Durante muito tempo, a discussão sobre integração de canais foi travada sob uma ótica puramente técnica: APIs, ERPs, CRMs e fluxos logísticos. Mas o varejo evoluiu — e, com ele, a forma de enxergar essa integração. Hoje, a conversa mais relevante não é sobre sistemas, mas sobre coerência, afinal, integrar e-commerce com loja física não é criar dois caminhos paralelos; é desenhar uma única estrada — pavimentada com dados, empatia e propósito.
O consumidor não diferencia canais. Ele sente experiências. E a experiência coerente nasce quando o físico e o digital falam a mesma língua, com o mesmo tom, o mesmo cuidado e, principalmente, com a mesma intenção.
Estamos vendo uma transformação importante no papel da loja. Marcas inteligentes já entenderam que não basta apenas vender – elas têm que provocar, entreter, ensinar, cocriar.
Um bom exemplo é a Lego. Nessa loja, a experiência vai além da compra: o cliente monta o próprio brinquedo e pode digitalizar sua criação pelo app da marca. Já na Ikea, gigante sueca do setor de móveis e decoração, é possível planejar virtualmente os ambientes, explorar sugestões pela internet e concluir tudo com apoio presencial. É o digital potencializando o físico — e o contrário também.
Esses são exemplos de como a loja deixa de ser um canal transacional e passa a ser uma plataforma sensorial, emocional e social.
Outro exemplo admirável — e brasileiro — vem da RD (Raia Drogasil). A rede consegue conectar quase a totalidade de seus consumidores físicos à sua base digital. Isso não só permite personalizar recomendações com mais precisão, como também transforma cada ponto de contato em um momento de inteligência de dados. Mas tudo isso de forma transparente e não invasiva.
É a personalização sem fricção. A que acontece com contexto, e não com insistência. Que enriquece a jornada — e não a interrompe. Mas isso vai além do sistema e da operação. Ela atinge a cultura da marca. Marcas como a Apple transformaram suas lojas em espaços vivos, com workshops, encontros comunitários e experiências que fortalecem o senso de pertencimento.
Enquanto isso, o digital cuida da logística, da conveniência e da conexão permanente. É o bastidor silencioso que sustenta todo o espetáculo do mundo físico. E isso tudo, empoderado pela tecnologia, sempre como aliada, e não como fim ou protagonista da jornada.
Na Walmart, a tecnologia Sidekick apoia os vendedores com Inteligência Artificial, ajudando-os a priorizar tarefas e antecipar necessidades. O impacto? Menos tempo no estoque. Mais tempo com o cliente.
Esse é o caminho: tecnologia que liberta o humano, em vez de tentar replicá-lo. Integração inteligente é aquela que valoriza o que só o humano pode oferecer: empatia, escuta ativa e improviso com propósito.
Para marcas que ainda enfrentam desafios na integração entre canais, é fundamental começar com uma direção clara. Isso exige refletir sobre algumas questões estratégicas, que devem anteceder qualquer decisão tecnológica. A primeira delas é: qual é o verdadeiro papel da loja física dentro da estratégia da marca? Ela existe apenas para vender, ou também para se tornar um ponto de relacionamento e inspiração?
A resposta a essa pergunta deve orientar o uso da tecnologia, e não o contrário. Em seguida, é preciso mapear onde o cliente sente fricção na jornada. Em vez de tentar integrar tudo de uma só vez, o mais eficaz é resolver primeiro os pontos que quebram a experiência. Por fim, é importante avaliar se a loja está apenas operando como canal de venda ou se está também gerando dados relevantes. Cada interação presencial representa uma oportunidade valiosa de capturar sinais que podem alimentar a inteligência do negócio e enriquecer toda a operação omnichannel.
A loja física nunca deve ser considerada um custo fixo. Ela é um ativo vivo de branding, relacionamento e dados. A diferença é que, agora, ela precisa ser pensada como parte de uma jornada fluida e contínua — uma jornada onde cada canal soma, amplia e aprofunda a experiência do cliente.
No fim do dia, integrar não é sobre sistemas: é sobre coerência. E coerência, no varejo de hoje, vale tanto quanto conversão.
Lyana Bittencourt é CEO do Grupo Bittencourt.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato