos mesmos padrões conhecidos como 4Cs – corte, cor, clareza e quilate.
Em sua página oficial, a marca anuncia os novos modelos sob o slogan “Diamantes para todos” e encoraja o consumidor a adquirir um “presente sustentável e acessível”. Os números indicam que a tendência veio para ficar: em 2022, as vendas globais de diamantes sintéticos cresceram 28%, alcançando US$ 12 bilhões. A estimativa é que esse mercado atinja US$ 18 bilhões em 2024.
Luta pelo futuro e ativismo de marca
A mudança de comportamento da joalheria segue o coro de empresas que se adaptaram ao desejo da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) por empresas sustentáveis, transparentes e que demonstram preocupação pelo bem-estar social.
Dados do relatório “Edelman Trust Barometer 2022: A nova dinâmica de influência” apontam que a faixa etária influencia o consumo de 62% dos brasileiros. Mais do que o desejo de adquirir itens e experiências, o grupo também influencia o modo como 63% da população global consomem notícias.
Sete em cada dez membros da geração Z em todo o mundo afirmam estarem envolvidos em algum tipo de causa social ou política. Destes, 63% praticam ativismo escolhendo marcas que se alinham às suas convicções.
Em 2020, 45% dos entrevistados mudaram seu comportamento de compra motivados pelo posicionamento de marcas em relação à pandemia da covid-19. Em 2021, as mudanças climáticas influenciaram os hábitos de 64%. Em 2022, a desigualdade econômica influenciou os hábitos de consumo de seis em cada dez jovens.
“A geração Z é composta por pessoas engajadas e que estão dispostas a cobrar por mudanças práticas. A confiança vem da transparência: se a marca utiliza a seu favor o discurso de que executa uma prática sustentável, esse discurso deve ser acompanhado de ações objetivas”, explica Luiza Bodenmüller, jornalista e pesquisadora.
No Brasil, 92% dos entrevistados expressaram preocupação pelo futuro do País. A porcentagem é superior a todos os outros países consultados, ultrapassando regiões como México e África do Sul (86%) e França e Estados Unidos (70%). A média global é de 68%.
Livre de rótulos
Atenta às causas sociais e ao fato de que homens héteros e brancos predominantemente ainda ocupam posições de destaque no entretenimento e na vida real, a geração Z apresenta forte apelo pela diversidade em todas as áreas da sociedade.
Dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e a iO Diversidade mostram que as empresas não ficam de fora dessa realidade: 76% dos entrevistados com idade entre 18 e 29 anos acreditam que as marcas têm o papel de apoiar a diversidade. Além disso, um em cada três jovens dessa faixa etária dá preferência às marcas que apoiam o tema – mesmo que seus produtos custem mais. Na esfera profissional, 68% afirmam que é importante que a empresa valorize a diversidade, e 67% esperam ações que apoiem a diversidade ao decidir permanecer em um emprego.
Presente no mercado há mais de 80 anos, a M&M’s iniciou um processo de rebranding dos seus icônicos e coloridos personagens em 2022. Em um comunicado à imprensa, a empresa disse que pretendia contribuir para transformar o mundo em um lugar mais inclusivo e “enfatizar a importância da autoexpressão e do poder de comunidade”.
“A geração Z valoriza marcas que buscam diálogos inclusivos e a M&M’s está alinhada a esse propósito. Entendemos a relevância do nosso papel na conscientização da sociedade sobre temas como a inclusão e a diversidade”, afirma Lenize Oliveira, head de Marketing da Mars Wrigley Brasil, detentora da M&M’s.
Os personagens receberam mudanças sutis. O formato de cada M&M se tornou mais refinado e a cor bronzeada nos braços e nas pernas deu lugar a tons desbotados para combinar com a cor da casca do doce. Focando questões de gênero, a marca pretende abandonar o uso de prefixos para se concentrar apenas na personalidade de seus personagens.
Conhecido por sua personalidade autoritária, o chocolate vermelho se tornou mais maleável, enquanto o laranja reconheceu seus problemas com a ansiedade. A mudança segue a crescente preocupação dos consumidores com a saúde mental.
A mudança mais significativa foi feita nos personagens com características femininas. O M&M marrom recebeu sapatos de saltos mais baixos do que sua versão anterior, enquanto o M&M verde trocou suas botas altas por um par de tênis. ”Os personagens passaram por transformações com o objetivo de modernizar o visual de cada um. Com vestimentas e individualidades inclusivas e representativas, os personagens estão alinhados ao mundo em que vivemos atualmente”, explica Lenize.
Cultura de ‘fandom’ e criadores de conteúdo
Considerada nativa digital, a geração Z cresceu em meio à ascensão da internet, smartphones, redes sociais e outras inovações tecnológicas. Sua relação com a tecnologia é intrínseca e molda não apenas seus comportamentos, mas também suas perspectivas e formas de interação social.
A linha entre o offline e o online tem se tornado cada vez mais imperceptível para esse grupo e, com a evolução da Web 3.0, é possível notar um número cada vez maior de informações sendo compartilhadas diariamente.
Entre um stories na aba de close friends (ou amigos próximos, em tradução livre) para reclamar sobre um delivery ruim, um TikTok reproduzindo uma coreografia famosa e o compartilhamento de memes no X (ex-Twitter), os membros da geração Z se tornaram verdadeiros criadores e amplificadores de conteúdos digitais.
Atuantes nas redes sociais, eles geram e vendem conteúdo próprio. O relatório da Edelman aponta que 64% da geração Z cria ou compartilha conteúdo nas redes sociais uma ou mais vezes na semana.
Diferentemente das gerações passadas, o grupo tem à sua disposição um leque digital de possibilidades para acompanhar o cotidiano e se conectar com pessoas de diferentes realidades e costumes.
Ao mesmo tempo em que é considerada a geração que passa mais tempo conectada, o grupo também é caracterizado pela busca por autenticidade e conexões genuínas, e não necessariamente por perfeição. Busca, então, os chamados influenciadores: personalidades online com maior poder de influência e que compartilham valores semelhantes aos seus.
“Uma chave é olhar para o comportamento desse consumidor como um fandom: mais do que compartilhar sobre o produto em si, eles esperam o compartilhamento da experiência, o fortalecimento de comunidades e a criação de um espaço genuíno de troca“, explica Luiza.
Representando a atual aposta de campanhas de marcas, as personalidades acumulam milhares de seguidores em diferentes redes sociais e detêm um importante papel na maneira como a geração Z consome conteúdo, molda suas opiniões e toma decisões de compra.
“Mais do que olhar para a concorrência para colher insights, é preciso também observar como influenciadores e comunidades interagem entre si. Para a geração Z, a relação com as marcas é quase pessoal e, portanto, a construção da mensagem segue outra lógica que não é meramente transacional”, afirma.
No País, a credibilidade maior é dada a um cientista ou especialista (78%), seguido por pessoas que utilizam determinada marca (71%) e especialistas técnicos da marca (68%).
TikTok em ascensão
Já popular antes da pandemia da covid-19, o aplicativo de entretenimento e vídeos curtos TikTok virou queridinho da geração Z durante o lockdown. A crescente inclinação pelo consumo de vídeos em vez de conteúdos escritos levou à debandada de usuários da faixa etária do Google para o aplicativo de vídeos quando o assunto é pesquisa.
Um estudo realizado pela Her Campus Media conta que, no geral, 74% da geração Z utilizam a pesquisa do TikTok. Dentre as duas empresas, 51% dos entrevistados escolheram o TikTok em vez do Google como mecanismo de busca.
Ao indicarem os motivos da decisão, apontam o formato de vídeo dos resultados (69%), respostas mais relacionáveis (65%) e respostas
personalizadas (47%). Além disso, 72% compraram um produto depois de vê-lo no TikTok.
“Personalização é uma das palavras-chave para se envolver com esta geração. Esse grupo valoriza a individualidade e a expressão pessoal e busca experiências que refletem suas preferências pessoais e identidades únicas”, afirma Claudir Segura, vice-coordenador do curso de publicidade e propaganda da PUC-SP.
O TikTok foi considerado o aplicativo mais baixado por três anos seguidos, segundo um levantamento realizado em 2022 pela empresa de software norte-americana Apptopia. Naquele ano, a marca alcançou 672 milhões de novos downloads.
O ranking é seguido pelo Instagram (548 milhões), WhatsApp (424 milhões), CapCut (357 milhões), Snapchat (330 milhões) e Telegram (310 milhões). O Facebook aparece na sétima colocação (298 milhões), atrás do jogo de corrida Subway Surfers (304 milhões).
“O público jovem interage com o mundo pelo celular. Por isso, é necessário que as empresas mantenham uma presença online relevante e entendam que frases brilhantes das décadas passadas já não cumprem mais o papel de se comunicar com as novas gerações”, explica Segura.
O estudo indica ainda que o TikTok influencia decisões de compra de 62% da geração Z, mais do que qualquer outra plataforma. Comparando os resultados de 2022 e 2023, houve um aumento de 15%. “O uso de hashtags ligadas a produtos e indicações, anúncios direcionados e a própria dinamicidade de conteúdo no TikTok permitem que o usuário encontre de maneira rápida as informações necessárias para a tomada de decisão”, afirma Luiza.
Fundada em 1886 por David H. McConnell, a empresa de cosméticos Avon aproveitou o sucesso do TikTok para unir sua imagem e produtos à figura da jornalista Isabela Boscov em uma série de vídeos nos quais a profissional tece resenhas sobre as maquiagens da marca.
A escolha da jornalista não foi à toa. Boscov se tornou um fenômeno da internet quando algumas de suas análises de filmes publicados no YouTube viralizaram nas redes sociais. O tom sério ao definir Sex and the City 2 como uma “uma imbecilidade atroz” foi o suficiente para que trechos de seus vídeos fossem difundidos entre os jovens e seu canal alcançasse 773 mil inscritos.
Realizada em 2022, a campanha “#Avonscov: o Hit do TikTok” venceu a categoria de melhor parceria com creator no TikTok Awards. Publicados no perfil da marca de cosméticos, os vídeos alcançaram até 546 mil curtidas e foram reverberados também no Instagram e X.
“Embora tenha mais do que uma centena de anos, a Avon sempre foi uma marca considerada jovem. Desde 2021, especialmente no Brasil, vínhamos criando estratégias para reenergizar a marca e recuperar sua vanguarda”, conta Daniel Silveira, vice-presidente de Marca, Marketing e Inovação da Avon Latam.
A empresa de cosméticos participou do reality show Big Brother Brasil em 2021 e 2022. Durante sua primeira participação, comprou a chamada cota big de anúncios do programa no valor de R$ 78 milhões e realizou oito campanhas durante os 100 dias de programação.
Como resultado, foi considerada a marca mais comentada da edição de 2021 e viu seu faturamento no e-commerce triplicar e os números de downloads de seu aplicativo aumentarem.
A Avon aproveitou o buzz gerado pelo programa para lançar a campanha “#AvonTáOn” e decretar o reposicionamento da marca. “A gente se repaginou, mudou e renovou. Olha na tela, na rede ou no site que a #AvonTáOn e tá melhor do que nunca”, dizia o material da campanha.
“Estamos investindo muito no digital e aprendendo novas dinâmicas de interação. Além disso, estamos preparando um pacote de ações e produtos para 2024 e 2025 para contar uma nova história de modernização da marca a partir da reinterpretação de seu DNA”, afirma Silveira.
Mercado de games
Realizada em 30 países, a Campus Party é um festival de tecnologia, empreendedorismo e ciência que também está se adaptando às gerações Z e Alfa. As edições de 2022 e 2023 no Brasil contaram com torneios dos principais jogos de battle royale, como League of Legends (LoL), Counter Strike e Valorant.
“Costumo dizer que somos uma fábrica de gerações entre 18 a 25 anos, porque houve uma grande renovação do público nos últimos 25 anos da marca. Não somos nós que permitimos que o evento aconteça, são os jovens que já foram da geração X, Y e hoje fazem parte da geração Z”, conta Tonico Novaes, CEO da Campus Party.
Presente no evento, o setor de games é um dos principais mercados impulsionados pelos jovens. Quase três quartos (72%) dos consumidores da América Latina da geração Z consideram os videogames como o “melhor tipo de entretenimento”. Os eletrônicos estão à frente de mídias sociais e serviços de streaming.
O Brasil é o maior mercado da região, tanto em número de jogadores quanto em receita, com 88,4 milhões de jogadores. A tendência é de crescimento para mais de 116 milhões de pessoas até 2026. Os dados são de uma pesquisa realizada pela Yandex Games.
O setor deve movimentar mais de US$ 219 bilhões em receita em todo o mundo até 2024. Em 2022, a indústria global de jogos eletrônicos faturou mais de US$ 196 bilhões e, de acordo com projeções da PwC, o faturamento global até 2026 deverá chegar a US$ 321 bilhões.
De olho na geração Alfa, Tonico conta que a Campus Party está desenvolvendo iniciativas como a Campus Kids, Printer Chef, Arena de Drones e a Campus Play. “Mais do que palestras, hackathons e desafios, o festival entrega conexão e significado para os campuseiros. Em breve, a geração Alfa também fará parte disso”, afirma.
Para a Luiza Bodenmüller, é errado dizer que o momento atual é de “rejuvenescimento” das marcas. “Há uma adaptação mais no sentido de criar comunidades e espaços de troca do que simplesmente uma mudança de linguagem”, afirma.
Entre marcas centenárias consolidadas durante as gerações passadas e aquelas que nasceram em um ambiente digital, os novos parâmetros de discursos e posicionamentos são imperativos no mercado.
O comportamento da geração Z também atrai gerações passadas. “Além da transação comercial de compra e venda, o desejo é por participação, troca e escuta. Por ser uma alteração estrutural, também conquista consumidores de outras gerações, porque a relação que se estabelece com a marca tende a ser mais interessante”, Luiza explica.
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