Poucos nomes estão tão enraizados no ecossistema de startups do Brasil e América Latina quanto o fundo japonês SoftBank. Realizando investimentos no País desde 2019, a organização japonesa possui hoje 91 empresas investidas em seu portfólio, com uma porção importante de “unicórnios” (startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão) no currículo, como Nubank, QuintoAndar, Loft, Creditas, Gympass e Loggi, além das mexicanas Kavak e Bitso e da colombiana Rappi.
Com a mudança de direção ocorrida no universo das startups em 2022, que força essas empresas a buscarem maior eficiência em um cenário de escassez de capital, fundos de investimento tornam-se mais cautelosos – e o grupo nascido pelas mãos de Masayoshi Son (apelidado de Masa) não é exceção.
No ano passado, grande parte dos unicórnios sob a tutela do fundo realizou demissões em massa visando cortes de custos – e continua a fazer isso em 2023. Além disso, o gigante passava também por uma turbulência interna, com a saída de Marcelo Claure, um dos braços-direitos de Masa e responsável por dar o pontapé do SoftBank na América Latina.
Agora, o SoftBank tem no comando Alex Szapiro, que liderou as operações brasileiras da Apple e Amazon. Ao Estadão, o executivo admitiu falhas na estratégia de crescimento acelerado na indústria de capital de risco, que agora resultam nas demissões, mas afirmou que o movimento era difícil de ser evitado. Ele também traçou um perfil do empreendedor brasileiro, revelou a estratégia da firma para 2023 e afirmou que não falta dinheiro para novos investimentos no País.
Confira os melhores momentos.
Em 2022, o SoftBank esteve mais quieto. Qual é o planejamento para 2023?
Não ficamos quietos, talvez mais low-profile. Em 2022, olhamos mais de 100 oportunidades no mercado. Lógico que, para o segmento de crescimento, que é o que a gente atua com os aportes de séries B e C em diante e com cheques de US$ 20 milhões, há menos empresas no pipeline. De 2019 a 2021, pegamos o lote daquelas empresas criadas em 2014, que precisavam de cheques maiores para continuar o crescimento. E temos dois papéis: investir em novas empresas, mas continuar fazendo follow-ons nas que estão em nosso portfólio.
No ano passado, especulou-se que o SoftBank sairia da América Latina por conta tanto de suas mudanças internas quanto da virada no cenário econômico. Isso vai acontecer?
Não vamos sair da América Latina. Nossa tese não muda. Porque é onde temos gente que entende do mercado.
Então, o plano é investir em follow-on ou buscar novas startups?
Na minha cabeça, do que vamos alocar, provavelmente vai ser 50% follow-on, outros 50% novos negócios. Mas, se amanhã surgir uma empresa fantástica que precisa de mais dinheiro, vamos fazer. A partir do nosso portfólio, temos um conhecimento de quem vai precisar de capital para levantar nos próximos dois anos, quem vai atingir break-even (quando lucros e prejuízos se igualam e a companhia atinge o ponto de equilíbrio financeiro), quem vai ter caixa até eventual IPO… É mais fácil quem está dentro de casa. Quem não conhecemos é novo.
O SoftBank olha hoje para empresas menores do que antes?
Isso não mudou. Nossa tese é a mesma: somos agnósticos e olhamos todos os segmentos. Saúde, logística, varejo, finanças, agronegócio. Para investirmos, geralmente são cheques maiores em empresas que já têm que estar um pouco maiores. Aprendemos que a maneira com que fazemos um negócio em estágio inicial (early-stage) é muito diferente de growth, que é mais estruturação de conselho e times. No early-stage, o investidor precisa estar muito próximo da empresa, pegando na mão. É um negócio muito distinto. Chegamos a trazer pessoas fantásticas para cá, que é Rodrigo Baer e o Marco Camhaji. Mas, no ano passado, tomamos a decisão de nos separar e eles criaram o Upload Ventures. Somos o maior investidor externo deles, mas eles têm independência total.
Como está a relação do SoftBank com os fundadores das startups neste momento em que o mercado está mais difícil?
Temos ajudado muito. É lógico que nós não estamos nos 91 conselhos do nosso portfólio de startups, mas estamos em pelo menos uns 40 a 50 conselhos. Pessoalmente, eu estou em 13. Mas as reuniões focam em quatro a cinco temas principais. A questão da extensão do caixa: lógico que você pode continuar captando, mas os valuations (os valores pagos pelos investidores) mudaram. E há muitos empreendedores questionando se querem captar agora ou depois e como fazer para estender o caixa da startup por mais tempo. E aí logicamente vimos alguns ajustes no mercado.
Segundo, discutimos a própria estratégia da empresa. Em 2020 e 2021, era um momento de muito crescimento rápido nas startups. Acho que de certa forma era até um pouco errado do nosso lado, da indústria de investimento. Acho que foi um erro nosso também incentivar o crescimento acelerado.
O terceiro ponto é o foco no centro do negócio. Para a indústria e empreendedores, esta é a primeira grande crise. Em 2020 e 2021, vimos muitas discussões sobre expandir para vários países, vários projetos que não eram o centro do negócio da startup. Algumas empresas deixaram de expandir e de falar que querem conquistar cinco países no próximo ano – hoje, talvez fiquem só no México, no Brasil ou na Colômbia. Vimos muito ajuste da estratégia das empresas. O quarto ponto é como atingir o break-even. E as discussões sobre captação são mais estruturadas por meio de dívida, em que alguém que empresta dinheiro conversível em ações da empresa. Muitos empreendedores estão fazendo isso para não sofrer um downround (quando uma empresa tem a avaliação de mercado rebaixada). Mas downrounds vão acontecer.
E vai ter casos de mortalidades de empresas. Outro tema muito iminente é o de fusões e aquisições, dos dois lados. Muitas empresas pequenas, com times muito bons, batiam na porta do nosso portfólio há um ou dois anos, mas a valuations que não faziam sentido. Muitas dessas empresas, que tinham um produto muito bom, acabaram com pouco caixa e sem capacidade de levantar capital novamente. Hoje, procuram complementação.
As demissões eram o principal remédio para o momento? Qual é o tamanho da parcela de responsabilidade do SoftBank nesses movimentos?
Geralmente, temos muito pouco papel nos cortes. Não falamos de pessoas. Falamos muito mais de fazer o negócio perdurar pelos próximos 30 anos. Não temos competência para a decisão de cortar. Quem efetivamente entende da empresa e sabe das eficiências e ineficiências é o fundador e a equipe dele. As discussões são sobre alongar o caixa da empresa. Uma coisa que às vezes esquecemos é que foi gigantesca a quantidade de pessoas contratadas num espaço de tempo muito curto. No portfólio, uma startup saiu de 150 pessoas para 900 em basicamente oito meses. O que acontece quando se faz isso? Há contratações erradas, existe dificuldade até de ajustar o organograma.
O ajuste nas startups tem dois componentes. Existe o fator de alongar o caixa da empresa. E o outro é trazer muita gente que não atinge a barra de exigência da empresa, seja por falta de qualificação ou porque há ineficiências de organograma. Quando se cresce muito rápido, o empreendedor não olha para a ineficiência da sua estrutura. Houve um mea culpa nosso e das empresas sobre esse crescimento. Existe um outro ponto de as empresas que tiveram redução de pessoal, mas ainda têm várias vagas abertas. É um reposicionamento de negócios, diminuindo a área de vendas, mas crescendo a de tecnologia, por exemplo. Basicamente, estamos em um ajuste.
Dava para evitar as demissões?
Daria para evitar se as empresas não tivessem contratado. Não acho que seja culpa de alguém. É a dinâmica no mercado. Ou seja, você basicamente vai crescer se tem capital. Aliás, não estamos falando só do Brasil, e sim do mundo todo. No mercado americano, vimos uma leva de empresas de tecnologia, com Microsoft, Facebook. De quem é a culpa? Essas empresas também contrataram muita gente nos últimos três anos.
Estamos começando a ver uma segunda rodada de cortes no Brasil e no mundo. Até quando isso vai se estender?
Difícil falar. Tenho 91 empresas no portfólio, e são empresas em fases muito diferentes. Há aquelas contratando e outras numa segunda rodada de demissões. Mas estou mais otimista, porque grande parte dos ajustes, e isso é um achismo, já aconteceram. Algumas empresas até erraram nas demissões, no sentido de precisar mais gente, mas precisaram subir a barra de contratações porque agora precisam de alguém com alguma capacidade técnica ou gerencial. Eu sou um otimista cauteloso.
O chefe financeiro do Grupo SoftBank afirmou recentemente que a empresa está no modo “defensivo”. Qual é a estratégia para a região latino-americana?
Temos capital para investir. Na América Latina, temos um fundo de US$ 5 bilhões de dólares, todo alocado. Outro fundo de US$ 3 bilhões, em que a gente ainda tem US$ 200 a US$ 300 milhões para investir. Mas, além disso, ainda temos acesso ao capital do SoftBank Group, através do Vision Fund II, de US$ 50 bilhões. Estou zero preocupado com capital. O desafio maior é achar empresas que efetivamente tenham a nossa tese de US$ 15 a US$ 20 milhões, que usam tecnologia para mudar a maneira com que as pessoas consomem, trabalham, se divertem, se educam. Em 2020 e 2021, investíamos mais ou menos em uma empresa a cada 10 dias. Os times aqui viravam noites. Nossa barra de análise era a mesma: falávamos com todo mundo, montávamos um PowerPoint para ficar horas discutindo as empresas. Isso não mudou. Agora, no modo defensivo, temos tranquilidade para olhar outros segmentos. Agritech (startups com soluções para o agronegócio) é um segmento em que a gente investiu muito pouco. Nós, “farialimers”, precisamos aprender a colocar botas e ir para o campo entender o que está acontecendo.
Discute-se que não exatamente o critério de seleção dos fundos subiu, mas que os empreendedores e projetos já chegam mais maduros. Qual é a sua visão?
Isso não impacta tanto porque estamos rapidamente identificando se a empresa está apta para chegar à nossa barra de exigência. O que aconteceu é que vemos menos empresas que precisam chegar nessa maturidade. E precisamos ser honestos. Vou fazer um mea culpa aqui. Antes, tínhamos mais apetite para investir em empresas com um nível de certeza um pouco menor.
Investimentos com esse porcentual maior de incerteza fez com que o SoftBank pagasse mais caro do que deveria por algumas das startups?
Hoje, é fácil analisar. Mas temos que lembrar que o mercado era extremamente competitivo. Houve uma certa inflação dos valuations. A indústria de capital de risco tem uma curva de investimentos: 10% das empresas investidas vão se multiplicar por 10, 15, 20 vezes; 70% vão ficar no zero a zero, e o restante vai deixar de existir. Por isso falo que não operamos com certezas.
Com informações de Estadão Conteúdo (Guilherme Guerra e Bruno Romani).
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