Há muitos anos, num curso de desenvolvimento gerencial, nos foi apresentada uma metodologia de “escolha inteligente”. Nela você definia critérios de avaliação e pesos, e dava notas para cada uma das suas alternativas, chegando à escolha mais aderente aos seus critérios. Na época era algo “UAU!!” e uma amiga me disse: vou usar essa metodologia para escolher o carro que vou comprar neste final de semana.
Na segunda-feira, de volta ao escritório, perguntei a ela logo cedo:
–E aí!!?? A metodologia daquele curso funcionou para o seu carro? O “negócio” é bom mesmo?!?!
E ela, tentando parecer animada me disse:
-A metodologia é boa sim.. mas tive que fazer umas quatro vezes para dar o carro certo!!…..
A metodologia dos 4T’s que estou desenvolvendo ainda está um pouco neste estágio. Até por isso, não colocarei os pontos e notas que poderiam ser amplamente discutidos. O conceito, entretanto, parece ser consenso e vamos nos focar nele…
Os quatro T’s podem ter nomes que, em princípio, soam meio estranho, mas quis criar algo que pudesse ser facilmente usado também em inglês, assim que já vou colocar nas duas línguas.
TIME (TEAM)
Embora eu genuinamente ache que os quatro são igualmente importantes, a qualidade do Time acaba sendo igualmente um pouco mais importante, se é que você me entende…
O primeiro ponto na avaliação do time é bem objetivo. O time principal – que vamos considerar as empreendedoras que operam a Startup – está 100% dedicado à causa? Se não, temos uma imensa luz vermelha piscante.
Passado este ponto, temos que avaliar a complementariedade deste time de empreendedoras. É muito comum ver algumas amigas que se juntam para montar uma Startup, ambas com a mesma formação. Este “skill”, por exemplo técnico, pode ser crítico para o sucesso da Startup, mas sozinho, não será o suficiente.
O ideal, embora raro, seria que nossas empreendedoras se questionassem para que esta Startup tenha sucesso. Quais são os skills mais críticos além dos que temos? Quem mais precisamos trazer como parte do “core team”? Vejo isso mais em empreendoras de segunda viagem, que já têm mais “cicatrizes”.
Falando em cicatrizes, avaliar a experiência das empreendoras é um dos pontos da metodologia. Com pesos distintos, se ela vem de uma grande empresa ou se já teve outras startups. Inclusive, se estas startups falharam. O fato da empreendora persistir mostra muito do caráter e da resiliência. Junte a isso uma avaliação da capacide gerencial das nossas líderes e temos o nosso primeiro componente. Nosso primeiro T.
TECNOLOGIA e PRODUTO (TECHNOLOGY)
Avaliar o produto não é tarefa fácil. Mas sempre começo com a análise do nível de inovação e ineditismo do que está sendo apresentado. Este é um ponto complexo e, de fato, foi o tema do artigo anterior. Se você não leu, sugiro que invista sete minutos e meio para lê-lo AQUI.
Outra análise simples é ver se o produto da Startup já está patenteado, se tem potencial de ser patenteado ou não. Vamos lembrar que inovações de modelo de negócio dificilmente podem ser patenteadas, mas quase certo valorizarão mais a Startup.
Como a maioria das Startups que olho possui um viés de tecnologia, analiso (e pontuo) se as empreendedoras já têm incorporado Internet das Coisas, Sistemas Cognitivos, Analíticos Avançados, entre outros. Mas, mais importante que isso, é entender se a empresa possui um plano de desenvolvimento do produto, um “roadmap”. Empresas grandes sempre têm roadmaps bem documentados. Startups que pensem como empresas grandes, neste aspecto, têm, de fato, mais condições de serem grandes… Ganham pontos.
TRAÇÃO (TRACTION)
Tração é outro item importante da análise. E não olho somente quantos clientes (ou downloads ou usuários) tem a empresa. Quando falo de clientes, são clientes pagando, e isso, claro tem um valor enorme. A melhor validação da oferta de uma Startup é um cliente que esteja pagando por isso.
Na tração, outros aspectos quantitativos são importantes: caixa é seguramente o mais crítico. Em dois ângulos: 1) quanto de caixa ainda tem a empresa: quantos meses ela consegue funcionar com o caixa que tem e 2) como está a geração atual de caixa. Caixa é tão crítico que ouvi certa vez de um grande guru de negócio algo que traduzo aqui e repito para quase todas as Startups. Dizia ele: caixa é mais importante que a sua mãe!!
Estes dois aspectos falam do presente e do passado da tração. Para ver o futuro próximo, avalio o pipeline (quantitativo e qualitativo) e para ver o futuro médio, como é o plano de geração de demanda da Startup. Para ver o futuro distante, só uma bola de cristal mesmo…
TAMANHO DO MERCADO (TARGET MARKET)
O último dos quatro T fala sobre o mercado. Mas antes de olhar para o mercado, quero saber se nossas empreendedoras têm bem definido quem é o cliente. A definição errada do cliente pode levar uma empresa ao fracasso muito rápido. Se o cliente está bem definido, a proposta de valor é boa? Tem um “elevator pitch” bom? Para os que nunca ouviram falar do termo “elevator pitch” é como você descreve o valor do seu negócio para um cliente que encontra em um elevador. Ou seja, como conquistar um cliente em 12 segundos.
Cliente bem definido, sabemos claramente o mercado-alvo? E ele está estimado de maneira racional? Não sei se já contei aqui, mas morei na China por mais de cinco anos. Vi algumas empresas que queriam entrar no gigante asiático com produtos de consumo e diziam, se cada chinês comprar meu produto que custa 3 dólares, eu faria 3.9 BILHÕES de dólares, então se eu pegasse só 10% deste mercado… Então, não super estime seu mercado.
Outro ponto que tem que ser muito bem avaliado é a capacidade de internacionalização da solução. Algumas soluções são bem locais, ou só fazem sentido em países com maturidade similar ao Brasil.
Por fim, vejo como a Startup avalia seus concorrentes. Quem são e como elas (as empreendedoras) fazem e mostram uma análise competitiva realista é muito importante. Honestamente, uma Startup que diz que não tem nenhum concorrente já sai perdendo um monte de pontos. Se você acha que não tem concorrentes é porque não fez seu dever de casa #ficaadica.
Estes são os quatro Ts do modelo. Atribuir pontos a cada um dos critérios não é fácil, mas tenho feito este exercício e isso me ajuda bastante na escolha das Startups. Um pouco é como a minha amiga lá do início. Tem que refazer o modelo algumas vezes para “dar certo”. E aí, o sucessímetro do primeiro artigo faz mais falta ainda.
No próximo artigo vou finalizar com o critério de seleção que é único para mim, mas que me dá uma grande vantagem e tranquilidade.. Não percam! Até porque vamos inovar também!