Mais de 100 funcionários haviam sido treinados para começar a trabalhar em uma nova unidade da rede Outback Steakhouse em Taguatinga, no Distrito Federal, no dia 24 de março deste ano. O tradicional corte de fita na porta, no entanto, não aconteceu. A Bloomin’ Brands, dona das marcas Outback e Abbraccio no Brasil, decidiu que, a partir do dia 22, todas as unidades seriam fechadas por causa do coronavírus, que começava a se alastrar pelo País. A unidade começou atuando no delivery e só foi aberta ao público quatro meses depois.
“Quando a pandemia começou, 50 dos nossos 103 restaurantes ofereciam delivery. Nós tínhamos a meta de finalizar 2020 com mais 30, só que a operação de delivery nesses 30 começou em menos de dez dias. A gente fala que transformou um plano que era de dez meses em um de dez dias”, resume a diretora de Marketing do Outback, Renata Lamarco. Hoje, todas as unidades do País oferecem a opção de entrega em casa.
A adaptação completa ao delivery contou com muitos testes, criações de receitas e busca de elementos que traduzissem a experiência que os clientes tinham nos restaurantes para o ambiente familiar. Apesar dos desafios, a rede termina 2020 com 11 novas lojas no Brasil – uma delas será aberta no Shopping Morumbi, em São Paulo, na primeira quinzena de dezembro.
Em entrevista à Mercado&Consumo, Renata Lamarco conta como a marca se reinventou na pandemia – e o que a empresa já percebeu que veio para ficar.
Mercado&Consumo: Como vocês receberam a notícia da necessidade de fechamento das lojas em março? Vocês estavam preparados de alguma forma para isso?
Renata Lamarco: A gente estava acompanhando muito de perto a situação, até porque temos muitos restaurantes na Ásia e Estados Unidos, e entendíamos que esse momento estava chegando. Ainda assim, a rapidez da decisão de fechamento no Brasil nos surpreendeu. A Bloomin’ Brands decidiu fechar os restaurantes antes mesmos dos decretos de governo. Temos 12 mil colaboradores e, nesse momento, a empresa achou que, mais importante do que qualquer coisa, era ter todo mundo seguro em casa. A gente continuou com o delivery, mas nossa preocupação número um foi com nossos colaboradores e consumidores. Mas, de fato, a gente não esperava que [a pandemia] fosse chegar no Brasil tão rápido e não sabia como seria o impacto na nossa vida.
M&C: Quais foram as primeiras decisões tomadas?
Renata: O primeiro ponto fundamental foi pensar nas pessoas, em como a gente iria garantir a segurança de todos e, ao mesmo tempo, manter o business ativo, porque isso também era importante para elas. Para a gente, era fundamental continuar investindo no negócio, inovar e se reinventar. O delivery passou de 3% do nosso negócio para 100%. A gente ficou 100 dias com mais de 100 lojas fechadas, então foi necessário, de fato, repensar o nosso negócio. A gente tinha de garantir a passagem pela crise e o fluxo de caixa, e pensar em como uma companhia de 12 mil colaboradores se manteria sustentável. Mas a gente também tinha de pensar em como escalar o delivery, que até o “dia um” da crise estava disponível em apenas 50 restaurantes nossos. Tivemos de escalar isso muito rapidamente e pensar que a inovação, que no nosso caso era muito voltada para a experiência do restaurante, teria de ter, no delivery, seu canal principal. Fizemos muitos experimentos à distância de degustação de produtos e também um reposicionamento de marca, porque as pessoas têm uma relação emocional muito grande com o Outback.
Outra agenda muito forte foi a da disrupção. O delivery vai manter uma relevância muito grande, porque as pessoas aprenderam a consumir em casa. Assim, a gente teve de repensar toda a estrutura dos restaurantes físicos. A reabertura foi um desafio importante também. Hoje, todos estão abertos, mas com capacidade média de ocupação de 50%. Temos de pensar como garantir que o cliente que vai ao restaurante se sinta seguro. Toda a experiência teve de ser adaptada aos protocolos. Nosso atendente tem um papel super importante na experiência, e agora ele está de máscara, de face shield e a dois metros de distância do cliente, numa relação muito menos pessoal. Tivemos de repensar a jornada do cliente como um todo. Tanto para o momento de reabertura, para o qual nos preparamos desde o “dia um”, sem saber se seriam 20 dias de preparo ou 100, como foram, quanto para todo o novo negócio. A gente ficou bem feliz com o resultado. Foram dias muito intensos de realmente se reinventar e quebrar paradigmas.
M&C: Que tipo de iniciativas o Outback tomou para reforçar o delivery e levar, para o cliente, uma experiência parecida com o que ele já tinha na loja?
Renata: Essa foi uma pergunta que a gente se fez lá em 2018, quando desenvolvemos todo o processo de delivery. O Outback como marca, como restaurante, tem três fundamentos. Um deles é a experiência – o atendimento é caloroso, próximo e descontraído. Outro são os produtos, e isso vai desde a qualidade até a apresentação e a generosidade com que são servidos. E tem a questão do ambiente confortável, mais escuro e aconchegante. Nós nos perguntávamos: sem o ambiente e sem o atendimento, como a gente vai conseguir levar esses atributos, que são tão fundamentais para a marca, para os clientes? Então, lá em 2018, decidimos que ainda teríamos momentos importantes e icônicos para surpreender o cliente, claro que numa experiência diferente – mas, ainda assim, uma experiência. A gente manda o pãozinho quentinho com a manteiga, uma carta com o nome do cliente escrito a mão e um convite para ele abaixar um pouquinho a luz de casa e ouvir a nossa playlist no Spotify. As embalagens são bonitas, levam a hospitalidade do restaurante, são recicláveis e têm uma boa apresentação. Conseguimos traduzir e surpreender o cliente em casa.
Mas fazíamos isso para uma base pequena. Quando a pandemia começou, 50 dos nossos 103 restaurantes ofereciam delivery. Nós tínhamos a meta de finalizar 2020 com mais 30, só que a operação de delivery nesses 30 começou em menos de dez dias. A gente fala que transformou um plano que era de dez meses em um de dez dias. E foi muito legal, porque a gente teve de se reinventar demais. O treinamento do delivery demorava 40 horas no restaurante, com um time enorme envolvido pessoalmente, e de repente ele virou 18 horas online, mas com o mesmo critério. Mesmo escalando de 50 para todos os restaurantes do Brasil, conseguimos manter o padrão. É um sinal de que a gente conseguiu alavancar sem perder qualidade.
M&C: Houve adaptações de produtos?
Renata: Quando a gente desenvolveu o delivery, as pessoas pediam muito a blooming onion, mas fizemos testes e a cebola não chegava na qualidade que a gente queria. Pensamos: é um carro-chefe, mas ela não vai chegar crocante, não vai chegar quentinha, então ela não vai chegar. Só na pandemia que acabamos lançando o produto, mas no formato de pétalas de cebola, separadas, porque conseguimos chegar na crocância que queríamos sem que isso tivesse impacto na apresentação. O nosso primeiro grande lançamento do delivery na pandemia foi coxinha de ribs, de costela. A coxinha é uma grande paixão nacional, assim como a costela, e representa um momento de descontração que tem tudo a ver com Outback. Então, a gente juntou nosso carro-chefe, que é a costela, com a coxinha, e foi um sucesso enorme. Isso nos mostrou o quanto as pessoas em casa estavam ávidas por novidades. A partir daí, lançamos fondue, chope em growler. Fomos mapeando a nossa própria jornada, como a gente estava vivendo em casa, do que sentia falta, como poderia surpreender os clientes, e de lá pra cá foram muitos lançamentos e muita reinvenção do negócio. Recentemente, lançamentos o gift card no varejo, no Carrefour. Então, se as pessoas não estão no varejo físico, no restaurante, mas estão no varejo Carrefour, a gente tem de estar lá, a marca tem de permanecer presente e relevante onde o cliente está. Nessa jornada de ser relevante onde a gente está, a gente lançou drive-thru, fez live, lançou pipoca Outback com o Cinemark. Agora, em todo lançamento nosso, o delivery é um canal fundamental. A gente inova já pensando no delivery e na ocasião de consumo.
M&C: Apesar desse ano turbulento, vocês abriram novos restaurantes do Outback. Como se planejaram para isso?
Renata: O restaurante do Shopping Morumbi [na zona sul da capital paulista], que será aberto na primeira quinzena de dezembro, já estava no nosso pipeline. É um shopping sobre o qual temos uma expectativa muito grande, porque tem muito fluxo. Além disso, estamos muito confiantes, também, nas últimas aberturas do ano. Teremos novos restaurantes em Bauru e Ribeirão Preto [interior de SP], Lauro de Freitas [BA], Canoas [RS] e Juiz de Fora [MG]. A gente vai concluir 2020 com 11 novas unidades e conseguimos manter os 12 mil colaboradores.
O delivery foi fundamental para manter o business ativo, o fluxo de caixa, a venda, a operação do restaurante, os produtos, o grande estoque que a gente tinha nos restaurantes na época do fechamento. Em todos os planos que fizemos, estivemos muito próximos da nossa matriz em Tampa [na Flórida, EUA], mostrando que essa era uma situação muito delicada e inesperada, mas que era temporária, e que a gente, como marca com 24 anos de Brasil, precisava continuar crescendo e se expandindo. No caso da unidade de Brasília, que teve a abertura adiada, claro que pensamos que seria complicado continuar pagando aluguel e tendo outros custos, mesmo com o restaurante fechado. Mas pensamos no médio e no longo prazo e em quanto a gente precisava continuar investindo na marca e acreditando que isso era temporário, ainda que o nosso setor tenha sido o mais afetado de todos. O delivery foi importante conseguir manter o negócio, mas, assim que sair a vacina ou qualquer outra solução, a marca precisa continuar crescendo.
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