Produtos “arco-íris” concentram doações e não publicam resultados

Estudo inédito mapeia comunicação de produtos compre&doe do mercado brasileiro

Produtos “arco-íris” concentram doações e não publicam resultados

Já entrou no calendário: o mês de junho é marcado por ações de mídia, publicidade e conteúdo voltadas para o público LGBTQIA+. A data relembra a revolta de Stonewall, em 1969, quando manifestações espontâneas ocorreram após a invasão por policiais a um bar frequentado por pessoas homossexuais em Nova York, e marcou o início de uma revolução na forma como esta comunidade se apresenta — com orgulho.

O arco-íris, símbolo desta causa, se espalha por sites e perfis de pessoas e marcas nas redes sociais, na imprensa e em outros canais. E chega também aos produtos vendidos nas lojas físicas e ecommerces, muitas vezes aliados a mecânicas de doação para organizações da sociedade civil que fortalecem, fazem advocacy e acolhem populações LGBTQIA+ vulneráveis.

Parece uma ótima ideia — e é! Aliar consumo e doação para causas é o que caracteriza os produtos sociais. Por sua proximidade com ações de marketing (afinal, envolve um ganho de imagem para a marca ao se aliar a práticas solidárias), a comunicação é parte fundamental dessa equação. Mas nessas campanhas também geralmente percebem-se falhas na mensagem, que resultam em uma experiência incompleta para o consumidor.

Para entender melhor como as marcas brasileiras estão construindo seus produtos sociais, o Instituto MOL desenvolveu o Guia MOL de Produtos Sociais, um estudo inédito que avalia 50 iniciativas do tipo lançadas entre janeiro de 2020 e julho de 2021, que pode ser baixado gratuitamente aqui. A pesquisa investiga a comunicação da mecânica de doação (geralmente expressa por um percentual destinado), a apresentação da causa e do produto, os resultados alcançados e a disposição em tirar dúvidas dos consumidores.

A causa LGBTQIA+ foi escolhida por um terço das marcas — a maior fatia observada — e se espalha por diferentes setores da economia: vestuário, bebidas, alimentos, cosméticos, móveis e até bicicletas. Apesar do apelo, só uma delas atingiu a pontuação máxima (5 estrelas), e metade das campanhas pontua entre 1 e 3 estrelas.

O maior gargalo enfrentado pelas iniciativas é a prestação de contas. Nenhum produto obteve nota máxima, e 43% deles zerou o quesito. Na prática, isso significa que o consumidor não sabe dizer quanto foi arrecadado e nem o que foi feito com este recurso.

A pesquisa também apontou que a maior parte das doações se concentra na cidade de São Paulo, que ostenta uma das maiores paradas do orgulho LGBTQIA+ do mundo — mais especificamente, em uma organização. A Casa 1, ONG de cultura e acolhimento localizada na região central da cidade, foi o destino de um quarto das campanhas avaliadas.

A maior parte dos produtos e ações são edições especiais, criadas para a ocasião, e 25% correspondem a doações transacionais com período fechado. Ou seja, passado o mês de junho, são poucos os arco-íris que continuam a enfeitar as gôndolas e posts das redes sociais, e as organizações contam com poucas opções de financiamento via produtos sociais no resto do ano.

Apesar dos dados pouco animadores, é preciso reconhecer o esforço das marcas em experimentar o formato e trazer visibilidade à causa. O esforço de conscientização é relevante e o saldo é positivo em termos de imagem, já que 89% dos consumidores dizem que promover doações melhora a reputação da marca, segundo a pesquisa Varejo com Causa, publicada em 2021.

Porém, é impossível não pensar nas acusações de maquiagem social (ou social washing) em campanhas que se comunicam de forma incompleta. Dados sobre a condições da cadeia produtiva e a mensuração do impacto social que as doações geraram são difíceis de serem apurados, e o consumidor provavelmente teria dificuldade em chegar sozinho até eles. Pesa também a necessidade de uma prática coerente com o discurso: não adianta forçar uma bandeira que não encontra respaldo na atuação interna da empresa.

Por isso, a comunicação da marca deve ser impecável nestas situações. A melhor maneira de mostrar que seu produto é relevante e impactante, e não apenas uma estratégia de marketing, é contar ao cliente, com todas as letras, tudo que ele precisa saber. Fazer um esforço contínuo de engajamento e transparência, que ultrapasse os meses coloridos, demonstra maturidade e compromisso com a causa.

Os produtos sociais são uma solução muito sofisticada de engajamento social que têm implicações para diversos atores da sociedade. A marca ganha em imagem e em metas ESG, a organização capta mais recursos para a execução de seus projetos, e o consumidor tem contato com um universo solidário ainda distante de 34% dos brasileiros, que não realizaram nenhuma doação em 2020, segundo a Pesquisa Doação Brasil.

Mais do que um design impecável, é preciso trazer mais cores para a vida da população LGBTQIA+, especialmente às mais vulneráveis. A doação tem o poder de acelerar essa transformação — que pode começar pelo comprometimento da sua marca.

Vanessa Henriques é gerente executiva do Instituto MOL.
Imagem: Shutterstock

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