Em plena pandemia, com mais de 100 lojas fechadas, em julho de 2020, a grife de roupas Reserva crescia dois dígitos. Ao assumir o slogan “O foguete não dá ré” e pensar na abertura de capital para continuar a expansão, Rony Meisler, fundador e CEO da marca, foi provocado: “por que não juntar com a Arezzo?”
Esse foi o início da negociação com a Arezzo, que movimentou R$ 715 milhões e completou um ano no dia 23 de outubro. “Combinamos um planejamento estratégico para Ar&Co, que é o nome que o grupo Reserva recebeu naquele momento, de cinco entregas para 2021, e já entregamos todas até outubro. A companhia cresce a passos largos e estamos prontos para os próximos passos que virão”, conta Meisler, em entrevista exclusiva ao portal Mercado&Consumo.
Com 55 próprias e 46 franquias, a Reserva planeja dobrar de tamanho nos próximos três anos fisicamente. No digital, o crescimento é “ilimitado”, segundo Meisler. “Antes da pandemia, quase 20% do nosso faturamento era digital e hoje são 56%. Ou seja, o nosso negócio hoje é digital”, afirma. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por ele à plataforma:
Mercado&Consumo: Você poderia contar sobre o começo da Reserva, que foi fundada no início dos anos 2000 e se popularizou pelas camisetas criativas, quase sempre associadas a uma causa?
Rony Meisler: A Reserva nasce em 2006, fruto de uma brincadeira em uma academia de ginástica entre mim e o Fernando [Sigal], meu amigo de infância e sócio até hoje. Eram cinco homens usando a mesma bermuda, com a mesma cor e a mesma estampa. Na nossa brincadeira, aquilo era um problema de demanda reprimida ou de demência coletiva, com todo mundo usando a mesma roupa sem perceber. Por isso, chamamos esse de o Dia D da marca.
Decidimos fazer a primeira bermuda. Achamos um fornecedor em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e praticamente viramos sacoleiros, vendendo na mala do carro, na academia, na faculdade. Depois, fizemos uma coleção de camisetas e começamos a história da marca. Completamos 15 anos em setembro, de uma marca que começou com o próprio capital, com R$ 3 mil meus e R$ 3 mil do Fernando.
Mercado&Consumo: Você é formado em Engenharia de Produção. Como foi essa transição para o mundo da moda?
Rony Meisler: Eu brinco que a Reserva foi praticamente meu primeiro emprego porque eu trabalhei por dois anos na Accenture, um deles quando ainda estava na faculdade. Saí de lá quando aconteceu esse episódio da academia. Eu digo que abandonei a Accenture, mas não a Engenharia, porque ela me deu a base técnica, o raciocínio lógico e toda a parte de planejamento. Eu digo que esse foi um equívoco muito bem-vindo na minha vida porque até hoje uso na gestão do meu negócio.
Mercado&Consumo: Como foi o processo de construção da parceria com a Arezzo? E qual a importância da Arezzo para a Reserva hoje?
Rony Meisler: Foi muito doido porque foi no meio da pandemia. A Reserva sempre foi uma marca muito guiada pelo propósito. Os projetos sociais e ambientais do ESG sempre fizeram parte da cultura do nosso negócio. Além disso, a Reserva foi fundada em 2006 e em 2007 nasce o Facebook, então a gente nasceu junto com todas as sementes do mindset digital, todos os produtos digitais, o marketing digital e a inovação para resolver o problema do cliente. Sob o ponto de vista conceitual, a pandemia nos pegou com uma vantagem competitiva e aproveitamos isso. Em julho do ano passado, crescemos dois dígitos com mais de 100 lojas fechadas e assumimos o slogan “O foguete não dá ré”.
Começamos a escalar muito rapidamente o negócio e a pensar em fazer uma abertura de capital. No meio dessa andança, um dos bancos me provocou e falou “por que não juntar com a Arezzo?” Conversei com o Alexandre [Birman, CEO da Arezzo] e a gente entendeu rapidamente que seria uma governança que preservaria os valores do que era o grupo Reserva, mantendo independência para consolidar o negócio da moda e do lyfestyle por meio da plataforma logística e tecnológica. E a Arezzo ficaria com a consolidação do negócio calçadista e de acessórios. Depois da governança combinada, todo o resto é consequência.
Falando como empresa incorporada, o valor e os contratos têm que ser consequência da governança. As relações de poder, de tomada de decisão e os rituais foram combinados antes. Por isso, tem sido uma relação bem-sucedida, que completou um ano no dia 23 de outubro.
Combinamos um planejamento estratégico para Ar&Co, que é o nome que o grupo Reserva recebeu naquele momento, de cinco entregas para 2021 e já entregamos todas até outubro. A companhia cresce a passos largos, acima da média de mercado, numa velocidade muito rápida. Estamos prontos para os próximos passos que virão.
Mercado&Consumo: Como vem evoluindo a estratégia de e-commerce no faturamento da empresa? Quais novidades foram desenvolvidas para atender ao crescimento do e-commerce observado a partir da pandemia?
Rony Meisler: Na pré-pandemia, a gente tinha quase 20% de faturamento digital e hoje são 56%. Ou seja, nosso negócio hoje é digital. Antes, o mindset do desenvolvimento de produto era digital, mas o negócio ainda era mais físico. Hoje, o nosso negócio é 100% digital. Em grande parte, isso se deu porque a gente tinha as sementes plantadas dos produtos digitais que se tornaram muito mais eficientes e sofisticadas.
Por exemplo, temos um produto que se chama Now, que é uma plataforma de relacionamento dos times de vendas com os seus clientes. É a digitalização do caderninho de contatos dos vendedores, com algoritmo, machine learning e inteligência comercial digital.
Essa plataforma já existia antes da pandemia, mas era muito menos sofisticada e só era usada quando os vendedores estavam ociosos nas lojas. Com a pandemia, todo mundo foi para casa e trabalhou por meio dessa plataforma, com uma taxa de conversão de 8%.
Outro exemplo é uma ferramenta que lançamos em fevereiro de 2020, o Reserva Ink, que faz impressão on demand. Boa parte das camisetas que são compradas na internet está lisa no estoque. Temos máquinas que imprimem sob demanda, evitando sobra de estoque, com um negócio sustentável e muito mais eficiente.
Em fevereiro, construímos uma plataforma de full commerce em cima dessa estamparia têxtil, então qualquer empreendedor consegue montar a sua marca de roupas em poucos minutos usando a nossa plataforma. O único trabalho depois é o marketing digital. Esse negócio escalou para mais de duas mil lojas durante a pandemia. Esses são alguns exemplos de como saímos mais fortes com o digital.
Mercado&Consumo: A pandemia mudou a jornada do consumidor, que antes era muito mais física e hoje é mais digital. Como a Reserva tem trabalhado essa integração de experiência?
Rony Meisler: A pandemia acelerou um processo de mudança que já vinha acontecendo. Há 10 ou 15 anos, quando começamos, os clientes viam numa revista, jornal ou TV um produto de uma marca e iam na loja comprar. Eram dois pontos de contato. Nesse meio tempo aconteceu um Big Bang do varejo e esses dois pontos viraram milhões por causa do celular.
Não é a loja que é omnicanal, é o cliente quem é. Ele está em todos os lugares, nas redes sociais, no Google, na loja física e no WhatsApp. A visão da loja tem que ser única e o varejista precisa desenhar essa jornada e os seus diversos pontos de contato. O produto precisa ser plotado em cima disso. Isso tudo é inovação.
A inovação não é a tecnologia, é uma mentalidade que foca na jornada do cliente para pensar o produto. Por exemplo, eu preciso perguntar para o cliente depois que foi na loja se gostou do produto ou se foi só lá ver. Na Reserva, desenvolvemos o Now, que é uma solução para isso. A tecnologia é o meio para resolver a jornada dos clientes, e não o fim.
Mercado&Consumo: A Reserva foi a primeira marca brasileira a entrar no Pacto Ambiental da ONU. O consumidor hoje está mais ligado em sustentabilidade. Qual a importância do ESG no mercado de moda hoje?
Rony Meisler: A pandemia e todas as fraquezas e questões emocionais expostas por ela fizeram com que um maior nível de consciência acontecesse na sociedade. E a iniciativa privada começou a se preocupar com as boas práticas e a aumentar o social e a governança.
E o mercado começar a se preocupar com isso é muito bacana. O que vimos a iniciativa privada fazer na pandemia é sem precedentes. Está acontecendo uma revolução que ainda é invisível: se a marca e o negócio não se preocuparem com o socioambiental, o consumidor não vai consumir.
Essa revolução torna a mudança imperativa a mudança nos negócios. O negócio que não se preocupar com o socioambiental a partir de agora não terá consumidores e virá a óbito. Se não for por opção, que seja por obrigação.
Mercado&Consumo: Em termos de matérias-primas e processos produtivos dos itens de vestuário vendidos, o que a Reserva tem feito para aprimorar seus patamares de sustentabilidade?
Rony Meisler: Não tem como controlar toda a cadeia, mas é preciso ter um nível de consciência para, ao construir um produto, contratar uma cadeia logística, montar uma loja e os processos produtivos causarem o menor dano possível ao meio ambiente e à sociedade.
Temos inúmeros exemplos, desde o projeto de combate à fome, que operamos desde 2016. A cada peça de roupa vendida, cinco refeições são complementadas. Já foram quase 56 milhões de refeições. Também temos o projeto Cara ou Coroa, em que 70% das nossas lojas têm pelo menos um profissional acima de 70 anos de idade.
Criamos a linha de produtos PCD [Pessoa com Deficiência], que é uma população que representa 25% dos brasileiros e não existia uma roupa que gerasse autonomia. Mas é importante dizer que o nível de consciência no negócio não pode ser assistencialista. Também é preciso ter sustentabilidade financeira porque aí é ganha-ganha e se perpetua. Quando fazemos uma linha PCD, não é só pela coisa legal de ser. Fazemos isso também porque é um baita de um bom negócio porque 25% da população não encontra produto no mercado para usar.
Se é para gerar impacto na sociedade, o empreendedor e o varejista têm que pensar de que maneira eles lançam aquele produto para que também seja um bom negócio.
Na ambiental, 100% do nosso algodão é orgânico, sendo que de 50% a 60% da nossa produção hoje é em algodão. Além disso, 20% dos nossos produtos são feitos com matéria-prima sustentável ou reciclada.
Mercado&Consumo: Qual é a sua avaliação sobre a retomada do consumo no pós-pandemia?
Rony Meisler: Estamos vivendo um rebote de consumo gigante porque houve muito desenvolvimento de venda na digitalidade e, com a abertura das lojas, parte dessa eficiência de venda digital permaneceu e se somou à venda das lojas físicas.
Acho que vamos ter o melhor Natal de todos os tempos e um primeiro trimestre histórico, com um rebote muito grande em termos de venda. Depois disso, a vida volta ao normal. Cabe a nós, varejistas, nos reinventarmos para continuar crescendo e prosperando.
Mercado&Consumo: Como está o processo de expansão da Reserva? Quais são as metas para os próximos anos?
Rony Meisler: Entendemos o mercado para a marca de pelo menos o dobro de tamanho em termos de capilaridade física nos próximos três anos. No digital é ilimitado o que podemos fazer de crescimento.
Na expansão física, em 2020, abrimos 34 lojas e reformamos 10. O faturamento médio do metro quadrado que a gente entrega está acima da expectativa. E a venda digital que a loja faz é o dobro da feita no ponto de venda. Hoje 56% do nosso faturamento vem da internet, inclusive o das lojas físicas.
Mercado&Consumo: Como a pandemia impactou o negócio de franquias?
Rony Meisler: Sob o ponto de vista de negócios, a pandemia era favorável ao negócio de franquias porque tivemos, infelizmente, o aumento do desemprego e quem pega a rescisão aplica em bolsa ou empreende. Das 34 lojas que abrimos, 24 são franquias, 100% digitais, que além de cumprirem o objetivo de serem lojas para aqueles CEPs, são centros de distribuição last mile naquelas regiões. No nosso caso, a franquia expandiu enormemente e tem sido uma experiência muito bem-sucedida.
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