A Good Karma (GK) Partners, gestora de investimentos brasileira com foco nas áreas de educação, saúde e clima, anunciou na segunda-feira, 9, parceria com a australiana Rumin8, empresa detentora de uma tecnologia capaz de sintetizar e estabilizar um composto específico (Tribromometano – TBM) de algas vermelhas que reduz a produção de metano entérico pelo gado (o arroto do boi) e melhora o desempenho do animal, fator estratégico para impulsionar a adoção do suplemento.
A parceria, que assim como outros investimentos do Good Karma Fund envolve participação na empresa investida, tem o propósito de finalizar testes em curso, começar a produção em pequena escala e concretizar parcerias com indústriais frigoríficas, que facilitarão a adoção em escala do produto. O aporte envolvido no acordo com a empresa australiana não foi revelado.
O metano (CH4) é um gás gerado de fontes naturais e pela atividade humana – esta última, responsável por 60% das emissões globais. É o segundo principal causador do aquecimento global, responsável por mais de 25% do fenômeno no mundo, conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização criada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
Apesar de permanecer na atmosfera por bem menos tempo do que o dióxido de carbono (CO2), cerca de 12 anos, é mais eficiente na captura de radiação e, por isso, tem efeito de aquecimento 86 vezes mais forte do que o carbono ao longo de 20 anos e 28 vezes mais forte em cem anos.
A agricultura é a maior fonte humana individual de emissões globais de metano, com cerca de 40% do total, sendo que as emissões entéricas de metano provenientes de ruminantes representam até 30% das emissões antropogênicas globais do gás. Em segundo lugar estão os combustíveis fósseis, com cerca de 36% das emissões, e os resíduos orgânicos deixados em aterros, lixões e águas residuais, de acordo com a Coalizão Clima & Ar Limpo (CCAC, na sigla em inglês), secretariado criado para dar suporte ao Compromisso Global de Metano.
O compromisso foi firmado pelo Brasil e mais de cem países durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) 26, realizada em Glasgow, Escócia, e prevê reduzir as emissões globais de metano em ao menos 30% até 2030, em relação aos níveis de 2020.
A Rumin8, da cidade de Perth, já contava com parceiros financeiros de peso fora do Brasil, como o californiano Prelude Ventures, fundo com foco na pauta climática, e a Breakthrough Energy Ventures, formada por Bill Gates. Mas era fundamental um parceiro brasileiro que facilitasse a inserção e adoção da tecnologia no País, detentor do maior rebanho bovino no mundo, com aproximadamente 260 milhões de cabeças de gado, das quais 240 milhões destinadas a corte.
Os Estados Unidos, com o segundo maior rebanho global, têm cerca de 130 milhões de cabeças. Foi por meio dos dois fundos estrangeiros que a Rumin8 e a GK, que já vinha estudando empresas da área, fizeram contato.
“Falamos com mais de 20 empresas desse setor”, revelou o sócio e responsável pelos investimentos em clima e saúde da Good Karma Partners, Raphael Falcioni.
“A estratégia de expansão da Rumin8 para novos mercados é identificar e fazer parceria com empresas inovadoras que estejam alinhadas aos nossos valores e comprometidas em fazer uma diferença real na redução das emissões de metano da pecuária”, disse em nota o diretor geral da Rumin8, David Messina. “A Good Karma preenche esses requisitos em um mercado que é muito importante para a Rumin8, mas também muito importante para o planeta”, acrescentou.
A Rumin8 já realiza testes em campo em cinco regiões do globo com forte atividade pecuária: Austrália, cujo rebanho bovino gira em torno de 35 milhões de cabeças; Nova Zelândia, reconhecida por sua produção leiteira; Europa, que avança no debate sobre o mercado de carbono; além de Estados Unidos e Brasil. Por aqui, o produto tem sido estudado há oito meses pelo professor Ricardo Andrade Reis, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a fim de avaliar efeitos do suplemento no rúmen dos animais criados no País, em seus resíduos e para o bem-estar do animal.
Até o momento, segundo a empresa, os testes em laboratório demonstram reduções de metano de até 95%. Em campo, onde as pesquisas no Brasil serão estendidas por mais quatro meses, já há indícios de redução significativa nas emissões, ainda que os resultados não tenham sido concluídos. Falcioni destaca também o aumento de 9% no ganho de peso do gado brasileiro, em comparação com o grupo de controle.
Segundo ele, não se sabe ainda, ao certo, qual será o custo para os pecuaristas da adoção do produto da Rumin8, mas a expectativa é que seja inferior ao de outras alternativas disponíveis atualmente no mercado. A tecnologia patenteada pela empresa australiana, segundo a GK, usa um processo farmacêutico altamente escalável e de baixo custo.
“Dentro de uma das nossas teses de investimento, que é a pauta climática, a redução de metano era super importante. Há algumas tecnologias no mundo, principalmente de aditivos para ração, mas em geral elas são onerosas e não trazem ganhos de produtividade para o pecuarista”, comentou Falcioni. “Uma coisa que nos chamou a atenção é que a grande tese da Rumin8 é que não dá para vir com um produto de valor alto que não gere produtividade”, continuou o sócio da Good Karma Parners.
Com os recursos envolvidos na parceria com a GK, a Rumin8 poderá avançar em três frentes. A primeira é finalizar os experimentos, principalmente no Brasil, para solicitar registro do produto no Ministério da Agricultura. Também está prevista a inauguração, até o fim deste ano, de uma planta piloto na Austrália com capacidade para produzir 25 mil doses por dia.
Inicialmente, a ideia é importar o produto para testes no Brasil e posteriormente comercializá-lo por aqui, a partir da concessão de registro pelo governo. A depender do ritmo de adoção do suplemento nas fazendas brasileiras, a empresa avaliará a viabilidade de ter uma unidade de produção local ou por meio de terceiros, mas não há prazo estabelecido para este passo ainda, segundo Falcioni.
O suplemento da Rumin8 não é comercializado ainda em nenhum dos mercados considerados estratégicos, mas há expectativa de, em 2024, obter os primeiros registros autorizando a negociação comercial. Há ainda a terceira via de ação do acordo, estabelecer parcerias comerciais com frigoríficos, grandes pecuaristas de gado de corte, produtores modernos de leite e empresas de lácteos. Estes agentes serão essenciais para disseminar a solução e impulsionar seu uso por pecuaristas, diz Falcioni. “Temos visto bastante interesse dos frigoríficos. E temos de lembrar que grandes indústrias do setor leiteiro, como Nestlé e Danone, têm a redução de metano em suas estratégias”, comentou.
Apesar de os estudos em torno do suplemento da Rumin8 terem se dedicado em grande medida a tornar viável sua aplicação em sistemas de confinamento, as pesquisas feitas pelo professor Ricardo Reis, da Unesp, têm testado seu uso em sistemas extensivos, como o que prevalece no Brasil e presente também na Austrália.
O produto é altamente palatável para ruminantes, exige alterações mínimas nas operações agrícolas diárias e está disponível em vários formatos, como pós, soluções solúveis e granulados, de acordo com a Good Karma Partners. “Até onde sei, a Rumin8 é a única empresa que consegue entregar um produto que funciona para o sistema extensivo”, explica Falcioni.
Pelo fato de o mercado de produtos de redução de metano proveniente da atividade entérica de gado ser incipiente – apenas a holandesa DSM-Firmenich tem uma solução sendo comercializada em vários países – há poucos dados sobre a dimensão do segmento.
Falcioni cita o relatório “Global Market Size for Enteric Fermentation Methane Reduction Products” (Tamanho do mercado global de produtos de redução de metano gerado por fermentação entérica), da Grand View Research, de 2023, que aponta que este mercado crescerá 19% ao ano até atingir US$ 14 bilhões em 2029. Já tomando por base uma situação hipotética em que 100% do rebanho brasileiro (260 milhões de cabeças) consumissem todos os dias o produto já vendido pela DSM-Firmenich, considerando o custo de R$ 1,75 por dia por animal, tal mercado poderia chegar a R$ 166 bilhões ou US$ 33 bilhões.
“Realmente acredito que, tendo um produto economicamente viável, que traga produtividade e seja seguro para o gado e de fácil aplicação, e se conseguirmos fazer essa indústria andar no Brasil, protegeremos uma grande indústria do País, porque as regulamentações internacionais (ambientais e climáticas) vão andar”, afirmou Falcioni.
Com informações de Estadão Conteúdo (Clarice Couto)
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