“Eu só quero vender chuteiras…”

Foi com essa frase que um diretor de marketing de uma grande empresa de material esportivo me respondeu quando abordei a temática da governança no esporte durante uma reunião que ocorreu há uns quatro anos. Na verdade, a frase completa foi: “eu não sei nem o que é isso (referindo-se a governança), eu só quero vender chuteiras.”

Fiquei surpresa. Confesso que a composição da resposta mostrava além de um total desconhecimento como um gestor da iniciativa privada que deveria desde sempre entender o que eram governança e compliance, o quão a visão limitada do seu modus operandi de fazer marketing não correspondia aos próprios valores que a empresa propagava. Obviamente, vi que tentar convencê-lo era uma baita perda de tempo. Fui embora com a venda das chuteiras na cabeça, e penso, para você ver, até hoje nisso.

É claro que a finalidade comercial de qualquer empresa que vende… é a venda, mas seria a qualquer custo? Muitos irão dizer: seria não, é. O acionista está preocupado com  o resultado financeiro, não está preocupado com o que faz ou deixa de fazer o clube de futebol, por exemplo. Ele quer o jogador desfilando com a chuteira e atraindo milhares de fãs para as lojas, até porque tampouco o consumidor vai perguntar para o vendedor: “Essa chuteira é do jogador do clube que tem governança?”

Ora, todos entendemos que a indústria esportiva é bastante competitiva, é um mercado que precisa estar em constante inovação, com um apelo de engajamento que envolve diversas frentes, que estimula sem parar o desejo do consumidor. Em momento algum duvida-se do poder do marketing para disparar as vendas. Mas que tal despertar o marketing para a governança?

É inegável que uma gestão de um clube de futebol (ou qualquer outra entidade esportiva) que preza a governança oferece um suporte muito mais sólido nas decisões comerciais do patrocinador, e, neste caminho, a confiabilidade no patrocinado aumenta a percepção de valor no mercado e traz, quase que por osmose, a atração pelo produto, qualquer que seja ele.

Por outro lado, é obvio também que uma gestão temerária arrisca não apenas o recurso investido, o que de fato poderia limitar a compra de jogadores de destaque para calçar a chuteira e atrair consumidores para compra-la, mas arrisca o maior bem de uma marca, sua reputação, cujo tempo para construir é infinitamente maior que para destruir, e, como consequência final, gerar uma crise que qualquer acionista iria se arrepender de exigir a venda sob qualquer circunstância.

É por isso que o marketing precisa pensar em governança. Afinal, estamos falando de imagem. Aquela, que vale mais que um milhão de palavras… E não haverá jogador de futebol que mude essa matemática, principalmente porque a sociedade, hoje, já não admite o fim a qualquer custo. Estamos falando de responsabilidade, sustentabilidade e ética. Valores que sem a governança, não se alcançam.

Fabiana Bentes é CEO da Sou do Esporte
Imagem: Reprodução

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