Estamos obcecados por dados. A cada clique, curtida e rolagem de tela, alimentamos uma máquina invisível que promete revelar tudo sobre o consumidor. Métricas digitais viraram bússola, e os dashboards, nosso novo oráculo. Mas nessa euforia por números, deixamos algo escapar: o mundo físico. O velho e bom mundo real, onde as pessoas ainda andam por corredores de lojas, interagem com produtos, vivem experiências – e tomam decisões de compra que, muitas vezes, nenhum pixel consegue captar.
A pandemia acelerou o processo de digitalização e, com isso, os dados ganharam mais relevância. Isso não é novidade. Mas o que talvez não estejamos enxergando é o efeito colateral desse salto: a ilusão de que só o que é mensurável digitalmente importa. A chamada dataficação, processo de transformar tudo em números, nos trouxe ganhos, sim. Mas também nos deixou míopes. Olhamos o consumidor por uma fresta de tela, esquecendo que ele continua existindo do lado de fora dela.
O desafio é claro: como medir ações de marketing ou consumo em ambientes físicos com a mesma riqueza que temos no digital? Como entender o engajamento de alguém que passa 15 minutos numa loja sem deixar qualquer rastro digital? Como saber se essa pessoa se encantou, se hesitou, se voltou?
É aí que esbarramos em um problema maior: falta linguagem. No digital, “engajamento”, “conversão”, “retenção” são conceitos claros, operacionais. Mas tente aplicar esses termos numa loja física e veja como tudo se embaralha. A tecnologia evoluiu, mas nosso vocabulário ainda patina.
A verdade é que o mundo físico virou um buraco cego nas estratégias de dados. Só que esse buraco esconde um tesouro. Porque é ali, no contato direto, na experiência sensorial, que a mágica muitas vezes acontece. A interação presencial tem potência emocional que nenhum pop-up consegue replicar.
Mas não basta romantizar o físico. É preciso torná-lo mensurável. E, principalmente, interpretável. Coletar dados de sensores, câmeras, rastreadores de presença já é possível. Mas se não houver inteligência por trás, viramos acumuladores de números sem sentido. Dado, sozinho, é ruído. O que importa é o olhar estratégico por trás dele – e isso requer entender gente, não só gráficos.
Na minha visão, a solução é trazer para o mundo físico a mesma sofisticação analítica que conquistamos no digital. Com o uso de Inteligência Artificial e ciência do comportamento, já é possível mapear emoções, padrões de atenção e fluxo de pessoas. Mas, mais do que gerar métricas, buscamos gerar significado. E esse significado começa com uma premissa simples: colocar o ser humano de volta no centro da estratégia.
Minha provocação é direta: será que estamos mesmo olhando para o consumidor inteiro – ou apenas para a parte dele que cabe na tela?
A jornada do cliente é híbrida, complexa e emocional. E precisa ser lida com mais sensibilidade do que os dashboards permitem. É hora de parar de tratar o ambiente físico como um ponto cego – e começar a vê-lo como um campo estratégico de altíssimo valor.
Porque no fim do dia, os dados não mudam nada. São as decisões que tomamos a partir deles que mudam tudo.
Kadu Sousa é cofundador da audienSee.ai.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato