Americanas: empresa diz que foi vítima de fraude de resultados pela antiga diretoria

A MERCADO&CONSUMO refaz o percurso desde a primeira denúncia do rombo contábil até a operação deflagrada pela PF

Americanas: empresa diz que foi vítima de fraude de resultados pela antiga diretoria

A Americanas informou em nota que foi vítima de fraude de resultados cometida pela antiga diretoria da companhia e que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso. Na manhã desta quinta-feira, 27, a Polícia Federal (PF) cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisão contra ex-diretores da empresa no Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), há evidências que sugerem a ocorrência de crimes como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, formação de associação criminosa e lavagem de dinheiro.

“A Americanas reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”, informou a companhia na íntegra do comunicado.

A investigação, baseada em delação premiada, envolve o ex-CEO Miguel Gutierrez. Por ordem da Justiça Federal, foram bloqueados bens e valores da antiga diretoria que ultrapassam R$ 500 milhões.

Entenda como a crise da Americanas virou caso de Polícia

Em uma análise preliminar, a área contábil da companhia estimou que os valores das inconsistências em lançamentos contáveis eram de cerca de R$ 20 bilhões na data-base de 30 de setembro de 2022. Entre as inconsistências, havia operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem acima, nas quais a Americanas é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras de 30 de setembro do ano passado.

A informação foi levada aos acionistas em fato relevante. O rombo nas contas de uma das maiores varejistas do País veio a público em 11 de janeiro. Na mesma data, o então presidente Sergio Rial e o diretor de Relações com Investidores, André Covre, decidiram deixar os cargos assumidos 10 dias antes. O conselho de administração nomeou interinamente João Guerra para diretor-presidente e diretor de Relações com Investidores.

Rial afirmou que a inconsistência no balanço se relaciona a “risco sacado que não era lançado como dívida” e que os R$ 20 bilhões eram a melhor estimativa do que se viu em 9 anos, não chancelados por auditoria. A CVM abriu o terceiro processo administrativo para apurar as falhas contábeis da Americanas.

A Americanas obteve na Justiça proteção contra credores que queriam antecipar o pagamento de dívidas e deu 30 dias para a companhia entrar com pedido de recuperação judicial, o que aconteceu em 19 de janeiro. Com o pedido de recuperação judicial, a defesa da empresa solicitou que BV, Bradesco, Itaú e Safra devolvessem os recursos que bloquearam em contas da varejista  no valor de R$ 250 milhões “de forma ilícita, arbitrária e ilegítima”.

Apenas no dia 23, o trio de sócios da rede – formado pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que possuíam 31% do total de ações – se manifestou publicamente e em conjunto sobre a crise da companhia. Eles afirmaram que, desde que a existência de “significativas inconsistências em sua contabilidade”, “vários esforços vêm sendo feitos para o correto tratamento dos desafios que hoje se colocam à empresa”. O trio afirmou, ainda, que “jamais” teve conhecimento e “nunca admitiria” manobras ou dissimulações contábeis na companhia.

Americanas entrou com pedido de extensão judicial aos Estados Unidos no dia 25. No dia seguinte, os bancos credores manifestaram a intenção de responsabilizar os acionistas da companhia, que rebateu, falando em efeitos catastróficos. No varejo, prateleiras vazias e fios expostos em lojas da Americanas refletiam crise aos consumidores. A rede fechou o mês de janeiro com 4 meses de estoque.

A Americanas contratou Cristiano Zanin, advogado do presidente Luís Inácio Lula da Silva no processo da Lava-Jato, para defendê-la. O mês começa com protestos sindicais e de trabalhadores. Funcionários terceirizados das lojas em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul são os primeiros a serem dispensados.

Em um documento judicial, a Americanas acusou o BTG Pactual de “participação, conivência e culpa” no rombo contábil de R$ 20 bilhões que levou à crise na empresa. Segundo os defensores da Americanas, em 2021, a PwC pediu ao BTG informações sobre os ativos da empresa e “todo e qualquer passivo, incluindo-se eventuais empréstimos bancários e garantias”. O BTG não informou qualquer passivo, afirmou a defesa da rede de lojas, e possivelmente havia consideração a operação de ‘risco sacado’ como sendo meramente comercial, e não uma dívida financeira.

A Americanas afasta, em 3 de fevereiro, seis executivos e diretores da área financeira e contábil da companhia e de suas controladas para evitar que eles “contaminem” as investigações sobre o rombo bilionário. Os executivos estavam ligados à Miguel Guiterrez, que ficou na varejista por 30 anos, dos quais 20 anos como CEO.

Carlos Alberto Sicupira, sócio de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, é apontado como o principal tomador de decisões entre o trio de sócios bilionários e a voz por trás das decisões de Miguel Gutierrez.

A Americanas devolveu 20% dos galpões utilizados para o e-commerce. Em 2022, a Americanas chegou a ocupar 830 mil m² em condomínios. Desse total, a empresa devolveu quase 20%. Foram desocupados 159 mil m² distribuídos entre Betim (MG), Resende (RJ), Cajamar (SP) e Ribeirão Preto (SP).

Americanas pede e Justiça autoriza, em 1º de março, a Americanas a quitar 100% de suas dívidas trabalhistas, que somavam R$ 192,4 milhões.

Deputados tentam emplacar CPI das Americanas. Solicitação é protocolada pelo deputado do PP André Fufuca (MA), no dia 9.

O juiz Paulo Assed Estefan, titular da 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, determinou o fim do sigilo envolvendo os processos relativos à recuperação judicial da Americanas e também liberou o detalhamento de um financiamento especial que a rede de varejo busca, conhecido como DIP.

No dia 16, o ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez depôs à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no centro do Rio. Ele era o maior acionista individual da companhia depois dos três acionistas de referência. No dia 20, o TJSP aceitou em parte, pedido do Bradesco em ação contra a Americanas e marcou para 27 de abril os depoimentos dos ex-CEO da varejista Miguel Gutierrez e Sérgio Rial e do ex-diretor financeiro André Covre.

O presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) detectou inconsistência na lisura da prestação de informações sobre remuneração de Sérgio Rial pela Americanas. Apesar de ter sido empossado em janeiro, Rial prestava serviços à varejista no ano passado, ao mesmo tempo em que acumulava funções no Santander.

No dia 3, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou busca e apreensão de dados de executivos da Americanas, excluindo as mensagens trocadas entre os diretores da varejista e seus advogados para preservar o sigilo garantido por lei.

Afastado do cargo desde 3 de fevereiro, o diretor-executivo da Americanas, José Timotheo de Barros, renunciou ao cargo, por meio de um comunicado, no dia 2 de maio.

No dia 5, a Americanas comunica o primeiro adiamento da divulgação do balanço do primeiro trimestre de 2023, previsto para o dia 11.

A Câmara dos Deputados instalou, no dia 17, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o rombo contábil registrado na Lojas Americanas.

No dia 5, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acusa o ex-CEO Sergio Rial e João Guerra Duarte Neto, diretor de Relações com Investidores, de responsabilidade no rombo de R$ 20 bilhões no caixa da Americanas.

No dia 13, o relatório apresentado pelos assessores jurídicos da administração indicou que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior:

No dia seguinte à divulgação do relatório, a Americanas afirmou que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até o dia 30 de setembro de 2022.

A companhia publicou edital com lista de credores e subsidiárias no dia 19 e, no fim do mês, entra com pedido na Justiça para que suas operações deixem de ser vigiadas por credores.

Americanas troca auditoria independente. A BDO é contrata para auditar as demonstrações financeiras do exercício de 2022 e refazer as demonstrações financeiras do exercício social de 2021, bem como a revisão das demonstrações financeiras do exercício social iniciado em janeiro de 2023.

A varejista demite 1.404 trabalhadores na semana de 17 a 24 de julho como parte de um plano de reestruturação.

Chamado a depor na CPI da Americanas no dia 1º, o ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, apresentou um atestado médico para não se apresentar à comissão.

KPMG e PWC, que prestaram consultoria a Americanas no período que levou ao rombo de R$ 20 bilhões, enviaram representantes à audiência pública da CPI. A KPMG afirmou que as acusações feitas contra ela não eram verdadeiras e a PWC buscou se proteger com as regras de auditoria. Para a Americanas, os depoimentos das consultorias corroboraram evidências de fraude de gestão cometida pela antiga diretoria da companhia.

No dia 8, o ex-diretor da Americanas, José Timotheo de Barros, compareceu com habeas corpus que garantiu silêncio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

O procurador do Ministério Público Federal, José Maria Panoeiro, responsável pela investigação da fraude contábil na Americanas, disse à CPI que havia negociações em curso para acordos de delação premiada na condução das investigações. Panoeiro atuou na investigação do empresário Eike Batista.

Em depoimento à CPI, no dia 15, Marcio Cruz afirmou que, nos 28 anos em que trabalhou na companhia, não foi responsável pela área contábil e financeira da varejista.

A companhia divulgou, no dia 11, que o arquivo digitalizado com anotações de próprio punho de Miguel Gutierrez, localizadas em equipamento eletrônico da companhia por ele utilizado, apontaram a existência de duas versões dos demonstrativos da Americanas, uma de uso interno da antiga diretoria e outra destinada ao Conselho de Administração. O e-mail enviado por Miguel Gutierrez aos ex-diretores tem orientações para que não fossem levadas, em reunião com Sérgio Rial, respostas a dúvidas sensíveis em relação ao quarto trimestre e endividamento da companhia.

No dia 22, Justiça nega pedido de suspeição de perícia em processo do Bradesco e adverte Americanas contra novas tentativas de suspender o processo.

CPI da Americanas se encaminhava para um final inconclusivo, com apresentação de relatório sem responsáveis pelas fraudes e sem a convocação do trio de sócios da empresa.

Americanas desligou 1.131 funcionários, sendo 639 pedidos de demissão, e fechou 21 lojas entre agosto e setembro de 2023.

Americanas apresenta proposta de capitalização de R$ 12 bilhões e consegue evoluir em negociações com credores.

B3 suspende direito de Americanas a selo de Novo Mercado e multa 22 pessoas da administração.

Neste mês, a companhia começou a divulgar as demonstrações financeiras revisadas:

No dia 16, a Americanas reconheceu um rombo de R$ 25,2 bilhões como resultado de fraudes contábeis ao caixa da empresa. O balanço saiu sem o aval da BDO RCS, empresa de auditoria contratada pela Americanas para fazer a análise dos seus números.

No final do mês, a Americanas fecha acordo para capitalização de R$ 24 bilhões e com bancos e acionistas para a injeção de R$ 12 bilhões.

A Americanas desliga mais 5.526 trabalhadores na semana de 27 de novembro a 3 de dezembro. Após assembleia de 6 horas, credores aprovam plano de recuperação judicial da Americanas no dia 20.

Em um ano de crise, Americanas perdeu 93% do valor de mercado e demitiu 5 mil pessoas. A fraude contábil que levou a Americanas à recuperação judicial há um ano teve um custo de, pelo menos, R$ 14,2 bilhões.

Nos nove primeiros meses de 2023, as receitas da Americanas caíram 45,1% em relação ao mesmo intervalo de 2022, para R$ 10,293 bilhões. A queda foi puxada pelos canais online da companhia, que viram a receita encolher 79,2% no mesmo período, para R$ 1,898 bilhão. Houve um choque de confiança: os consumidores passaram a temer que os produtos não fossem entregues, e os vendedores, que não fossem receber os repasses pelas vendas que fizeram.

A empresa anunciou prejuízo de R$ 1,621 bilhão no terceiro trimestre, 17,8% menor do que a perda de R$ 1,972 bilhão um ano antes, número já corrigido em relação aos R$ 212 milhões de prejuízo que originalmente a empresa tinha anunciado.

A Americanas começou a pagar seus fornecedores e voltou a conseguir prazo para novas encomendas com essas empresas – incluindo grandes indústrias, que são seus tradicionais parceiros comerciais. Ao todo, 500 empresas aderiram à categoria de “credor fornecedor colaborar”, estabelecida pelo plano de recuperação judicial, que terão condições especiais para reaver dívidas e já começaram a receber recursos, de um total de R$ 4 bilhões reservados.

O colegiado da CVM rejeitou, no dia 26, os acordos propostos por Sergio Rial e João Guerra, ex-diretor de Relações com Investidores. Rial propôs pagar R$ 1,280 milhão, sendo R$ 680 mil correspondente à imputação de inobservância, em tese, do dever de sigilo, e o valor de R$ 600 mil correspondente à imputação de inobservância, em tese, do dever de informar. Guerra, por sua vez, comprometeu-se a pagar o valor de R$ 600 mil.

A Americanas emitiu um comunicado sobre demanda societária, no qual anunciou que o valor do requerimento de arbitragem oferecido pelo Instituto Empresa terá uma demanda inicial de R$ 32 bilhões. O instituto atua como substituto processual no pedido, representando aproximadamente 500 investidores, e requer o ressarcimento da integralidade dos prejuízos causados pelas fraudes contábeis na varejista.

A Americanas divulgou indicadores financeiros gerenciais, não auditados, que refletem o desempenho operacional em 2023 e no primeiro trimestre de 2024. A receita líquida somou R$ 14,940 bilhões em 2023 e R$ 3,759 bilhões nos três primeiros meses de 2024.

No dia 27, a Polícia Federal realiza a Operação Disclosure, fruto da investigação sobre as fraudes contábeis supostamente cometidas por ex-diretores da Americanas.

Imagem: Shutterstock

Sair da versão mobile