Nós últimos tempos tem havido uma ênfase excessiva na metade meio vazia do copo do varejo. As razões são vistas na constante cobertura das mídias convencionais, digitais e redes sociais.
Sem ignorar a realidade expressa em números e relatórios, o fato é que essa ênfase tem influenciado o comportamento do mercado acionário a partir de percepções que têm sido difundidas.
Como habitualmente acontece em movimentos dessa natureza, a tendência é que muitos percam e poucos, os mais profissionais, ganhem ao sabor dos movimentos especulativos associados a essas mudanças do humor do mercado.
A situação particular e pontual de algumas empresas mais tradicionais de varejo e a inexplicável isenção tributária concedida para grupos internacionais atuando no varejo nacional, especialmente no setor de moda popular, fazem parte do cenário do copo meio vazio.
Alguns indicadores mostram isso. O Índice Stone do Varejo mostrou queda no primeiro semestre de 3,4% sobre o mesmo período de 2022.
No caso do Índice Cielo do mês de junho, o crescimento nominal teria sido de 1,8% e o real de 0,3% sobre o mesmo mês ano passado.
O Índice da PMC – Pesquisa Mensal do Comércio – reportado pelo IBGE no mês de maio ante o mês de abril mostrou queda de 1% e essa foi a manchete principal da semana. Porém, quando considerado o varejo ampliado, a expansão real é de 3,0% em relação ao ano anterior.
Mas todos esses são índices que retratam o passado. O IAV/IDV, Índice Antecedente de Vendas apurado pelo IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) em maio, mostrava uma previsão de evolução positiva de 3,9% para o período junho, julho e agosto, que poderia sinalizar uma tendência de reversão do quadro geral de vendas para os meses seguintes.
A análise dos fatores potenciais determinantes desse comportamento indica essa possibilidade em termos reais. É a visão do copo meio cheio na busca do equilíbrio nessas análises do presente e do futuro e a consideração do desempenho das variáveis macro que determinam o comportamento do consumo e do varejo no Brasil.
1. Emprego
Estamos num claro processo de redução do desemprego no Brasil e os indicadores mostram uma realidade que não representa de fato o que temos no País, considerando as mudanças estruturais que têm ocorrido.
O atual nível de 8,3% de desemprego, com tendência de queda, representa importante redução sobre os 14,7% de um ano atrás e está nos menores patamares desde 2015, apenas abaixo dos 8,1% do trimestre anterior, explicado por fatores sazonais.
Na realidade o Auxílio Brasil, o auto-emprego, a geração “nem-nem,” a expansão do emprego informal e outros fatores tendem a alterar o comportamento observado dos indicadores e seria possível especular que, de fato, o desemprego já é menor do que o capturado pelos indicadores oficiais, em especial pela expansão do emprego não formal, que é de interesse individual de muitos empregados.
2. Massa salarial e renda
A massa salarial real de R$ 280,9 bilhões está entre as maiores desde 2012 e sinaliza um potencial maior de consumo com tendência de aumento nos próximos meses.
A renda real media real atual no Brasil é de R$ 2.901 e tem crescido de forma consistente nesse último ano.
3. Crédito
O período recente de pandemia fez crescer o nível de endividamento e a inadimplência das famílias. E isso é problema.
O nível de endividamento representa o total da dívida das famílias em relação à massa salarial e é atualmente de 30,8%. Se somado o endividamento habitacional, esse número aumenta para 48,5%, porém, em ambos os casos com tendência de queda
Se formos analisar o atual quadro de inadimplência pelos dados do Banco Central, que representam aquelas dívidas vencidas há mais de 90 dias, o atual índice de 4,2% é o maior desde o início de 2020, quando tivemos a pandemia, porém inferior aos patamares de 2012 e 2013.
É inegável que cresceu no Brasil o crédito ao consumo, aquele tomado pelas famílias.
Em 2013 o total desse crédito representava 25% do PIB. Atualmente, representa 35%. Cresceu e desconcentrou, porém existe muito espaço para aumentar de forma saudável o crédito ao consumo quando se considera que a média do crédito ao consumo em países emergentes em relação ao PIB é de 46% e nas economias mais desenvolvidas esse fator varia de 55%, na Espanha, a 113%, como na Austrália.
4. Confiança do consumidor
O atual nível de Confiança do Consumidor, apurado pela FGV, está em 92,3 e é o maior desde final de 2019.
Ele representa a percepção dos consumidores brasileiros sobre o momento próximo e o futuro e, quanto maior, maior será a propensão a comprar e consumir.
A Confiança do Consumidor é fortemente influenciada pela inflação geral apurada agora em junho, de 3,2% com tendência declinante, e é especialmente importante aquela percebida na alimentação.
O atual indicador de 2,9% da inflação na alimentação no domicílio mostra um comportamento distinto do mesmo período no ano passado, quando atingiu o pico de 17,5%. Na alimentação fora do lar, o índice atual de 7,14% tem comportamento estável em relação aos últimos anos. Existe forte correlação, especialmente nas classes mais baixas, entre inflação de alimentos e confiança do consumidor.
Esse conjunto de fatores –, renda, emprego, massa salarial, crédito e confiança do consumidor –, é determinante fundamental do comportamento de compra e consumo e, como se percebe, existe uma convergência que sinaliza uma perspectiva de melhoria setorial nos próximos meses que poderá ser ainda impulsionada positivamente por uma redução das taxas de juros esperada a partir de agosto.
Se formos considerar esses elementos, é razoável assumir que nos próximos meses deveremos ter um comportamento melhor das vendas e do desempenho no setor de varejo, com amplo reflexo na indústria fornecedora de bens de consumo e nos serviços financeiros associados.
E tudo isso deverá permitir uma visão mais apurada da realidade, destacando a metade cheia do copo do varejo. Com toda a cautela e isolando as situações específicas de algumas organizações, definitivamente, dá para apostar na metade cheia do copo do varejo.
Vale refletir.
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Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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