Contrariando generalizadas recomendações dos mais diversos setores econômicos, o governo acaba de anunciar um amplo programa de estímulo ao mercado.
Esta ação busca reverter o estado de letargia em que o país se encontra, mergulhado nesse “apagão” que teve inicio pouco antes da Copa do Mundo e deve perdurar, pelo menos, até as eleições de outubro. Os resultados das eleições são muito importantes para definir o rumo que a situação irá tomar, tanto para o bem, quanto para o mal.
O programa é a única alternativa disponível, na visão do governo, para tentar suscitar um mínimo de reação no mercado que possa reverter o quadro de desconfiança generalizada e cautela que se alastrou pelo país na esteira da constatação do que o que precisava ser feito não foi.
E ainda, o que está sendo prometido é mais do mesmo, com pouca ou nenhuma possibilidade de ser, de fato, implementado. E para piorar, em final de governo, até o cafezinho é servido frio e requentado.
Como temos discutido exaustivamente, a evolução do consumo no Brasil nos últimos dez anos foi resultado da mais importante mudança estrutural vivida pelo país. Falamos, principalmente, da transformação de um contingente de perto de 50 milhões de brasileiros, que apenas gravitavam em torno do real mercado, em consumidores e cidadãos de fato, ascendendo à classe média.
Os estímulos e isenções oferecidos pelo governo em diversos momentos, alguns particularmente importantes, como a redução do IPI para automóveis e outros bens duráveis no início de 2010, também contribuíram para criar momento e aquecimento de demanda.
Mas, como temos insistido, a conjugação virtuosa de aumento de renda, emprego, crédito e confiança do consumidor foram fatores determinantes dessa mudança e, consequentemente, da expansão do consumo.
Privilégios históricos
Porém, o fato mais marcante, causando mesmo muita surpresa, é a insistência histórica no privilégio concedido ao setor industrial automobilístico, habitualmente contemplado com benefícios fiscais ou de crédito nesses programas de estímulo ao mercado e ao consumo.
É preciso reconhecer que, considerando a estrutura fiscal e tributária existente no país, todos os setores econômicos, e em especial os segmentos competitivos da indústria de transformação, deveriam ser contemplados com programas de estímulos.
Por que a insistência em concentrar, ou ao menos iniciar, programas de incentivos pela indústria automobilística, um setor que emprega, em sua totalidade,153 mil pessoas, quando apenas uma única empresa do setor varejista emprega mais de 160 mil colaboradores?
É inegável a competência das lideranças do setor automobilístico em demonstrar suas dificuldades, que aliás são similares a todas as empresas do setor privado brasileiro. É fato que os vínculos históricos dos sindicatos patronais e dos empregados do setor com os partidos que apoiam o governo devem criar um maior e mais amplo diálogo.
É verdade que a organização, a experiência e a capacidade de articulação de um setor predominantemente composto por conglomerados globais com experiente capacidade de articulação cria uma certa “vantagem competitiva” na discussão de suas necessidades.
Lembrando que recentemente foram criados importantes mecanismos de atração de novas plantas industriais de marcas globais no setor automobilístico, que fez com que o Brasil tenha hoje se não o maior, um dos maiores parques industriais de marcas no setor, o que pode ter criado esse sentimento de que o governo é devedor por essa política de atração.
O fato é que talvez a carga de atenção ao setor automobilístico seja desproporcional à representatividade econômica e social do mesmo. Insistimos que não somos absolutamente contra a redução de qualquer estímulo ou benefício a esse setor, mas apenas que exista uma distribuição equânime dessa atenção e, preferencial e prioritariamente, que ela atenda à contribuição setorial em termos de emprego, impostos e representatividade econômica.
Por Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.