Diante de um cenário de juro alto, desaceleração econômica, dificuldades no mercado internacional e crise na Lojas Americanas, o crédito corporativo no Brasil secou. Endividadas, empresas têm recorrido a renegociação de débitos, além de recuperação judicial e extrajudicial, para tentar sobreviver.
A tendência, segundo analistas, é que as condições de crédito continuem duras pelo menos até o fim do ano, dificultando a operação das companhias brasileiras.
Na semana passada, o Banco Central divulgou que a concessão de crédito para pessoas jurídicas foi de R$ 166 bilhões em fevereiro, valor 8,6% inferior ao de janeiro. Para o Goldman Sachs, é provável que esse cenário piore. “Esperamos que as condições de crédito se tornem mais exigentes nos próximos meses devido ao alto nível de endividamento do consumidor, taxas elevadas, perspectiva de abrandamento da atividade real e o surgimento recente de várias situações de dificuldade de crédito corporativo”, afirma relatório do banco.
Na análise de Douglas Bassi, sócio da área de reestruturação de dívida da Virtus BR Partners, a situação deve se manter assim no mínimo até dezembro, dado que, após o Banco Central reduzir a taxa básica de juros, a Selic, serão necessários de quatro a nove meses para haver efeitos na economia real.
Com o acesso ao crédito restrito, companhias têm tido dificuldade de rolar dívidas. As que conseguem estão pagando juros pesados. A Gol, por exemplo, trocou em fevereiro título de dívidas que venciam entre 2024 e 2026 por papéis que vencem em 2028, mas assumiu uma taxa de juros de 18% – antes, variava entre 3,75% e 8%.
Para as que não estão tendo essa opção, as recuperações judicial e extrajudicial têm sido a saída. Na última semana, o Grupo Petrópolis, dono da cerveja Itaipava, e a varejista de moda Amaro recorreram, respectivamente, a esses expedientes.
Apenas no primeiro bimestre deste ano, 195 empresas no País já pediram proteção na Justiça, um aumento de 60% na comparação com o mesmo período de 2022. É o número mais alto desde 2017, quando foram feitos 197 pedidos nos dois primeiros meses do ano, segundo dados da Serasa Experian.
O economista Luiz Rabi, da Serasa, diz que o crédito ficou mais caro devido ao aumento da inadimplência e ao juro alto. Uma melhoria só seria possível com uma perspectiva de queda na inadimplência, o que não está no horizonte.
Recuperação judicial
Os pedidos de recuperação judicial devem crescer 50% neste ano, de acordo com o sócio-diretor da Alvarez & Marsal (empresa que coordena a RJ da Americanas), Eduardo Seixas. Esse aumento anual significaria uma desaceleração em relação ao ritmo de solicitações registradas no primeiro bimestre, quando a alta chegou a 60%.
Se o incremento projetado por Seixas se confirmar, 2023 terminará com cerca de 1.250 pedidos. Seria o maior número desde 2019, quando 1.417 companhias pediram RJ. O volume, no entanto, seria 33% inferior a de 2016, quando a crise econômica e o colapso de empresas envolvidas na Lava Jato fizeram com que 1.863 companhias pedissem recuperação na Justiça.
“A pandemia asfixiou as companhias. Elas conseguiram respirar na época porque receberam ajuda, mas, agora, com o juro lá em cima, está muito pesado”, diz o sócio da Alvarez & Marsal, que também está atuando na recuperação da Amaro e do Grupo Petrópolis, além da reestruturação da Tok&Stok.
Seixas acrescenta que parte das dívidas que foram roladas durante a pandemia estão vencendo agora, justamente em um momento em que os juros estão mais altos. As empresas, no entanto, ainda não estão gerando caixa suficiente para quitar os débitos.
Percebendo a falta de dinheiro nas companhias, bancos e gestoras elevaram também o spread (taxa referente à diferença entre o preço em que o banco capta recurso e o que cobra para emprestar esse recurso). De acordo com o Banco Central, o spread para pessoas jurídicas passou de 10,7 pontos porcentuais em fevereiro do ano passado para 11,8 pontos em fevereiro deste ano.
Para Douglas Bassi, sócio da área de reestruturação de dívida da Virtus BR Partners, o impacto da crise da Americanas no mercado de crédito foi grande e é um dos motivos que tem levado os bancos a dificultarem a concessão de crédito.
“A Americanas era ‘triple A’ (nota dada pelas agências de classificação de risco para as dívidas com menor risco de calote) e ficou insolvente de uma hora para outra. Isso está dificultando muito. Agora, todo mundo está olhando com mais afinco para as demonstrações financeiras. Aí é claro que o custo fica mais elevado.”
Sobrevivência
Bassi acrescenta que o custo está mais alto para empresas que estão com dificuldade de gerar caixa e que querem recursos para novos investimentos.
Segundo Mickael Paolucci, sócio da butique de crédito Multiplica Crédito Investimento, o custo médio do dinheiro para o empresário está entre 20% e 25% ao ano. Quando a Selic (a taxa básica de juros) estava em torno de 2% e 4%, o custo de capital variava entre 10 % e 15%.
Paolucci afirma, porém, que o crédito não está caro apenas no Brasil, mas em todo o mundo. “Com o juro subindo fora do País, aumenta a competição pelo dinheiro do investidor”, diz. “As grandes empresas estão em um dilema entre pagar a dívida ou continuar a faturar. É questão de sobrevivência.”
O líder de contencioso empresarial cível, recuperação de empresas e arbitragem do escritório Donelli Abreu Sodré e Nicolai Advogados, Renato Leopoldo e Silva, acrescenta que as primeiras empresas que estão sendo afetadas pela crise de crédito são as que dependem do nível de consumo, como as varejistas. “É um efeito dominó. Uma dificuldade de acesso ao crédito faz o consumidor comprar menos.”
Com informações de Estadão Conteúdo
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