A cultura empresarial brasileira foi fortemente impactada pelo período de hiperinflação nas décadas de 80 e 90. Nesse período, planejar era complexo, quando não inviável, tal a volatilidade do comportamento da inflação e o seu impacto no mercado como um todo.
Nessa fase, as decisões eram tomadas considerando o cenário mais provável, mas a variação possível tornava a previsão quase que um exercício de quiromancia.
No varejo, muitas empresas adotaram moedas internas que eram corrigidas diariamente para definir o preço dos produtos que seriam vendidos. A lógica dominante era fazer o dinheiro rodar o mais rápido possível, evitando a perda de valor pela corrosão inflacionária.
E planejar e pensar estratégico tornaram-se apenas uma referência acadêmica, pois na prática era inviável. A palavra de ordem era flexibilidade, capacidade de ajuste rápido às mudanças de ambiente e extrema adaptabilidade.
Esses elementos, de certa forma, foram incorporados à cultura empresarial do Brasil. E gerações de dirigentes e executivos foram impregnados pela lógica de planejar menos o longo prazo e ser adaptável e flexível para ajustar-se rapidamente às mudanças.
E isso quase que se tornou uma marca registrada positiva do modelo brasileiro de gestão, especialmente importante em tempos de Vuca ou Bani, acrônimos de conceitos que tentam descrever o mundo em permanente e rápida transformação.
Porém, é preciso dosar a importante e fundamental capacidade de ser flexível e adaptável com a rápida capacidade de adequação às mutações de ambiente, com o necessário planejar e pensar estratégico, tanto nas questões empresariais quanto, principalmente, quando pensamos em um projeto de nação.
A alternância política que tem caracterizado as últimas décadas no Brasil levou o País a cultuar em excesso a volatilidade e o pensar o longo prazo em termos de meses ou o imediato apoio popular, o que é, evidentemente, um equívoco.
Dois setores empresariais – o agro e o bancário – se tornaram benchmarking interno para mostrar que a visão e o planejamento, associados a um projeto de longo prazo e conjugados com capacidade de inovar e se adaptar, podem criar a fórmula certa para otimizar recursos, aumentar eficiência e produtividade e, com isso, gerar ganhos consistentes no longo prazo.
Esses dois setores são um exemplo para a nação e para muitos outros segmenteos empresariais, incluindo tudo o que envolve o varejo e o consumo.
Falta um projeto de nação que considere as mudanças geopolíticas que acontecem no mundo, com o crescente poder que vem da Ásia e com o enfraquecimento relativo de economias antes protagonistas, especialmente no Velho Mundo. Falta um projeto que valorize nossos inegáveis diferenciais em áreas como agricultura de forma mais ampla na produção de alimentos para o mundo.
Falta um projeto que valorize nossas competências e os potenciais que herdamos na natureza, na geração de energia limpa, na extensão territorial e de nosso litoral.
Falta um projeto que tenha um compromisso de curto prazo com a redução e eliminação das desigualdades sociais.
Falta um projeto que consiga reter e desenvolver talentos por aqui pela evolução da educação.
Falta um projeto que aumente a nossa participação na economia global de forma sustentável.
Falta um projeto que projete o Brasil, com todas as suas virtudes, e se comprometa com a minimização de seus problemas.
Falta um projeto que valorize a cidadania e o desenvolvimento de cidadãos comprometidos com o longo prazo da nação.
Especificamente para o varejo e o consumo, faltam projetos que reduzam a informalidade, assegurem equidade competitiva, estimulem o crescimento pelo aumento do crédito de forma saudável para as famílias e abram ainda espaço para que empresas do setor estejam mais presentes no mercado global. Tanto quanto que vocacione o crescimento do setor industrial para as áreas onde podemos ter vantagem competitiva relevante.
O excesso de foco no curto prazo, que tem caracterizado a atuação e as prioridades do Estado nas últimas décadas, tem um preço alto demais para a nação, que perde oportunidades de uma evolução transformadora, ambiciosa e definitiva da sociedade.
É preciso valorizar muito a resiliência de setores ao conviver com tantas, tão amplas e profundas mudanças de ambiente, que são uma das características que soubemos desenvolver como nação ao longo dos anos, mas é fundamental trazer um projeto que nos coloque em outro patamar socioeconômico consistente com as dimensões que temos como País.
Sem ilusão, mas com muito realismo, um projeto para a nação, talvez, seja algo que a liderança empresarial, de forma integrada, reunindo os mais diversos setores e segmentos e pensando apenas na nação, deva assumir como contribuição para a transformação virtuosa e definitiva de nossa realidade.
Vale refletir.
Nota: Esses novos e importantes elementos que impactam a transformação do varejo e do consumo também serão apresentados e debatidos com 225 palestrantes para os mais diferentes canais, categorias, formatos e modelos de negócios do varejo e do consumo no Latam Retail Show, que terá como tema central “Back to the Future” e será realizado de 19 a 21 de setembro em São Paulo. Conheça mais clicando aqui.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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