O foodservice cresce e aparece e as transformações estruturais no mercado de alimentação – Parte 2

Momentum nº 966

O foodservice cresce e aparece e as transformações estruturais no mercado de alimentação – Parte 2

O NRA Show focando no setor de foodservice em Chicago na semana passada, depois de dois anos de ausência física, permitiu observações complementares e convergentes sobre impactos em todo o setor de alimentação no mercado e do consumo norte-americanos e também potenciais implicações para o Brasil.

Eis alguns pontos que destacamos e que merecem reflexões:

1 – O cenário atual é resultado de uma combinação de fatores que envolve mudanças econômicas, demográficas, de hábitos, microgeográficas e de abastecimento, fazendo crescer a importância e a participação do foodservice no total das despesas com alimentos e no consumo de forma geral.

a. No plano econômico a maior inflação, 8,5% nos Estados Unidos, 9% na Inglaterra, 11,5% no Brasil, gera forte impacto, pois em todos esses casos aquela que se aplica aos alimentos preparados fora do lar é menor do que a dos alimentos preparados no lar. Isso estimula o crescimento da participação do foodservice no total dos dispêndios de alimentação, em especial para consumidores mais sensíveis com esse tema, em particular pelo elevado aumento dos custos de combustíveis, energia e transporte gerando um comportamento.

Nos Estados Unidos, os dados da NPD mostram que, neste início de 2022, apesar do aumento das vendas nominais impactado pelo aumento dos preços por conta da inflação, o tráfego nas lojas do foodservice está 4% abaixo em relação ao ano anterior e 11% abaixo em relação a 2019.

b. A percepção de uma previsível recessão à frente no mercado norte-americano, como resultado quase inevitável de ações destinadas a conter a elevada inflação, deverá espalhar consequências em diferentes níveis para diversas economias no mundo, impactando de alguma forma também o Brasil e as empresas brasileiras que fornecem para os setores de foodservice e alimentos nos Estados Unidos.

c. No plano demográfico, as novas gerações estão mais cautelosas em seus hábitos alimentares e seus padrões de consumo têm se alterado por questões econômicas, mas também pelo apelo que a alimentação mais saudável, natural e plant based desperta.

No evento deste ano, assistiu-se à consagração do protagonismo das alternativas plant based, que já havia iniciado sua trajetória quatro anos atrás, mas que multiplicou em muito sua oferta atual e trazendo consigo também o aumento da demanda e vendas pelo avanço das técnicas e conceitos adotados.

d. Por conta do aumento do home office e do home schooling, ocorre uma migração do potencial do consumo para regiões mais próximas das residências e isso reconfigura a geografia do consumo, fazendo com que regiões comerciais tradicionais ancoradas nos escritórios sofram forte impacto tendo como consequência o fechamento de lojas, shoppings, restaurantes e negócios focados em serviços. Ainda que declinante como tendência, estimados 24 milhões de norte-americanos estão trabalhando com predominância de home office.

e. A elevada inflação com aumento generalizado de preços desperta um nível de consciência ainda maior com relação a o que comprar e quanto pagar e faz crescer a importância do vetor valor na equação de polarização do varejo e do consumo, reconfigurando estruturalmente o mercado, com aumento da participação de todos os formatos e conceitos orientados por esse vetor.

f. A crise global recente precipitada pela pandemia e a retomada do consumo impactaram de forma marcante a disponibilidade de produtos e equipamentos e desorganizaram as cadeias de abastecimento, criando um quadro que agrava e é agravado pela inflação.

g. Os impactos da falta de pessoal geram uma pressão adicional sobre os custos de produzir, entregar, vender e servir e cria outras pressões que contribuem para uma ainda maior desorganização de mercado.

2 – Como resultado desses macrodirecionadores das mudanças estruturais, o segmento de foodservice e todos os setores envolvidos com alimentação e consumo incorporam novas estratégias, práticas, processos e ações, buscando o reposicionamento possível.

a. A tecnologia e o digital se tornam o ponto fundamental para buscar compatibilizar redução de custos, aumento de produtividade, mais conveniência, facilidade e sensibilização pelas experiências positivas e diferenciadas. Ficou marcante o aumento da importância dos temas ligados à tecnologia e o digital como elementos críticos no quadro que se desenha e que tende a se manter, com provável agravamento do cenário atual no futuro próximo.

b. O aumento das opções e espaços dedicados a pratos prontos em clubes de compras, cash and carry, supermercados, supercenters, conveniências e os deliveries das operações do foodservice estão reconfigurando a oferta e disputando participação de mercado com as operações tradicionais do setor. Existe o claro sentimento de que o quadro atual é apenas mais uma etapa num processo de evolução inevitável.

c. Marcas, formatos e canais que atuam no vetor valor, no qual vale o mais por menos, como clubes de compra, atacarejos, hard e soft discounters, em alimentos e outras categorias, se tornam mais relevantes e aumentam sua participação de mercado.

De outro lado são criadas novas alternativas, no plano da experiência e conveniência, para buscar o equilíbrio possível com a tendência natural da ênfase no valor.

d. Os cardápios e ofertas de produtos estão fortemente impactados pelas mudanças dos hábitos alimentares cumulados com as questões precipitadas pela maior consciência com preços, porém, de forma atípica, impactados pelas questões envolvendo a oferta de produtos e marcas geradas pelas questões ligadas a abastecimento, que determinam mudanças significativas no que é demandado e comprado.

Esse conjunto de fatores, que tem impacto mais direto na economia e no mercado norte-americanos, em boa parte se repete, com cores próprias, em muitos casos, mais graves na Europa e desenham um cenário com potencias consequências e aprendizados, com oportunidades e ameaças para o Brasil.

E sempre é muito positiva a análise mais ampla que permite extrair aprendizados que podem ser incorporados nas estratégias e práticas dos negócios em nossa própria realidade, antecipando movimentos e neutralizando ameaças.

Nota: No artigo da próxima semana vamos fechar o ciclo de análises sobre o setor de foodservice e os impactos das transformações estruturais no Brasil.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.

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