As naus dos insensatos

A ação de políticos no Congresso Nacional aprovando o programa de repasse de recursos para resgate das finanças públicas nos Estados sem contrapartidas e da Câmara de Vereadores de São Paulo, a mais importante do Brasil, aprovando aumento generalizado de salários dos vereadores e funcionários no momento atual do país, com número recorde de desempregados e uma crise econômico-financeira sem precedentes na história recente, mostra que, ao invés de uma Nau dos Insensatos, temos uma flotilha de naus, desafiando o bom senso e a paciência da população e da Sociedade como um todo.

A Nau dos Insensatos foi escrito em 1494, pelo alemão Sebastian Brant (1457-1521), como poema satírico, com viés moralizante, onde se denunciam as falhas e vícios, tanto da nobreza quanto de outros segmentos, não poupando Igreja, justiça, universidades e outras instituições. Com 112 capítulos, cada um dedicado a um tipo de insensato ou louco, o autor censura os excessos e o desleixo, a avidez por dinheiro e a falta de escrúpulos, a perda da fé́ e o desinteresse pelo cultivo do intelecto. Diferente dos sábios e prudentes, os insensatos são apresentados nas paginas do texto deixando evidente sua arrogância, grosseria, leviandade, indolência, gula, mentira, violência… Enfim, sua falta de juízo e ponderação.

O texto do final do século XV revelava um panorama dos costumes da época, mas se mostra incrivelmente atual e o título, multiplicado por muitas naus, ainda mais oportuno para descrever o que temos visto no Brasil neste momento, pilotado por políticos igualmente arrogantes, levianos, mentirosos e com falta de juízo e ponderação.

Um grupo de políticos inconsequentes está brincando com coisa muito mais séria do que sonha sua vã irresponsabilidade no Congresso Nacional e na mais importante Câmara Municipal do país.

O estado de espírito da população está prestes a explodir, asfixiado pela falta de emprego, pelas taxas de juros das mais altas do mundo, pela falta de perspectivas e por um quadro de pressão financeira sem limites depois de três anos de retração e constatação da podridão dominante na gestão da coisa pública. Aliás, já começou o processo com Câmaras Municipais sendo cercadas e políticos só podendo sair protegidos pela polícia.

Todo esse cenário é especialmente sensibilizado pelo desprezo gerado com o que é apurado e apresentado envolvendo o quadro sintomático de corrupção e mau uso dos recursos públicos que espalha pelo país. O que se desconfiava é agora mostrado e quantificado e a moeda da corrupção é baseada em milhões de reais, atingindo um total de bilhões desviados de obras públicas, educação, saneamento, segurança e bem estar coletivo.

Já se foi longe demais ao assumir que o crime e a corrupção compensam. Não mais.

Existe um sentimento brotando em todo o país, que se manifestou parcialmente nas últimas eleições municipais, querendo desalojar aqueles que vinham desafiando o bom senso confiando no sentimento coletivo de impunidade na política paroquial que se praticava.

Esse sentimento é agora desafiado de todas as formas e se não houver respostas críveis, rápidas e objetivas, corremos o risco de explodirem manifestações mais hostis e inclusivas clamando por mudanças de ampla aplicação.

As naus dos insensatos que insistirem em irem ao largo poderão ser colocadas a pique pelo clamor popular e por ações mais diretas de revolta da população que não suporta mais tanta insensibilidade.

O equilíbrio está por um fio, desafiado pela inconsequência daqueles que voltam as costas para a realidade e provocam a ira até dos mais ponderados e sensatos.

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