Sempre que se falou em polarização no varejo, a lógica envolvia movimentos extremados, polarizados entre dois pontos. Centralização x Descentralização na Gestão do Negócio, Integração do E-commerce ou Operação Independente, Massificação ou Luxo, e algumas outras alternativas.
No cenário atual, mais diverso e plural, a polarização se amplia e, ao invés de dois extremos, incorpora um terceiro vetor, configurando a multipolarização do varejo, envolvendo Valor, Diferenciação e Solução.
É uma camada abaixo daquela que envolve as grandes transformações estruturais que mencionamos em nosso artigo anterior, com os elementos que redesenham o cenário de negócios no mundo como a Digitalização, a Consolidação, a Desintermediação e a Globalização.
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Esses são os movimentos que transcendem o mundo específico do varejo e devem ser considerados como parte da transformação maior que ocorre na sociedade, nos negócios e nas empresas de forma geral, como decorrência de fatores precipitados pelas mudanças estruturais que são vividas no mundo.
A multipolarização no varejo
Especificamente no varejo, vivemos uma realidade que é redesenhada a partir de movimentos derivados das macro-mudanças, somadas àquelas que têm a ver diretamente com o mundo do varejo, levando a esse quadro onde esses três extremos – Valor, Diferenciação e Solução -, polarizam o comportamento do mercado sendo, ao mesmo tempo, resposta e questão que se coloca para busca de alternativas para as empresas que atuam nesse setor.
De alguma maneira, esses três polos geram modelos próprios, cada um deles com suas características e pressupostos, que atraem negócios para serem definidos a partir de suas características.
A polarização pela Diferenciação
É aquela que se aproxima do conceito de luxo para encontrar respostas únicas para clientes dispostos a pagar mais pelo que entendem ser melhor para eles.
Evidente que envolve todo o universo das marcas e conceitos ligados ao conceito de luxo, que vão dos fornecedores de produtos e serviços destinados a consumidores em busca e dispostos a pagar pelo que é premium, mas também às lojas e marcas que se posicionam para atender esse universo.
Em passado recente, tudo que gravitava em torno desse polo era genericamente considerado luxo e permitiu variantes como o luxo acessível, ou Masstige, ou outras alternativas.
É aquele universo inicialmente dominado pelas grandes marcas internacionais de maior prestígio, muitas com origem no mercado europeu, como Channel, Dior, Vuitton, Gucci e Burberry e muitas outras que, de sua proposta original de presença em poucas categorias de produtos, ampliaram sua atuação diversificando categorias e multiplicando canais de vendas e relacionamento.
Ao longo do tempo, ampliou-se sua presença no mercado, sempre fortemente ancorada em canais e lojas próprias e exclusivas, baseada no binômio prestígio e exclusividade, que gera operações com elevada margem bruta, porém, com custos operacionais igualmente altos. Em muitos casos, hoje, fazem parte do portfólio de operadores consolidados em grandes grupos empresariais, depois de terem sido adquiridas e redefinidas.
Com o tempo foram sendo incorporados novos players nesse mercado, com proposta similar, mas sem o histórico das marcas mais tradicionais. Marcas como Stella McCartney, Jimmy Choo, Mark Jacobs ou Aquazzura, na moda, são alguns poucos exemplos que se posicionaram com essa proposta. E, usualmente, também nascem focadas em poucas categorias e depois expandem para outras mais.
Na moda, os exemplos são sempre mais evidentes, mas é possível também encontrá-los em outras áreas, como em móveis e decoração, e aí o exemplo, ainda só nos Estados Unidos, mas mais eloquente, é a RH, anterioermente Restoration Hardware, com suas lojas teatrais e espetaculares, que mais lembram “Villas” italianas ou francesas, oferecendo tudo que diga respeito ao cuidar da casa.
Os exemplos também podem ser encontrados nos segmentos de alimentação, cuidados pessoais ou outros, todos eles com o mesmo princípio da diferenciação com luxo e prestígio e para clientes que pagam por isso
A polarização pelo Valor
No cenário global, esse é o vetor com maior crescimento por conta do aumento da parcela de consumidores que querem cada vez mais por menos e dispõem de instrumentos para buscar essas alternativas. Especialmente considerando todo o arsenal de possibilidades gerado pela tecnologia e o universo digital.
É um vetor onde escala é fundamental e todo o modelo se baseia na busca de alternativas para buscar racionalizar, simplificar e viabilizar oferecer mais por menos de forma permanente nas categorias operadas.
Na alimentação é dominado por operações como Costco, Aldi, Trader Joe’s e Lidl, mesclando origem européia e norte-americana. No Brasil, seu equivalente está nos formatos de atacarejo, como Assaí, Atacadão, Spani, Sam’s Clube e outros.
Na moda é aquele que reúne Primark, H&M, Zara, Forever 21 e Uniqlo, cada um com uma proposta e posicionamento, mas todas focadas em oferecer a cada momento a melhor equação de valor para atender o consumidor, sendo crítico o uso de tecnologia, integração vertical, sourcing global e o omnicanal para se tornarem mais efetivas em sua operação.
É também o modelo que gerou no Brasil organizações como Riachuelo, Renner, Marisa e C&A que, de alguma maneira, são variantes locais dos modelos internacionais, adequados à nossa realidade e incorporando importantes instrumentos de financiamento para se tornarem vencedoras.
A polarização pela Solução
É um polo emergente, mas que tem grande potencial de crescimento, pois vai ao encontro de um movimento global de aumento da parcela de dispêndios com serviços, mais do que com aquisição de produtos.
É a combinação de produtos agregados com serviços que gera a solução, um dos polos transformadores de mercado.
Sua mais relevante constatação está no setor de alimentação, com o aumento da parcela de despesas migrando da compra de alimentos para serem preparados e consumidos que é substituída pelo acesso mais amplo e democrático às inúmeras alternativas de Food Service, aí inclusas todas as formas de atendimento dessa demanda, que vai dos Food Trucks aos restaurantes estrelados, passando por lanchonetes, padarias, quilos, fast food e toda sorte de operações formais ou informais, em redes ou individuais.
Em outros segmentos, esse processo também avança com a instalação de produtos, treinamentos, ajustes ou mesmo em sua visão mais avançada, quando pessoas usam os bens sem necessariamente possuí-los, como já acontece com carros, bicicletas e outros veículos.
Seu maior valor estratégico está no fato de que permitem “descomoditização” dos produtos vendidos, rompendo um ciclo que parece definido de crescente pressão sobre preços, ao agregar serviços entregando a solução que atende interesses e necessidades de consumidores cada vez mais pressionados pelo tempo.
Essa multipolarização cria uma nova realidade no varejo e seu reconhecimento permitirá um re-enquadramento dos modelos tradicionais de análise de negócios e suas perspectivas atuais e futuras.