O fim da jornada 6×1: análise jurídica atualizada e reflexos para o empregador e o mercado

O fim da jornada de trabalho 6x1 no Brasil: análise jurídica atualizada e reflexos para o empregador e o mercado de trabalho

A jornada de trabalho no regime 6×1, em que o trabalhador labora seis dias consecutivos e descansa um, é uma prática consolidada em diversos setores da economia brasileira. No entanto, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) recente tem gerado debates acalorados sobre a viabilidade desse modelo. Encampada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), a PEC visa reduzir a jornada semanal de trabalho sem redução salarial, alterando significativamente a dinâmica laboral no país. Este artigo analisa, sob a ótica do empregador e com embasamento jurídico, os impactos potenciais do fim da jornada 6×1, o estágio atual da PEC em tramitação e os reflexos no mercado de trabalho brasileiro.

1. Contexto legal e histórico da jornada 6×1

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 67, assegura a todo empregado um repouso semanal remunerado de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos, posição posteriormente revista pela Lei 11.603/2007, para ser obrigatoriamente uma vez no período máximo de três semanas aos domingos, respeitando ainda as demais normas de proteção ao trabalho e outras estipuladas em negociação coletiva. A jornada 6×1, portanto, está legalmente embasada e é amplamente utilizada para atender às necessidades operacionais de empresas que demandam funcionamento contínuo.

Historicamente esse modelo permitiu flexibilidade na organização das escalas de trabalho, equilibrando as demandas empresariais com os direitos dos trabalhadores. No entanto, as mudanças sociais e econômicas recentes têm levado a questionamentos sobre a adequação desse regime às necessidades atuais dos trabalhadores, especialmente no que tange à qualidade de vida e ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

2. A Proposta de Emenda à Constituição e o movimento VAT

A PEC proposta pelo movimento VAT, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), visa alterar a redação do artigo 7º, XIII da Constituição Federal para introduzir a redução da jornada padrão de trabalho das atuais 44 horas para 36 horas semanais, distribuídas em quatro dias de trabalho com três de folga. Essa mudança substituiria a escala 6×1 ou 5×2 pela escala 4×3.

O movimento ganhou força nas redes sociais e obteve significativo apoio popular, com uma petição que reuniu cerca de 2,8 milhões de assinaturas. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) encampou a proposta e, em conjunto com outros parlamentares, conseguiu reunir as 171 assinaturas necessárias para a tramitação da PEC na Câmara dos Deputados.

3. Estágio atual da PEC

A PEC do fim da escala 6×1, ao obter o número mínimo de assinaturas, foi protocolada e iniciou seu trâmite legislativo. A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) quanto à sua admissibilidade. Se considerada admissível, será criada uma Comissão Especial para discutir o mérito da PEC.

Para ser aprovada, a PEC precisa ser votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, obtendo, em cada turno, o apoio de três quintos dos parlamentares (308 votos na Câmara e 49 no Senado).

4. Principais Pontos da PEC

• Redução da jornada semanal: a jornada padrão passaria de 44 para 36 horas semanais, sem redução salarial.
• Escala 4×3: a distribuição das horas seria feita em quatro dias de trabalho e três dias de folga.
• Período de adaptação: as empresas teriam um prazo de 360 dias para se adequarem às novas regras.

5. Impactos jurídicos e operacionais para o empregador

A aprovação da PEC traria mudanças profundas nas relações de trabalho:

• Reorganização das escalas de trabalho: as empresas teriam que adaptar suas operações à nova escala 4×3, o que pode implicar em alterações significativas nos horários de funcionamento e na logística operacional.
• Aumento de custos: com a manutenção dos salários e a redução da jornada, o custo da hora trabalhada aumentaria. Além disso, pode haver necessidade de contratar mais empregados para manter a produtividade, elevando os encargos trabalhistas.
• Revisão de contratos e acordos coletivos: seria necessário revisar contratos individuais de trabalho e renegociar acordos e convenções coletivas para adequação à nova legislação.
• Risco de passivos trabalhistas: a não adaptação às novas regras dentro do prazo legal pode gerar ações trabalhistas e autuações por parte dos órgãos fiscalizadores.

6. Reflexos no mercado de trabalho

A proposta pode gerar impactos variados no mercado de trabalho:

• Geração de empregos: defensores da PEC argumentam que a redução da jornada pode criar até 6 milhões de postos de trabalho, segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
• Aumento de produtividade: com mais tempo livre, os trabalhadores podem apresentar melhor saúde mental e maior produtividade, beneficiando as empresas.
• Riscos de inflação e desemprego: críticos apontam que o aumento do custo por hora trabalhada pode levar ao repasse desses custos aos preços finais, gerando inflação. Além disso, empresas podem optar por reduzir o quadro de funcionários ou recorrer à informalidade.
• Competitividade internacional: há preocupação de que o aumento dos custos trabalhistas reduza a competitividade das empresas brasileiras no mercado global.

7. Análise jurídica dos argumentos pró e contra

• A favor da PEC:

• Contra a PEC:

8. Estratégias para os empregadores

Diante do cenário de possíveis mudanças, os empregadores podem adotar algumas medidas:

• Planejamento financeiro: realizar análises de impacto financeiro para antecipar os efeitos da redução da jornada e ajustar orçamentos.
• Investimento em tecnologia e produtividade: adotar tecnologias que aumentem a eficiência operacional, compensando a redução de horas trabalhadas.
• Negociação coletiva: dialogar com sindicatos e representantes dos trabalhadores para buscar soluções que atendam aos interesses de ambas as partes.
• Revisão de processos internos: otimizar processos e eliminar desperdícios para manter a produtividade com menor carga horária.

9. Considerações sobre a obrigatoriedade das folgas aos domingos

Embora a PEC não trate especificamente da obrigatoriedade das folgas aos domingos, é importante lembrar que a legislação atual prevê:

• Concessão do repouso semanal remunerado aos domingos: conforme a Lei nº 11.603/2007, o descanso semanal remunerado deve coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de três semanas.
• Flexibilidade mediante acordo coletivo: a legislação permite que, por meio de acordos ou convenções coletivas, sejam estabelecidas regras específicas para determinados setores.

Os empregadores devem continuar observando essas disposições legais, garantindo que as folgas aos domingos sejam concedidas conforme exigido, independentemente das mudanças propostas pela PEC.

10. Conclusão

A discussão sobre o fim da jornada de trabalho 6×1 no Brasil e a proposta de redução da jornada semanal para 36 horas sem redução salarial transcende o âmbito jurídico e econômico, inserindo-se em um contexto mais amplo de transformação social e redefinição das relações laborais no século XXI. Esta questão reflete uma busca crescente por equilíbrio entre vida profissional e pessoal, qualidade de vida e valorização do bem-estar dos trabalhadores, temas que ganham relevância em sociedades modernas e globalizadas.

Do ponto de vista econômico, a implementação de uma jornada reduzida apresenta desafios significativos para os empregadores. Há preocupações legítimas sobre o aumento dos custos operacionais, a competitividade das empresas no mercado internacional e os possíveis efeitos inflacionários decorrentes do aumento do custo da hora trabalhada. No entanto, é preciso considerar que a evolução tecnológica e a automação oferecem oportunidades para ganhos de produtividade que podem compensar a redução das horas de trabalho. Empresas inovadoras têm a chance de repensar processos, investir em eficiência e criar modelos de negócios sustentáveis que valorizem o capital humano.

Socialmente, a redução da jornada de trabalho tem o potencial de gerar impactos positivos significativos. Com mais tempo livre, os trabalhadores podem investir em educação, capacitação profissional, atividades culturais e de lazer, fortalecendo o desenvolvimento pessoal e a coesão social. A melhoria da saúde mental e física, decorrente de uma carga de trabalho mais equilibrada, pode refletir-se em menores índices de absenteísmo, menor rotatividade e maior engajamento no ambiente de trabalho.

A experiência internacional oferece insights valiosos. Países que adotaram jornadas reduzidas, como a Islândia e a Nova Zelândia, observaram melhorias na produtividade e na satisfação dos trabalhadores. Esses casos demonstram que é possível conciliar interesses econômicos e sociais, desde que haja planejamento, investimento em tecnologia e políticas públicas de apoio.

Para os empregadores brasileiros, o momento exige uma visão estratégica e de longo prazo. Adaptar-se às mudanças propostas não é apenas uma questão de cumprir a lei, mas de antecipar tendências e posicionar-se de forma competitiva em um cenário global em transformação. Isso implica em investir em inovação, capacitação dos empregados e em práticas de gestão que valorizem o bem-estar e a produtividade.

É fundamental que haja um diálogo aberto e construtivo entre governo, empresas, sindicatos e sociedade civil. A construção de soluções colaborativas pode mitigar os riscos e maximizar os benefícios da transição para um novo modelo de jornada de trabalho. Políticas de incentivo, apoio à inovação e programas de qualificação profissional podem facilitar esse processo.

Em suma, a proposta de fim da jornada 6×1 e a redução da jornada semanal representam uma oportunidade para repensar o modelo de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Trata-se de uma chance para promover um crescimento mais inclusivo, sustentável e alinhado com as aspirações de uma sociedade que valoriza o equilíbrio, a saúde e o bem-estar de seus cidadãos.

A complexidade do tema requer uma abordagem multidisciplinar e sensível às particularidades do contexto brasileiro. Embora os desafios sejam significativos, os potenciais benefícios em termos de qualidade de vida, produtividade e coesão social justificam um debate aprofundado e a busca por soluções inovadoras. O futuro do trabalho está em constante evolução, e a capacidade de adaptação e inovação será determinante para o sucesso das empresas e o bem-estar da sociedade como um todo.

Valéria Toriyama e Ana Paula Caseiro Camargo são advogadas do Caseiro e Camargo Advocacia Estratégica.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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