O conceito de geração de valor compartilhado, proposto por Michael Porter e Mark Kramer há quase 20 anos, vem assumindo uma posição de protagonismo, especialmente em negócios com elevado grau de digitalização. E essa não é apenas uma feliz coincidência – é parte de uma nítida evolução, que transforma modelos de negócios e cria novas oportunidades de crescimento.
Durante muito tempo, o pensamento econômico assumia como premissa que os negócios geravam mais valor para toda a sociedade quando geravam mais valor para os acionistas. Assim, gerar valor seria um sinônimo de crescimento financeiro: quanto mais positivo o resultado financeiro do negócio, melhor para todos.
Muito mais do que uma questão filosófica sobre a razão de existir dos negócios, o paradigma da gestão de valor está no cerne das questões de sustentabilidade, diversidade e impacto social, que hoje transformam negócios em todo o mundo.
A evolução do entendimento da geração de valor para um conceito compartilhado, que deve beneficiar não apenas os acionistas, mas todos os stakeholders – ou seja, as partes interessadas na organização – parece uma mudança sutil. Mas é nas sutilezas que se escondem as transformações.
Em um modelo de geração de valor compartilhado, as empresas passam a ter um papel relevante na evolução do mercado, pois o investimento feito para modificar a relação dos negócios com o ambiente externo é tão fundamental quanto a geração de valor financeiro. Para crescer e prosperar, as empresas precisam desenvolver uma relação saudável com o ecossistema, colaboradores, fornecedores, clientes e com as comunidades onde atuam.
Quando isso não acontece, as empresas não conseguem contribuir para resolver os principais problemas das sociedades em que atuam. Por isso, a pergunta-chave para crescer de forma sustentável é: como posso melhorar o ambiente de trabalho, as relações de negócios e os relacionamentos entre a empresa, a sociedade e o meio em que ela opera?
Não se trata de altruísmo, e sim de uma lógica muito clara de investimento e retorno. Empresas que não se relacionam com o que é importante para a sociedade, como, por exemplo, as que não estimulam a diversidade, têm mais dificuldade em enxergar diferentes contextos sociais e necessidades de mercado. Empresas sem diversidade são menos resilientes, inovam menos e têm conexões menos relevantes com uma grande parcela da sociedade. Em negócios que dependem de clientes e de talentos (e que negócio não depende deles?), investir em diversidade deve ser uma prioridade.
O novo papel das empresas
O que o paradigma tradicional de geração de valor desconsiderava era o fato de que as empresas estão imersas em um ambiente, sendo influenciadas por ele e ao mesmo tempo o influenciando. Quando o contexto externo melhora, também melhoram as condições para cada negócio crescer. Parece óbvio, não?
Basta abrir o jornal ou um site de notícias para ver isso acontecer na prática. Juros elevados, por exemplo, aumentam o custo de capital e dificultam investimentos em novos projetos. Um ambiente mais favorável ao empreendedorismo, por outro lado, gera mais negócios para empresas que atuam em meios de pagamento, por exemplo, pois amplia o número de clientes potenciais. Sociedade, empreendedor e empresa ganham juntos e perdem juntos.
Essa mesma relação “ganha/ganha/ganha” vale para as questões ambientais, mostrando que as empresas não podem mais se limitar a um papel de consumir recursos. Isso vale tanto para negócios intensivos em carbono quanto para empresas altamente digitalizadas.
No setor de meios de pagamento, por exemplo, o maior consumo de carbono está na logística de entrega das maquininhas de pagamento para os lojistas. Ao desenvolver novos meios de pagamento que substituem os terminais por aplicativos digitais nos smartphones, numa estratégia de desmaterialização da indústria, as empresas de adquirência dão sua contribuição para a redução da pegada de carbono e para o desenvolvimento da sociedade.
Quando um negócio se propõe a estimular a evolução de todo o mercado (porque ele mesmo sai ganhando com isso), reduzir o impacto ambiental torna-se um foco prioritário e pode até mesmo abrir novas linhas de negócio.
Empresas que atuam como conectoras na cadeia de valor podem usar sua capacidade de conexão para avançar em outros segmentos – por que uma empresa de meios de pagamento não poderia entregar soluções de energia renovável para seus clientes?
Para que isso aconteça, porém, a transformação das empresas deve incorporar questões de impacto social e ambiental ao centro dos modelos de negócios. Quando o ESG é olhado apenas como filantropia ou como “devolver à sociedade”, ele se torna marginal ao negócio e não é incorporado ao desenvolvimento estratégico. Torna-se menos que secundário.
Por outro lado, quando entendido como uma oportunidade de encontrar novos caminhos de desenvolvimento para os negócios, o ESG cria possibilidades para a transformação a partir da geração de valor para toda a sociedade.
Todo e qualquer negócio se organiza em torno de oportunidades para solucionar problemas reais, para então ter suas ofertas valorizadas por clientes. Quando se busca gerar valor compartilhado, esses problemas a serem “atacados” devem estar em linha com o contexto e as problemáticas fundamentais para a sociedade e o meio, levando a soluções com saldo positivo nestas dimensões.
A existência de um negócio fortalece outras empresas e contribui para que elas gerem mais empregos e crescimento, movimentando a economia, gerando impacto social e abrindo novos caminhos.
Por isso, a expansão dos negócios se dará, cada vez mais, a partir de uma percepção mais ampla do papel das empresas na geração de valor para toda a sociedade. Modelos de negócios em que a proposta de valor contribui para o crescimento de todo o bolo, e não apenas em focar no aumento da fatia que ficará para si, tendem a ter um impacto social mais relevante e ampliar seu mercado endereçável. Com isso, geram um mundo de negócios melhor sem necessariamente renunciar à lucratividade.
O retorno do investimento social e ambiental se apresenta dentro de uma lógica de perenidade nas relações da organização com suas pessoas e com seu mundo exterior. Dessa maneira, precisa ser compreendido também como a busca pelo desenvolvimento sustentável que leve a resultados da sua própria sobrevivência de longo prazo. Neste contexto, a lucratividade precisa ser compreendida como a construção de valor adicionado a seu próprio contexto ambiental, social, cultural e econômico.
Daniel Poli é head de Sustentabilidade, Diversidade e Responsabilidade Social da Cielo.
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