Há pouco mais de um ano, escrevi um artigo sobre a reforma tributária, e agora volto a este tão importante tema para a economia, a população e os setores do comércio e da indústria no Brasil. A sanção do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68, de 2024, transformando-o na Lei Complementar nº 214/25, em janeiro deste ano, que regulamenta a maior parte da reforma tributária, foi um momento histórico após décadas de debate no Congresso Nacional; afinal, ela traz mudanças significativas na cobrança de impostos sobre o consumo.
No entanto, a sanção veio acompanhada de 17 vetos que geraram polêmica e reacenderam discussões sobre os impactos econômicos e sociais, contudo, sem mudar a essência da reforma. Dentre eses vetos, estão a exclusão de isenção para medicamentos adquiridos por entidades públicas e filantrópicas, a regra de IPVA para aeronaves e embarcações de luxo – já que, embora a reforma permita a cobrança do imposto pelos Estados, a decisão sobre a progressividade do tributo foi limitada, o que pode reduzir sua eficácia em combater desigualdades -, e a ampliação da desoneração para dispositivos médicos e produtos de saúde menstrual.
A criação do IVA dual, dividido entre a União (CBS), Estados e municípios (IBS), tende a simplificar a tributação sobre o consumo, mas a estimativa de uma alíquota entre 26,5% e 27,9% gera preocupação. Outra questão refere-se à guerra fiscal, com a cobrança do IVA no destino, e não na origem, que visa acabar com esta guerra entre os Estados. Isso resultará em mudança estrutural nos planejamentos das empresas com atuação nacional. Contudo, a região que depende de incentivos fiscais, como a Zona Franca de Manaus, teve um tratamento diferenciado.
Há, ainda, o chamado “imposto do pecado”, com a criação de um imposto seletivo sobre itens considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas, e a muito discutida aplicação dessa seletividade em bebidas açucaradas – em um país que é um dos maiores exportadores mundiais de açúcar. A medida visa desestimular o consumo desses produtos. No entanto, o setor produtivo critica a falta de clareza sobre os critérios de incidência e a possibilidade de aumento de custos para os consumidores.
Ainda temos a tributação de heranças e patrimônio, pois a reforma também estabelece a progressividade do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), incluindo a cobrança sobre heranças no exterior. A medida foi bem recebida por parte da sociedade, mas entidades empresariais temem aumento da complexidade tributária e da fuga de capitais.
Em linhas gerais, este é o atual cenário da LC 214/25. Mas quais serão os impactos e as perspectivas da reforma tributária para o varejo? Inicialmente, espera-se uma redução da carga tributária para determinados setores que comercializam bens tidos como essenciais, como medicamentos, itens da cesta básica e dispositivos médicos. Por outro lado, há uma expectativa de aumento da carga tributária para as bebidas alcoólicas e o setor de serviços.
Com relação aos créditos, eles serão apropriados em relação aos valores efetivamente pagos de IBS e CBS nas operações anteriores, com a possibilidade de restrição do crédito sobre o montante cobrado na etapa anterior nas hipóteses de operações desoneradas e também para os bens e serviços que não estejam relacionados ao desenvolvimento de atividade econômica por pessoa física caracterizada como contribuinte do regime regular, que serão considerados de uso ou consumo pessoal.
A reforma tributária também impactará as operações de logística, e acabarão os incentivos para a instalação de centros de distribuição em estados que ofereciam incentivos fiscais para tal, pois agora os planejamentos logísticos devem levar as operações para perto das regiões com maior consumo. E, para o e-commerce, a LC 214/25 prevê que as plataformas digitais que intermedeiem operações online ou controlem um ou mais dos elementos essenciais à operação (cobrança, pagamento, termos e condições ou entrega) sejam responsáveis pelo recolhimento dos tributos, caso o fornecedor seja domiciliado no exterior (solidariamente com o adquirente) ou não emita documento fiscal (solidariamente com o fornecedor).
Outra mudança importante será no Sistema Tributário Nacional, com fortes impactos em planejamentos tributários, variando de setor para setor e acarretando alguns desafios decorrentes da reforma, como possíveis dificuldades para recuperação de saldos acumulados de ICMS e PIS/Cofins, pluralidade de alíquotas, reduções de alíquotas de IBS e CBS aplicáveis a alguns produtos, prováveis entraves para apropriação futura de créditos de IBS e CBS, além do próprio desafio para a implementação dos impostos, com parametrização de sistemas, adequação das áreas contábeis e tributárias, revisão de estratégias de precificação, logística e distribuição.
Cabe aproveitar este artigo para um alerta às empresas de todo os portes para que se preparem para a implantação da reforma tributária, que terá o início da transição (substituição dos impostos PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI) em janeiro de 2026, com a aplicação de forma experimental da cobrança do CBS (0,9%) e IBS (0,1%), alíquotas que deverão ser destacadas nos documentos fiscais.
No ano passado, o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) atuou fortemente no tema reforma tributária, participando ativamente dos grupos de trabalho do governo federal, responsáveis pela elaboração dos PLPs e dando seu parecer na elaboração de emendas parlamentares para o PLP nº 68/24 durante sua fase de tramitação na Câmara dos Deputados e também no Senado Federal.
Neste ano, o IDV também estará presente nas próximas fases da implantação da LC 214/25 e continuará analisando e deliberando, junto ao Comitê Tributário do Instituto, as emendas parlamentares para aprimoramento de pontos estratégicos do PLP nº 108/24, em trâmite no Senado, que instituirá o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços.
Como mencionei no ano passado, a reforma tributária dará ao consumidor transparência no valor do imposto pago, que deverá estar destacado nas etiquetas de preço e nos documentos fiscais. Contudo, o sucesso ou o fracasso da reforma tributária dependerá de como serão implementadas as cobrança do IBS e CBS, um ponto nevrálgico ligado aos mecanismos de split de pagamento, que asseguram que os impostos sejam pagos no momento da transação, e ao cashback, que permitirá a devolução de parte dos impostos ao consumidor final de baixa renda. Isso deverá fazer com que mais empresas e pessoas paguem corretamente seus impostos, aumentando a base de arrecadação. Consequentemente, haverá maior cobrança sobre os órgãos governamentais para o uso adequado e eficaz desses recursos dos impostos e, quiçá, mais pagadores fariam com que todos pagassem uma tarifa menor de IVA.
O debate envolvendo a reforma tributária no Brasil avança e é um projeto de longo prazo a ser finalizado em 2032; e a cada passo, os stakeholders devem focar para alcançar a promessa de uma reforma tributária em uma realidade prática, justa e eficiente.
Jorge Gonçalves Filho é presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Agência Brasil